domingo, 6 de abril de 2008

O capital humano precisa de motivação

O empresário italiano Enzo Rossi ganhou as páginas de jornais europeus depois de fazer uma experiência curiosa.

Dono do pastifício La Campofilone, que factura 1,6 milhões de euros por ano, ele decidiu passar um mês inteiro com a quantia que paga aos seus operários. Foram 1.000 euros para si próprio e 1.000 euros para sua mulher, que também trabalha na empresa (no total, o equivalente a 5.400 reais). O dinheiro acabou em vinte dias. Rossi, então, deu um aumento a todos os funcionários do pastifício. Ele falou ao repórter Fábio Portela.

Porque o senhor decidiu viver um mês com o salário de um operário?

Achei que seria educativo para minhas filhas. Tenho duas meninas, de 14 e 15 anos, que, como todos os jovens, sempre pedem mais do que precisam. Queria que elas soubessem como é a vida das pessoas mais pobres. Achei que seria pedagógico para as meninas, aprender a controlar um pouco as despesas. Por isso, combinamos que viveríamos durante um mês com o salário dos operários do pastifício. Foram 1.000 para mim e 1.000 euros para minha mulher, que trabalha comigo na empresa.

Qual foi o resultado?

Tenho vergonha de confessar, mas a verdade é que não cheguei nem perto do fim do mês. Apesar de toda a economia que fizemos, o dinheiro acabou no dia 20. O meu, o da minha mulher, tudo. Faltavam dez dias para o mês terminar, e eu não tinha mais 1 euro no bolso. Encerrei a experiência e decidi dar um aumento de 200 euros aos meus funcionários. Percebi que, se o dinheiro acabava para mim, também não dava para eles. Como eles se viravam do dia 20 ao dia 30? Era impossível viver com o salário que eu pagava.

O senhor sugere que outros empresários sigam o exemplo?

Cada um tem a sua própria ética e deve fazer da sua vida o que achar melhor. Mas, seguramente, para mim valeu a pena reduzir um pouco a mais-valia e repartir os lucros com quem trabalha para mim. Gosto de ver os funcionários mais tranquilos e felizes.

Mais-valia? Por acaso o senhor é marxista?

De jeito nenhum. Sou apolítico. Aliás, a única categoria ideológica na qual me encaixo é a de egoísta. O fato de ter dado o aumento aos empregados é a prova cabal de que sou um grandessíssimo egoísta.

Qual é a relação entre uma coisa e outra?

Simples: se o salário é insuficiente, os funcionários vivem sob stress psicológico, porque não sabem se conseguirão chegar com dinheiro ao fim do mês. A mãe que precisa pagar a escola do filho, o rapaz que quer levar a namorada para comer uma pizza no fim de semana: se eles não têm dinheiro para isso, o que farão? Eles ficarão instáveis do ponto de vista emocional e, consequentemente, trabalharão mal. Quero que eles estejam bem para aumentar meus lucros. Por isso, posso dizer tranquilamente que sou um egoísta.

O stress diminui a qualidade da massa?

Fabrico um produto de altíssima qualidade e alto valor agregado, que é – não que eu queira fazer publicidade – o maccheroncino de Campofilone, um tipo de macarrão finíssimo, muito tradicional na Itália. Não é qualquer mão que é capaz de transformar a farinha de trigo e os ovos em uma massa tão delicada. Se o funcionário trabalha feliz, o meu maccheroncino sem dúvida fica melhor – e vende mais.

Mas, na ponta do lápis, o senhor já teve retorno financeiro?

Ainda não, mas isso não vai demorar a acontecer. Já no fim do ano, vou sair ganhando com o aumento que dei aos meus funcionários. Sabe porquê? Em nossa cidade, as festas de Natal e Ano Novo têm no seu cardápio tradicional os maccheroncini. Com a renda extra, os meus funcionários comprarão mais da massa que fabricam. As vendas vão disparar…

Publicado na revista “Veja”
Transcrito do blog A Casa da Mariazita

8 comentários:

Amaral disse...

João
Ora aqui está um exemplo que os nossos políticos, sempre tão cheios de ética, deviam seguir. Eu voluntario-me para trocar de salário com um qualquer ministro, assim eles o queiram.
Depois... depois vamos ver como eles se aguentam.
Abraço

ANTONIO DELGADO disse...

Viva A. João Soares,
Esta experiência devia de ser feita, senão obrigatória dos nossos políticos em relação aqueles que têm salários mínimos e reformas de miséria as que recebem muitos dos nossos conterrâneos. Mais: durante esse tempo não teriam qualquer ajuda de representações, nem transporte à descrição ou mesmo casa. Seriam obrigados a vir e ir, todos os dias, em transporte público ou no seu carro mas a pagar os combustíveis, do próprio bolso, desde o lugar onde têm residência (recordo que muitos são de fora de Lisboa). Talvez assim pudessem ganhar alguma sensibilidade e entenderem as circunstâncias em que vive uma boa parte dos portugueses.

Um abraço e continuação de bom domingo.
António Delgado

A. João Soares disse...

Caro Amaral,
Que grande coragem a sua!!! Poucos portugueses o não fariam e esses são ex-ministros que estão nas empresas públicas ou noutras como a Mota-Engil que receberem favores de ministros a quem pagam com bons tachos. Há quem não chame a isto corrupção!
Mas nem seria preciso os ministros passarem por momentos tão difíceis, de ter que viver com o salário mínimo!!! Bastava que procurassem compreender a ginástica que a vulgaridade dos portugueses tem de fazer para ir sobrevivendo. Eles não sabem nem querem saber.
Mas os jornalistas também lhes ocultam as realidades. Acho que teria muita utilidade para todos os portugueses, sempre que se fala em grandes salários, traduzi-los em quantidade de Salários Mínimos Nacionais.
Um abraço
A. João Soares

A. João Soares disse...

Caro António Delgado,
Reitero o que escrevi no comentário anterior.
O caso de muitos ministros e deputados viverem longe de Lisboa, é um truque que os legisladores não querem combater. Têm propositadamente a residência oficial na terra de naturalidade, para receberem o respectivo subsídio, embora há muitos anos tenham residência fixa em Lisboa. É o caso entre muitos outros, do MNE que reside na Madeira!!!, do MF que reside perto do Porto!!!.
Que bons exemplos, precisamente o contrário do exemplo que nos é apresentado pelo industrial italiano, Enzo Rossi.
Os políticos e grandes empresários portugueses não têm bons exemplos a apontar nem aos concidadãos nem ao mundo.
Abraço
A. João Soares

Nuno Raimundo disse...

Egoista ou não egoista, o que vale é que foi digno de ter aumentado os seus empregados.
ao menos teve a coragem de o fazer.
Muitos saBEM que pagam mal e estão-se nas tintas para quem lhes dá tantos lucros a ganhar.


abr...prof...

A. João Soares disse...

Caro Nuno,
Não seria necessário que os ministros e empresários se submetessem a experiência, para eles tão dolorosa, como a do industrial italiano, Enzo Rossi. Para eles, viver com o salário mínimo durante um mês seria passar por momentos muito difíceis.
Mas é, sem dúvida indispensável, que procurem compreender a ginástica que a genaralidade dos portugueses tem de fazer, para ir sobrevivendo com os fracos salários que aufere e com os quais tem de fazer face ao aumento sucessivo dos preços de produtos essenciais e do peso dos impostos a que não pode fugir, o que não acontece com os poderosos da política e da economia.
Infelizmente, os poderosos, os que se consideram donos absolutos de Portugal, não sabem nem querem saber as dificuldades com que se debatem a toda a hora, principalmente nos últimos dias do mês, aqueles que vivem sujeitos aos caprichos de dirigentes.
Mas os jornalistas também lhes ocultam as realidades. Acho que teria muita utilidade para todos os portugueses, sempre que se fala em grandes salários, traduzi-los em quantidade de Salários Mínimos Nacionais. Seria interessante que os e-mails que circulam com os ordenados e as reformas fabulosas exprimissem estas em termos da quantidade SMN a que correspondem.
O industrial italiano, Enzo Rossi dá um óptimo exemplo. Infelizmente, os políticos e grandes empresários portugueses não têm bons exemplos a apontar nem aos concidadãos nem ao mundo, antes pelo contrário. Esquecem que, para uma empresa ou um serviço, ter produtividade e melhores resultados, é indispensável ter o seu pessoal, capital humano, bem remunerado, motivado e sem problemas difíceis de resolver. As entidades empregadoras têm um papel social importante a desenvolver.

Abraço
A. João Soares

Belzebu disse...

Consta que este empresário foi expulso de todas as Associações Empresariais! Foi considerado um mau exemplo!

eheh!! Aquele abraço infernal!

A. João Soares disse...

Caro Belzebu,
Mas qual é a dúvida? Foi mesmo um mau exemplo para os outros empresários ambiciosos por lucros a qualquer custo, mesmo que os trabalhadores tivessem de vestir apenas tangas!!! O Enzo Rossi estava a estragar-lhes o negócio.
Faz-me lembrar as decisões do PREC, a seguir ao 11 de Março, que levaram ás nacionalizações das empresas melhor geridas e que davam melhores lucros, e tinham bons serviços de apoio ao pessoal, e que produziram também as perseguições aos elementos mais válidos das diversas empresas e instituições públicas, que foram expulsos, saneados ou congelados.
O Enzo Rossi, pela mesma lógica do nivelar por baixo, é um indivíduo a sanear de qualquer associação de empresários.
Mas temos um exemplo mis recente e próximo. O ex-deputado João Cravinho, que teve a ousadia de propor o combate à corrupção, ao tráfego de influências, e ao enriquecimento ilegal, foi afastado com um pontapé pela escada acima para um tacho no estrangeiro.
E consta que o incómodo Alberto João Jardim, para não ir para líder do PSD ou outro lugar de hostilidade ao PS, começou já a ser assediado por Jaime Gama a fim de aceitar um cargo importante longe de Lisboa, à semelhança de Cravinho!!!
A humanidade cose-se com linhas quase invisíveis!!!

Um Abraço
A. João Soares