segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A corrupção e a deontologia dos jornalistas

No JN de hoje, com o título de "Interesse público", o jornalista Manuel António Pina aborda, com a sua subtileza e a perspicácia habituais, aspectos curiosos da corrupção. Por um lado, os jornalistas pegam com pinças deontológicas os casos criminais de corrupção que envolvem muitos zeros ou gente para quem os muitos zeros são triviais. O respeitinho é muito lindo e os jornalistas sabem tê-lo em atenção quando se referem aos detentores do poder, seja qual for o aspecto de este se evidenciar, político, económico, empresarial.

Por outro lado, à semelhança do touro manso que, inesperadamente, se toma de brios, encrespam-se em defesa do «interesse público», por causa de simples amendoins, o que foi notório há dias quando tantos «jornalistas correram para a porta de um tribunal onde eram interrogados uns árbitros e uns dirigentes do futebol regional, suspeitos de câmbio de 500 euros pelo resultado de um jogo». O "interesse público" da semana era o Lamego-Cinfães. E a notícia era que o resultado foi, mais euro menos euro, 2-2.

A volubilidade de conceitos jornalísticos, como o de "interesse público", seria tema interessante para uma tese de doutoramento em Comunicação Social. É que parece ninguém se ter interessado minimamente por saber quais são as "grandes empresas" que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acusou de estarem envolvidas em crimes de fraude fiscal, provavelmente de valor superior a 500 euros! Bem tentou o secretário de Estado espicaçar a curiosidade de jornais e jornalistas com a lista das "1000 maiores empresas portuguesas" e bem o presidente da CIP deixou cair, como as senhoras púdicas de antigamente deixavam cair o lenço, a pista das construtoras civis. Em vão. Aqui os jornalistas não conseguiram descortinar o «interesse público», tal é a sua miopia. Ou haverá vantagem em tal conivência, do ponto de vista da segurança profissional e pessoal?

O tal respeitinho pelos poderosos caídos na tentação da corrupção ou a leve esperança de cada português poder vir a beneficiar com tais habilidades levou há meses o PGR a afirmar que o combate à corrupção é extremamente difícil porque o povo não a condena e não a denuncia. Quem, então, a pode eliminar dos costumes usados no enriquecimento fácil? Parece que ninguém está interessado nisso, porque quem era suposto realizar tal tarefa, não evidencia o mínimo interesse pessoal nela, antes pelo contrário. Recordem-se as reacções do poder político às propostas de João Cravinho.

4 comentários:

ANTONIO DELGADO disse...

amigo A. João Soares, antes de mais deixe-me dar-lhe os parabéns pela excelente prosa do seu texto que como todos os outros é sempre muito pertinente. o tema da corrupção é um problema bastante comum em Portugal que já parece fazer parte dos usos e costumes das "lusas gentes" (algumas) e caracteriza o seu folclore. Lamento é que pessoas como o PGR afirmem coisas como o A João Soares, expos no seu excelente artigo. E lamento que o Eng. Cravinho para estar calado tenha aceite o tal lugar em Inglaterra (presidente de um banco). Sobre os jornalistas: nunca houve tão péssimo jornalismo desde que há tantas escolas de comunicação social em Portugal. Escolas essas que enviam estagiários para os jornais que irão substituir os verdadeiros profissionais que são incómodos. Assim me contam alguns amigos que trabalham na redacção de jornais e revistas importantes bem como na RTP. As gerências dos órgãos de informação preferem os estagiários, por serem ingénuos, manobráveis e descartáveis. Depois cobram menos: é só lucro! Além disso as pessoas lêem tudo sem distinção. Não lhes interessa notícias que eduquem mas pseudo- noticias que as distraiam... Assim "vamos" cantando e rindo e minguando o "nosso" sentido critico e entendimento da realidade de forma sustentada.

Um abraço bem Fraterno
António

A. João Soares disse...

Caro amigo António Delgado,
Obrigado pelas suas palavras que vieram melhorar a análise desta indesejável crise moral do País. Quanto à acomodação dos jornalistas e à corrupção generalizada, como característica do povo, tem interesse a frase do General Franco, quando, já às portas da morte, lhe perguntaram se o 25 de Abril iria resultar num banho de sangue, ficou calado durante um bocadinho enquanto os médicos o olhavam, expectantes e, em seguida, disse: "Não acredite nisso, os portugueses são muito cobardes."
Parece que tinha razão. Não existe uma reacção definida aos atropelos do Poder e, quando as há, são para prejudicar os utentes, os concidadãos inocentes, como tem sido o caso da greve dos lixos na Valorsul. Em vez da greve deviam afrontar corajosamente o causador do seu mal-estar.
Um abraço
João

Jorge P. Guedes disse...

Ahahahah!.... este Pina é tramado!

Claro, os árbitros do Cinfães é que interessam à população!
E. às tantas, vai-se a ver e as tais empresas nem deviam nada....foi erro informático! E os jornalistas, espertos, profissionais e avisados, não foram na conversa. Por isso, rumaram ao caso da alta corrupção de mais uns quinhentinhosno mundo da bola.

E rebimba o malho!

Um abraço. Seja bem regressado! (Pensei que a pausa fosse mais longa, mas ainda bem que não.)

A. João Soares disse...

O mocho é uma ave sábia, mas mais ainda quando é majestática!
Obrigado pelas suas palavras que traduzem prazer na minha companhia blogosférica!
Cá vou continuando com as minhas «sátiras» com uns pozinhos de lição de ética. Mas, caro Mocho-Real, ninguém aprende e poucos lerão além da terceira linha!!!
Se olharmos para os potenciais leitores em termos estatísticos, como gostam os governantes, esta minha ocupação do tempo é apenas chover no molhado ou, em termos mais masculinos, pura masturbação intelectual ou literária.
Um abraço