sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Democratas ou ditadores?

Por regra, o déspota é tão ambicioso de poder como inseguro e medroso. Sofre de complexos síndromas existenciais, tem pavor de fantasmas e, quando algum destes toma forma física, ele esmaga-o sem dó nem piedade. Vê ameaças por todos os lados e sente-se cercado por inimigos. Há exemplos concretos em toda a parte, em grau mais ou menos elevado. Se conseguem alcançar o degrau mais alto da estrutura do poder no seu país, consideram este como sendo sua propriedade privada e procuram controlar tudo e todos, abafando s vozes que não lhes teçam elogios. Pretendem que a Nação funcione como um grupo coral bem ensaiado a cantar em uníssono, bem afinado, loas ao querido chefe, sendo qualquer fífia punida exemplar e severamente.

Muitos políticos perdem a noção da ética, deixam de ter capacidade de resistir à tentação do Poder que corrompe, que domina e submete, pior do que a pior droga. Será que se consideram semi-deuses, donos do seu país? Será que são ofuscados pelas loas dos lambe-botas que os cercam para colher vantagens, e perdem a noção da sua função de serviço público?

Fala-se de democracia, mas todos têm tendências autoritárias que por vezes chegam ao extremo das atitudes ditatoriais. Como se compreende que a democracia não passe de uma palavra para muitos governantes?

Há exemplos vivos, que dispensam o recurso aos casos da história recente.

Na Coreia do Norte, o grande líder põe e dispõe dos recursos do país, apoiado por uma corte de servidores submissos incondicionais. Tendo transformado uma república numa espécie de monarquia, é aplaudido e ovacionado por todos aqueles que, amedrontados e amantes da sobrevivência, querem evitar represálias.
A atracção pela monarquia não é vista apenas na Coreia do Norte, pois na Síria, a descendência de Hafiz al-Hassad (que esteve no poder até à morte) foi meticulosamente preparada, o mesmo tendo sido feito no Iraque (mas interrompida pelo derrube de Saddan Hussein) e está em preparação na Líbia e no Egipto.
No Zimbabwe, Robert Mugabe pretende morrer no trono, esmagando qualquer veleidade de oposição ou simples manifestação de desagrado.
No Sri Lanka a sr.ª Chandrika Bandaranaike não abandona uma milésima do poder nem por milagre, reprimindo com mão de ferro as aspirações dos Tigres Tamil, apesar das tentativas de negociação patrocinadas por um país da Europa do Norte. Para melhor controlar o Estado e evitar oposições indesejadas, formou governo com familiares, tendo a mãe sido primeira-ministra até à véspera da morte.
No Myanmar (antiga Birmânia), a ditadura militar considera-se proprietária do país, ao ponto de, após as eleições de Maio de 1990, não deixar formar governo o partido vencedor de Daw Aung San Suu Kyi, filha do líder da independência Aung Sang, anteriormente falecido. A senhora Suu Kyi, não pôde formar governo e passou a viver em prisão domiciliária, incomunicável, nem sequer se tendo ausentado para receber o prémio Nobel da Paz de 1990 que lhe fora concedido.
Em Cuba, Fidel só abandonou o poder por motivo de doença que o colocou à porta da morte e, mesmo assim, entregou-o ao irmão como se fosse propriedade sua ou de sua família e não do país.
Em Angola, ao fim de 30 anos, Eduardo dos Santos, porque se sente perto da morte devido a mal na próstata, parece decidido a fazer eleições no próximo ano, mas já antes fizera promessa idêntica que não cumprira.

E as ditaduras nem sempre surgem na sequência de revoluções ou de golpes palacianos, sendo frequente aparecerem progressivamente, a partir de situações de aparente democracia normal, como no caso de Hitler e, agora, na Venezuela. Há pequenos sintomas da ambição desmedida pelo abuso do poder que podem escorregar para o centralismo, exagerado, com autoritarismo que tudo controla e reprime, por vezes, com base em denúncias que conduzem à partidarização de cargos públicos a qualquer nível. Não é por acaso que seja considerado necessário alertar as populações para os verdadeiros problemas que as afligem, despertá-las para perderem o medo de, como diz Mário Soares, manifestar a sua indignação e refilar no momento e local certo. Como disse Cavaco Silva, é preciso não se resignar ao sofrimento.

Quando tais sintomas começam a ser evidentes, há que criar nesses países, uma onda de fundo, agir sem pressa, mas sem esmorecer, sem desistir, sem demoras, com perseverança. Agindo assim, serenamente, talvez consigam criar melhores condições para os seus filhos e netos e mentalizar os mais jovens de que o mundo deles está agora a ser construído e eles têm de colaborar, porque serão os beneficiados. Com populações bem esclarecidas e com capacidade de analisar fria e calmamente a situação em que vivem, o mundo poderá ser mais pacífico e desenvolvido e as pessoas mais felizes em liberdade democrática.

9 comentários:

Ema Pires disse...

Parece que cada vez há e haverá mais dictadores. É uma verdadeira praga que está a chegar e é difícil lutar.
Gosto muito dos seus artigos caro amigo.
Um abraço

A. João Soares disse...

Cara Ema Pires,
Muito simpático o seu comentário. Quanto à quantidade dos ditadores, parece que dentro de cada um há um déspota, egoísta e ambicioso, sem um verdadeiro respeito pelo outro. A falta de ética leva ao esquecimento da verdadeira função do político, ignoram que a Política é uma ciência e uma arte muito nobre que deve ter por objectivo permanente a procura da felicidade das pessoas. Mas eles procuram apenas a felicidade deles próprios e os da máfia que os cerca.
Visitei o seu blog e gostei muito das imagens muito atraentes e do texto poliglota.
Muito obrigado
Abraço
João

Nuno Raimundo disse...

bOAs...

Isto da Democracia tem muito que se lhe diga...
Primeiro temos de entende-la e depois absorve-la.

E cá no burgo, ninguém o fez, faz ou fará(!)...

Assim desta forma será sempre dificil em falar de Democracia; senão aquela de um grupo ou dois que monopolizam as atenções e intenções de voto, como o que diariamente assistimos cá no nosso "rectângulo"...

abr...prof... e bfds

Anónimo disse...

Caro João Soares,

a "democracia" de uns colide com intereses "democratas" de outros.

A democracia é um acto fingido.

Como pode haver democracia com presidentes de camara há 30 anos?Com os mesmos partidos que se revezam inegavelmente no poder há trinta anos?

Sim, são eleitos democraticamente. Mas como e porquê?

Gira o disco e toca o mesmo!

A tese de doutoramente de Eanes, em Navarra, versa isto, em forma da falta de cidadania e falta de participação da sociedade comum, na vida política. Não interessa aos partidos o envolvimento dos cidadãos em actos de cidadania e só os endeusados partidos podem concorrer a eleições...

Quanto à Venezuela, só pode entender aquele déspota quem fala com Deus, "há um"...

Cuba, é um "país" de faz de conta,miserável para os seus habitantes, onde um indivíduo que seja apanhado a vender carne de vaca aos seus concidadãos apanha 16 anos de cadeia...

Onde o ensino e a saúde não são tão fáceis ao povo como dizem. Onde um médico de topo ganha uma miséria/mês, que aqui só dava para um almoço num restaurante para duas pessoas!!

Onde só tem direito a uma carroça com motor quando cumpre determinados objectivos do partido/Cuba!

Mugabe, e Kim são outros exemplos de que a humanidade está cheia.

Mas o cidadão comum, quando não comemos a mesma palha (opinião) também é ditadorseco, pois apelida os outros de partidocracia e fascismo.

Sim, são os demokratas da treta!!

Um abraço e até sempre

ANTONIO DELGADO disse...

Amigo A. João Soares, Excelente esta postagem e muito pedagogica sobre a fobia do poder e a fobia que o poder faz em quem o detem...o medo! há vários estudos que dizem ser ele quem move as nossas emoções e elas o mundo.
Aproveito para desejar-lhe um bom fim de semana, bem como aos leitores e postadores do Mirante e continuação do espirito elevado que sempre se encontra neste blog de referencia.
António

A. João Soares disse...

Caros Profano, Mário Relvas e António Delgado,
Obrigado pelas vossas palavras.
O livro «Sister Revolutions, French Lightning, Amarecan Light» de Susan Dunn, compara as revoluções francesa e americana quanto à preparação, realização e resultados, bem como a interacção em muitos aspectos. Sublinha a preocupação dos pais dos EUA em evitar o abuso do poder do Presidente, o que procuraram através do Congresso com o seu poder de veto. Mas tiveram consciência de admitir que quando um partido tivesse o governo e o controlo da maioria do Congresso, a solução não seria totalmente perfeita. É esse o inconveniente das maiorias absolutas a que me referi nos seguintes três textos que aqui coloquei recentemente:
Oposições e governos em democracia,
Inconvenientes da maioria absoluta, aditamento,
Inconvenientes da maioria absoluta.

Abraços amigos com votos de bom fim de semana

Anónimo disse...

"Pequenos sintomas" na Venezuela?
Os sintomas já são tão grandes que se podem chamar sindroma.
Hugo Chaves é o Mugabe da América Latina. Que ninguém tenha dúvidas. E, como todos os ditadores, está a criar inimigos: os EUA em primeiro, o Brasil em segundo e outros se seguirão.
E, com Pátria "ameaçada", todos os abusos do poder são de esperar.
Que os deuses se compadeçam dos venezuelanos.

C Valente disse...

Poder que corrompe, que domina e submete, pior do que a pior droga.
Por isso o poder não devia ser para todos, os mesquinhos normalmente incompetentes (a não ser para a maldade) são os piores, depois vem aqueles e já diz po diado, "não sirvas a quem serviu..."
Texto muito bem apresentado, parabensm e viva a vida
saudações amigas

A. João Soares disse...

Caros De Profundis e C Valente, Agradeço as vossas visitas e os comentários.
Gostava de encontrar um texto brasileiro que circulou por e-mail há coisa de um mês quando Lula se avistou com Chávez, em que o Brasileiro era alertado para a intenção de Chávez entrar no Mercosul fim de dominar toda a América do Sul, e há dias surgiu a notícia de uma mala cheia de dinheiro ido da Venezuela para apoiar uma candidata às presidenciais argentinas. Para quê dizer mal dos americanos ? Todos lhe seguem os maus exemplos e só têm dor de cotovelo de não conseguírem iguais resultados. Como dizia aqui em post de meados de Novembro, Relações internacionais são interesseiras. Não podemos esperar generosidade de países ricos, porque cada vez querem ser mais ricos. O Poder, a riqueza, vicia como a droga e não há cura porque ninguém está interessado em recuar.
Um abraço