Por o julgar merecedor de reflexão no âmbito das economias domésticas e da cultura nacional actual, trago aqui este post do Alcobaça, Gentes e Frentes.
Um texto do sociólogo e professor universitário Moisés Espirito Santo, publicado no Jornal de Leiria, na edição de 14/672007. Achei por bem trazer este tema ao Gentes e Frentes. Informo que o mesmo artigo gerou polémica, na edição seguinte, do mesmo jornal, devido à sua pertinência e extrema actualidade mas também porque exprime um modo de ser bem português.
"Há muito para dizer sobre o tema. Comecemos por isto: o Banco Europeu faz subir as taxas de juro que vão atingir a habitação dos portugueses. Muitos deles terão de se desfazer da casa que compraram a crédito porque a Banca não perdoa. Pensaram, ingenuamente, que a vida ia de vento em poupa e empenharam-se na compra duma habitação caríssima. Como em todos os países modernos? Falso. Estamos perante um problema económico que é um efeito da cultura (entendida como «o modo de pensar e de agir») porque tudo é regido pela cultura, incluindo a economia. Nesta concepção de «casa», um valor da cultura tradicional persistente faz estragos na modernidade. Nestes últimos 50 anos, cultura portuguesa mudou menos do que se pensa: melhoraram-se os consumos, os hábitos e as tecnologias, mas o essencial continua.
O facto é que os portugueses pressupõem que, na modernidade, a regra é a compra da habitação. Ora, esta era uma regra da ruralidade. Na cultura rural (sejam quais forem as sociedades), o princípio é que cada agricultor ou aldeão tenha a «sua casa» integrada nos seus campos. A habitação da família era o seu berço, a sua raiz na terra, a sua marca no solo, a sua presença na paisagem, a condição para a parceria aldeã, a prova da existência, a estabilidade (ou fixidez) social e a sua câmara mortuária.
Contrariamente a isto, o princípio das culturas urbanas é o da casa arrendada. Na Europa, para o comum das pessoas, por «viver na cidade» entende-se que é em casa arrendada. Esta diferença marca duas culturas. Só a casa arrendada se coaduna com a premente mobilidade social ascendente ou descendente (subir ou descer no estatuto social) e com a mobilidade geográfica (necessidade de mudar de residência: se se perder o trabalho num sítio procura-se trabalho e casa noutro; alargando-se a família arranja-se casa maior; separado o casal, cada qual procura outro domicílio, etc.). Com o mínimo de traumas.
Nenhum estado moderno tem interesse em fixar os habitantes a um sítio. Muito menos concede benefícios fiscais à compra de casa. Á economia (capitalista ou socialista) convém sobretudo (é uma condição sine qua non) a mobilidade dos trabalhadores, a sua deslocação para onde há trabalho ou para desenvolver as regiões deprimidas. Só este exemplo: em 1988, no município de Paris (7 milhões de habitantes) o sistema de «casa própria» não ultrapassava os 28% das habitações familiares. Esta diferença bastaria para ilustrar o fosso cultural existente entre nós e os outros europeus. As concepções rurais, específicas das aldeias, passaram-se para as cidades.
Chamamos a isso rurbanização, quer dizer, transferência da ruralidade para a civilização urbana. A «casa própria» é um atavismo rural que persiste sob a capa da modernidade. É por isso que o País se vai tornando num imenso subúrbio, nem rural nem urbano, rurbano, sem áreas desafogadas para empreendimentos que exijam largos espaços, um país atravancado com casas, e com cada vez menos qualidade ambiental. O atavismo cobriu todo o território e compromete irremediavelmente o futuro - um enorme desperdício macro-económico. A paisagem do Litoral já é tão só uma teia de casas. É claro que os lucros fabulosos da Banca portuguesa se devem a este resquício rural da «casa própria»".
Posted by Jorge Casal
A Decisão do TEDH (397)
Há 11 minutos
2 comentários:
Mas, até que enfim alguém assume uma coisa de que falo há 20 anos pelo menos...
Alguém que fala do novo-riquismo e da falácia.
Porque é que os Bancos têm lucros fabulosos?
Porque é que as pessoas não circulam, logo estagnam, presas para uma vida inteira a um compromisso, dos mais tiranos que se pode imaginar.
Este país, onde as pessoas que vivem em casa arrendada, são olhadas como indigentes da sociedade.
Como se os outros tivessem "casa própria"!!! País atrazado!
Levantem-se, vozes, para impedir que o bancos sejam os carrascos dos nossos filhos e netos.
E fico-me por aqui, que a indignação é muita.
Um abraço amigo
Muito bem, cara amiga.
Mas, como repara, este texto não teve outros comentários. Parece que todos andamos com a cabeça metida na areia como a avestruz. A moda é esta, de maneira que ninguém quer destoar e vai de fazer asneiras. A pobreza do País reside fundamentalmente no consumismo, na imitação, na ostentação daquilo que se não tem.
E os bancos e outros sectores estão a explorar essa incapacidade de cada um gerir a sua própria vida.
Um abraço
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