quinta-feira, 8 de março de 2007

Traços para o retrato de Salazar

Agradeço ao amigo José Calheiros o envio deste texto por e-mail, que constitui um testemunho de um grande homem do outro e deste regime, que nem sempre se entendeu perfeitamente com o governante que marcou indelevelmente a História de Portugal, «acertando ou com erros, mas sempre autêntico»

Assim viveu Salazar...
Por Adriano Moreira

De joelhos perante Deus e de pé diante dos homens.
Humilde com o seu povo, orgulhoso perante o mundo.

De vela ao cadáver de Salazar, fui-me lembrando de muitos acontecimentos relacionados com a vida pública da nossa terra, em que a sua presença foi dominante. E também de alguns relacionados apenas com o seu modo de ser, que marcou o estilo do governo e da administração, e o estilo de uma geração de dirigentes. Dos que o seguiram e dos que o combateram. Todos marcados, na sua intimidade mais funda, pelo homem e pela sua acção.
Recordarei aqui duas imagens persistentes. Numa manhã de domingo, do ano de Angola Mártir, fui visitá-lo ao forte do Estoril. Como cheguei a pé, não tocaram a sineta que habitualmente chamava para abrirem os portões do caminho de acesso dos automóveis. Subi a breve escada que ali existe. Ao fundo do pátio, onde se encontra a capela, as portas desta estavam abertas.

De frente para o altar, a sós com Deus, Salazar cuidava da toalha, e das flores e das velas. Pensei que não tinha o direito de surpreender esta intimidade. Regressei vagaroso pelo mesmo caminho. Pedi para tocarem a sineta. Quando voltei a subir a breve escada do pátio, já ele estava sentado na sua velha cadeira, mergulhado nos negócios do Estado. Era a imagem de um homem de fé segura, sabendo que haveria de prestar contas. A brevidade da vida iluminada pelos valores eternos. O poder ao serviço de uma ética que o antecede e transcende. Acrescento outra imagem desse tempo. Recordo os discursos, as notas, as entrevistas, as declarações, em que sucessivamente definia a doutrina nacional de sempre para a crise da época. Tudo escrito pela sua mão. Mas depois, não obstante a urgência e a autoridade pessoal, tinha a humildade de chamar os colaboradores e, em conjunto, discutir, e emendar. A grandeza natural de quem pode aceitar dos outros, sendo sempre o primeiro.
E assim foi exercendo o seu magistério. Com fé em Deus e recebendo agradecido os ensinamentos do povo. Porque nunca pretendeu sabedoria superior à de entender e executar o projecto nacional. E nunca quis mais do que amar até ao último detalhe a maneira portuguesa de estar no mundo, preservando e acrescentando a herança.

O Ultramar foi a última das suas preocupações maiores. Como se, ao crescer em anos e diminuir em vida, quisesse guardar todas as energias para sublinhar a essência das coisas. Todos os cuidados para a trave mestra. Doendo-se por cada jovem sacrificado. Rezando, e esperando que o sacrifício fosse atendido e recompensado. De joelhos perante Deus e de pé diante dos homens. Humilde com o seu povo, orgulhoso perante o mundo. Assim viveu, acertando ou com erros, mas sempre autêntico. Com princípios. O único remédio conhecido contra a corrupção do poder. E muito principalmente quando se trata de um poder carismático, como era o seu caso. Um desses homens raros que a fadiga da propaganda não consegue multiplicar. Porque ou as vozes vêm do alto ou não existem. Não há processo de substituir o carisma. Por isso, também, essa luz, que tão raramente se acende, é toda absorvida pelo povo, o único herdeiro. Soma-se ao património geral. Inscreve-se no livro de todos. Pertence à História. Transforma-se em raiz.

Adriano Moreira

2 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto. Mas esclarecedor das enormes limitações de Salazar. Um provinciano de Santa Comba que apenas passou pelos bafientos corredores do seminário e da Universidade de Coimbra. Esta, na altura, primava mais pelo respeito pelas praxes e tradições do que pela qualidade do seu ensino ou ciência produzida.
Salazar era um homem fora da sua época. Um verdadeiro bota-de-elástico, como lhe chamavam. Esteve prisioneiro dos seus preconceitos e da pequenez do Mundo em que vivia.
Tolheu o seu País, tornou-o apático e timorato. Reduziu-o à limitação das suas capacidades. Mostrou-se incapaz de governar em democracia. Faz lembrar um jogador de boxe que só aceita o combate se o adversário estiver de olhos vendados e mãos atadas...
Foi talvez a sua Fé que o impeliu para a deastrosa aventura guerreira e colonialista (vide "Máscaras de Salazar" de Fernando Dacosta). Porque, em vez de dar ouvidos aos ventos da História, esperava um milagre.
Duvido ainda que tenha chorado muito as baixas dos nossos militares em África. Ao contrário, espumou de raiva quando Vassalo e Silva optou por evitar uma resistência estúpida (e salvar os seus homens), que só poderia levar a mortes desnecessárias e inglórias.
Salazar faz parte da nossa História e não é para esquecer. Mas é bom que sejam lembrados os seus tremendos erros. Para que nunca mais se repitam.

Anónimo disse...

Caro João Soares,já conecia este texto, mas que bem me soube revive-lo! O Salazar pode ter, porque tem defeitos, tal como qualquer homem.Mas ele não foi um homem qualquer!

Qualquer um entre muitos são os nossos políticos compadres e sem objectivos nacionais.

Não concordo com o amigo deprofundis,no comentário que lhe faz. Simplesmente acho que não se pode ter tudo, mas o amor pela Pátria ninguém lhe tira. O seu empenhamento, ninguém lhe tira.

A previsão do hoje que le ontem adivinhava está aí para tristeza nossa. Coibra não era uma má universidade!

Eu conheci um homem grande, um Lente de Coinbra da terra de meu avô o Dr José Alberto dos Reis, convidado para substitur Thomaz na PR e não aceitou. Foi presidente da Assembleia!

Foram outros tempos.Com coisas certas e menos certas, assim foi, mas simples, impoluto!

Abraços
MR

Abraços
MR