quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Fim da Primavera de Praga

Na continuação dos artigos aqui publicados há um ano e em Abril do corrente, transcrevo o seguinte artigo do Diário de Notícias que tem um significado especial por coincidir com mais uma prova de força do Urso da Sibéria. Se o golpe de Praga contribuiu para a queda do império soviético, a operação na Geórgia terá outros efeitos para a Rússia, para a Europa e para o continente da Eurásia. O interesse expansionista para Sul, através do Cáucaso e do corredor Irão-Afeganistão vem de longe, independentemente das ideologias. É um tema a que se deve estar atento.

A normalização da primavera de Praga
Abel Coelho de Morais

Checoslováquia. Há 40 anos, tropas do Pacto de Varsóvia entravam no país para pôr termo a um processo de reformas iniciado pelo responsável do partido, Alexander Dubcek. É o fim das últimas ilusões sobre o poder soviético. A ocupação durou até 1989.

Mais de 200 mil soldados e cerca de dois mil tanques passaram as fronteiras da Checoslováquia na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968. De madrugada, estavam às portas de Praga. Missão: restabelecer a "ordem socialista" e neutralizar os "contra-revolucionários" encabeçados por Alexander Dubcek, que ascendera à liderança do partido no início do ano afastando Antonin Novotny.

O então dirigente comunista promoveu uma série de reformas internas no partido e propiciou uma maior abertura do regime sob a bandeira de "um socialismo de rosto humano". Uma atmosfera de pluralismo - foi abolida a censura, uma decisão até então inconcebível num regime comunista - instalou-se na Checoslováquia. A impressão de que o monopólio de poder político do próprio partido estava em causa, era naturalmente inaceitável para Moscovo.

Ao mesmo tempo que as tropas do Pacto de Varsóvia avançavam, a rádio nacional emitia uma declaração da direcção do comité central do Partido Comunista em que este anunciava estar o país a ser invadido - sem qualquer aviso prévio - e pedia aos cidadãos que não oferecessem resistência. A direcção do partido explicava terem sido dadas instruções às forças armadas checoslovacas para não desencadearam qualquer acção de defesa.

Poucas horas depois, foi lido um comunicado emitido pela agência oficial soviética TASS em que se afirmava a direcção do Partido Comunista Checoslovaco (PCC) e o Governo de Praga terem pedido a "ajuda" de Moscovo e de seus aliados para enfrentarem as forças "contra-revolucionárias". Nesta altura do dia, Dubcek e os seus colaboradores já estavam presos, mas a "normalização" estava longe de alcançada.

Tanques e veículos blindados ocuparam o centro de Praga, travaram-se escaramuças entre as tropas do Pacto de Varsóvia e civis e militares checoslovacos. Houve fachadas marcadas por disparos, vidros estilhaçados, edifícios em chamas assim como arderam alguns blindados soviéticos.

As imagens que fixaram este Agosto captaram a incredulidade, a raiva, a perplexidade dos checoslovacos. O carácter único e excepcional do momento foi traduzido por um comunicado da direcção local de Praga do PCC em que se afirmava que, pela primeira vez, na história da cidade, esta foi ocupada por tropas de países aliados. Um facto de "consequências imprevisíveis" para o futuro do socialismo, lia-se no comunicado.

Terminava, ainda mal começara, uma época marcada pelo espírito do Manifesto das Duas Mil Palavras, de Ludvik Vaculik. Mas quando Jan Palach, um estudante universitário, se imolou pelo fogo no centro de Praga, em Janeiro de 1969, num protesto radical contra a ocupação, tornou-se claro estar longe de assegurada a vitória da "normalização". A ocupação do Pacto de Varsóvia prolongou-se até 1989 - o princípio do fim dos regimes do socialismo real.

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