Como as transcrições de Eça de Queiroz aqui colocadas em posts recentes agradaram aos leitores, trago aqui um pequeno excerto do capítulo VIII, da obra já citada, que em Junho de 1871, definia o cacique com o seu habitual realismo, ligando-o à corrupção.
«O influente ordinariamente é proprietário. Antigo cavador de enxada, enriqueceu, tem ambições, quer ser da junta de paróquia, da junta dos repartidores, e mais tarde, num futuro glorioso, vereador! Já não usa jaqueta, nem tamancos. Tem uma casa pintada de amarelo, calça um par de luvas pretas e fala na soberania nacional. Em vésperas de eleições todos o vêem, montado na sua mula, pelos caminhos das freguesias, ou, nos dias de mercado, misturado entre os grupos, gesticulando, berrando, com uma importância tremenda. Dispõe ordinariamente de 200 ou 300 votos: são os seus criados de lavoura, os seus devedores, os seus empreiteiros, aqueles a quem livrou os filhos do recrutamento, a bolsa do aumento de décima, ou o corpo da cadeia. A autoridade passa-lhe a mão por cima do ombro, fala-lhe vagamente do hábito de Cristo. Tudo o que ele pede é satisfeito, tudo o que ele lembra é realizado. As leis afastam-se para ele passar. As suas fazendas não são colectadas à justa: é o influente! Os criminosos por quem se empenha são absolvidos: é o influente! Se são proibidos no concelho os arrozais, ele pode tê-los: é o influente! Se são proibidos os portes de arma, ele é exceptuado: é o influente! Só ele caça nos meses defesos: é o influente! Só a sua rua é calçada: é o influente!
Se algum dia, leitores de As Farpas, encontrardes o influente, tirai-lhes o vosso chapéu. Ele reina, e o seu reino assenta sobre a coisa que, apesar de ser a mais lodosa, é ainda a mais sólida – a corrupção.»
DELITO há dez anos
Há 37 minutos
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