domingo, 20 de abril de 2008

Expurgar o RDM de inconstitucionalidade

Pela sua oportunidade e pelo esclarecimento que contém, transcreve-se o artigo seguinte.

É a altura de o Governo demonstrar o seu apego à democracia e à lei
José loureiro dos Santos, General
Público de 18/04/2008

A leitura da Constituição da República não deixa dúvidas sobre que cidadãos poderão ser abrangidos pela aplicação de penas disciplinares resultantes da infracção das leis que lhes restringem direitos dos militares. Não apenas pela leitura do seu artigo 270 (único na Constituição sobre "restrições ao exercício de direitos"), onde se afirma que "a lei pode estabelecer restrições dos direitos (...) dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo (...)", mas também no artigo 164, que define a "reserva absoluta de competência legislativa" da Assembleia da República, se utiliza a mesma expressão "em serviço efectivo" (as aspas são nossas).

Ou seja, é inconstitucional o que está ou vier a ser determinado no Regulamento de Disciplina Militar (RDM), relativamente à sua aplicação aos militares que se não encontrem em serviço efectivo. É tudo tão cristalino, mesmo para um não jurista, que não é necessário invocar a autoridade dos pareceres de reputados constitucionalistas como Gomes Canotilho e Vital Moreira, para o confirmar.

Existem dois motivos que poderão explicar que só agora se tenha levantado este problema. Por um lado, teve lugar um acontecimento, que não me lembro de ter ocorrido antes: um militar fora do serviço efectivo foi objecto de um processo disciplinar, o que despertou a atenção para este assunto, especialmente das associações militares e dos jornalistas, conforme, aliás, lhes compete. Por outro lado, porque, na imediata sequência cronológica, e presumo não causal, daquele insólito e inadequado processo, o Ministério da Defesa Nacional enviou um anteprojecto de actualização do RDM em vigor, que data de 1977 com posteriores actualizações pontuais, às chefias e às associações militares, para obtenção dos respectivos pareceres.

Não tenho uma ideia persecutória sobre os actuais responsáveis políticos pela instituição militar, nem penso que eles tenham qualquer intenção de restringir os direitos dos militares, além do que a Constituição permite, e avalio positivamente o exercício das suas funções, sem nunca deixar de criticar os erros que cometem, quando deles tenho conhecimento. Os infundados agravos causados aos militares no âmbito das reformas da administração pública (particularmente no apoio de saúde e no valor das reformas), que urge serem urgentemente reparados, devem-se principalmente à errada abordagem inicial feita pelo Governo a essas reformas, não considerando a especificidade da função militar, e à inexplicável e perigosa insensibilidade do ministro das Finanças aos assuntos militares. Os chefes de estado-maior defendem a instituição militar e estão interessados em resolver os problemas com que se deparam todos quantos têm a honra de lhe pertencer, pelo menos tanto como aqueles que se lamentam pela forma como são tratados, entre os quais me incluo. Por estas razões, fiquei bastante surpreendido e achei particularmente estranho o facto de surgirem inconstitucionalidades no anteprojecto de decreto-lei distribuído, nesta matéria tão sensível.

Questionado por vários meios de comunicação social, sempre revelei a minha surpresa pelo aparecimento das normas contestadas e afirmei não descortinar motivos que as justifiquem. Limitei-me a adiantar como hipótese de explicação a possibilidade de a elaboração do anteprojecto da proposta de diploma ainda estar situada a um nível menos político e mais técnico, o que, eventualmente, teria induzido uma atenção menos cuidada dos responsáveis políticos. E sempre afirmei estar convicto de que seriam retiradas as manifestas inconstitucionalidades que ele tem, quando fossem com elas confrontados, para o que bastariam os alertas dos chefes militares em funções, cuja devoção à instituição militar não deixa dúvidas.

As declarações do secretário de Estado da Defesa Nacional são um sinal de que esta previsão tem fortes probabilidades de se concretizar. Em vez de insistir em normas à margem do que a Constituição da República prescreve, é a altura de o Governo demonstrar o seu apego à democracia e à lei, expurgando o RDM das inconstitucionalidades que ainda contém. Evitará complicações e tensões desnecessárias, que podem ser muito prejudiciais. E não se esqueça da urgência de retomar o cumprimento das leis que governos anteriores deixaram de cumprir (ilegalidade que se mantém), pois é uma atitude de pleno, injusto e perigoso "afrontamento" dos políticos com os militares, que não tem paralelo nos últimos tempos.

O que se pretende é a concretização do que está determinado na lei sobre a condição militar. Pondo fim aos exageros dos cortes no apoio de saúde e nas pensões, actualizando os vencimentos dos militares ao nível das profissões equiparadas (juízes, diplomatas e professores universitários) e pagando o que deve das pensões a que os reformados têm direito, mostrando que se porta, quando paga, com o mesmo rigor com que age, quando cobra.

10 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Caro A João soares:

Neste campo, como em tantos outros, não me sinto nada à vontade para opinar consistentemente.
No entanto, parece-me que o Estado tem de ser como a celebrada mulher de César.
E, no caso vertente, não creio que esteja a ser sério.

Um abraço.
Jorge P.G.

A. João Soares disse...

Caro Amigo Jorge Guedes,
Agradeço o comentário, pela sua sinceridade e sentimento.
Há quem afirme que o Estado não precisa de militares e concordo que o mundo seria mais harmonioso e pacífico se os atritos entre os Estados pudessem ser resolvidos sem a acção militar.
Porém não há Estado válido que os não tenha. A sua existência só por si já evita conflitos sérios por eles constituirem um factor dissuasivo. Se Portugal não dispusesse de militares já teria deixado de existir como independente.
O problema português, neta data, não é ter ou não ter militares. É querer tê-los, com as restrições de direitos diferentes de qualquer funcionário público, com deveres que vão até ao sacrifício da própria vida, ao mesmo tempo que lhes são retiradas as compensações que lhes vinham sendo dadas do antecedente. Com o regime agora agravado, dentro em breve não haverá jovens atinados que decidam seguir tal vida. Restarão os imigrantes, os mercenários, os meio loucos e aventureiros e esses não dão garantias de se disporem a defender a Pátria até ao sacrifício máximo.
Não me parece possível continuar a ter um exército à moda de antigamente, retirando as compensações dos sacrifícios que lhe são exigidos, à moda de escravatura de antanho. Hoje, as relações trabalhador-patrão não se coadunam com tal regime de servidão e tais restrições aos direitos de associação, de reivindicação e de expressão.
As consequências destas ameaças de RDM conduzirão ou a mais um recuo do actual Governo ou a uma insubordinação de imprevisíveis efeitos negativos para o País.
veremos, mas oxalá que haja bom senso dos governantes.
Abraço
A. João Soares

Anónimo disse...

passei por este blog vindo algures de um local longínquo na blogosfera.esse sr general qd exerceu o seu último cargo já pensava assim?ou é fruta da época?cumprimentos da blogosfera

A. João Soares disse...

Provavelmente, como pessoa inteligente, foi adicionando nova informação ao seu espírito e agora pensa de forma diferente. Isso acontece em todo o ser vivo, ou cresce ou envelhece e isso significa mudança. Lá dizia o poeta «todo o mundo é feito de mudança». Sem mudança não há vida. Até os minerais mudam, embora quase imperceptivelmente.
A mudança é um estímulo, causa e efeito da evolução.
Qual é a dúvida???

Anónimo disse...

vao-nos tirar o prémio dos saltos?porque nao dao os prémios ás outras f.esp. sem nos afectarem?ká do ceu blogosférico abraço pq

A. João Soares disse...

Nada nos deve admirar. Já é de há 30 anos que a tendência foi de alinhar por baixo. Ficar tudo nivelado martelando na cabeça dos mais altos, com uma excepção os benefícios de políticos e seus apaniguados em que a regra é alinhar por cima. Veja se já apareceu sinal da luta contra a corrupção dos mais poderosos!!!
Abraço
A. João Soares

A. João Soares disse...

Transcrição de Alô Portugal:

O Regulamento de Disciplina Militar

O RDM era e é, apesar da versão última ser de 1977 e precisar de ser revista,um documento bem feito e que provou durante décadas, em tempo de paz ,crise e guerra!

A sua aplicação teve nuances,como é de esperar de qualquer regulamento que é aplicável por homens sobre outros homens.Sem embargo,os valores que enformaram as FAs foram sempre de molde a que a sua vigência tivesse corrido, maioritariamente,em termos elevados.

A actual revisão,que pretendem implementar,é apenas mais um episódio de uma extensa lista de eventos que apenas visam a menorização dos militares; a descaracterização da Instituição Militar e a sua submissão, intolerável, a qualquer força politica que se sente nas cadeiras do Poder.

Há mais de vinte anos que dizemos e escrevemos estas coisas e começo a constatar que ,finalmente, figuras gradas e de alta hierarquia das Fas, passaram a entender as coisas do mesmo modo.Vale mais tarde do que nunca.

Parece, importante, contudo, apurar e fixar, quem é/são os autores das “barbaridades” que se vão cometendo pelo País ,a fim de os responsabilizar e aplicar o devido correctivo, em altura própria.

E quanto à ideia de colocar uma mordaça nos militares reformados, vamos já aqui combinar, que terão em mim um desobediente activo.
João J. Brandão Ferreira Tcorpilav(ref.)

Anónimo disse...

Aqui estamos!
Somos um grupo de militares que aconselhados visitamos o seu blog.Está com pontos de vista interessantes, mas a malta cá do da Messe não está a achar piada alguma ao caminho que isto leva.

As forças especiais merecem um subísidio.Os Comandos já o tiveram e alguém lhes cortou e os páras tiveram-no fixo, quer saltassem quer não.Agora está mediante o nº de saltos.Retirar este subsídio de risco, ou mudar-lhe o nome equiparando-os a outras forças será nefasto.O que acha?Assim teremos dificuldades na angariação de pessoal.


"Que nunca por vencidos nos conheçamos"

A. João Soares disse...

Há quem defenda que as forças especiais são preenchidas por voluntariado e os seus elementos fazem o que gostam e, por isso, não devem receber prémio.
Mas, olhando pelo lado do interesse das Forças Armada e do País, não se pode estar à mercê de apareceram «loucos» aventureiros, para haver Forças Especiais. A cada um segundo o seu trabalho e o seu risco. Dar a todas as forças o mesmo prémio é a mesma lógica de não dar a nenhuma, isto é dar a todos os militares o mesmo vencimento. Não seria justo.

NOTE-SE que os políticos também são voluntários e não param de se encher com boas remunerações e uma grande variedade de subsídios, como tem circulado nos e-mails.
Então como é? Uns comem e os outros cheiram? Onde está a moralidade?
Apareçam mais vezes e tragam argumentos em vossa defesa, perante a perseguição de que estão a ser alvo.
Abraços
A. João Soares

A. João Soares disse...

Um gesto de solidariedade

O coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, foi um dos cerca de 50 militares que participaram, na quinta-feira, no Café Martinho da Arcada (Lisboa), num Porto de Honra em solidariedade com Luís Fraga, por causa do processo disciplinar que lhe foi instaurado apesar de ser um militar reformado. "É aberrante", frisou Vasco Lourenço ao DN, acrescentando que" o actual Regulamento de Disciplina Militar (RDM) é inconstitucional" – e que os seus autores, no ano (1977) em que foi aprovado pelo Conselho da Revolução, já tinham "a noção de que era preciso adequá-lo" à Constituição recém-aprovada. Vasco Lourenço, um dos militares que (verbalmente e por escrito) já transmitiu a sua posição sobre o caso ao chefe do Estado-Maior da Força Aérea, general Luís Araújo, adiantou: "Tem havido [até agora] uma aceitação tácita que as normas do RDM não seriam aplicadas a "os reformados precisamente por serem inconstitucionais porque apropria ambiguidade do regulamento o
permite. "É inconstitucional e daqui não podem fugir", frisou ainda o capitão de Abril.
A reunião organizada pela Associação Nacional de Sargentos, não contou com a presença de representantes das associações de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e dos Militares na Reserva e Reforma (ASMIR).