Transcrevo este texto recebido por e-mail, porque o acho muito interessante como explicação da vida nacional actual, principalmente no ensino, mola da sociedade futura, e merecedor de aqui ficar exposto em permanência. Recordo o seu livro «Portugal, Hoje - O medo de Existir», de 2004.
A domesticação da sociedade
Por José Gil
O que é que se está a passar? Nada. Vivemos entre dois países opostos. Num, existe uma sociedade dinâmica, em franco progresso, em mudança sempre para melhor em todos os domínios, educativos, laboral, económico, administrativo, tecnológico. No outro, o quotidiano parece cada vez mais duro e insuportável, há insegurança, assaltos, degradação da qualidade de vida, corrupção, ameaças de crise financeira. Criou-se uma clivagem entre os dois, ou há um que é real e o outro imaginário? Colocar assim a questão é construir um quadro artificial relativamente ao nosso «vivido». É certo que vivemos um pouco esquizofrenicamente, mas naquele «nada» que separa os dois mundos algo se passa subterraneamente.
Acontece, antes de mais, que o português voltou à inércia e à passividade face ás transformações inelutáveis que abalaram a sua existência como destino. A esse estado de espírito acrescentou-se recentemente um processo de interiorização do novo modo de vida a que a modernização o vai condenando. Um grupo social tornou-se emblemático desta conjuntura: o dos professores.
A sua situação não mudou. Justificaria ainda a saída à rua de 100 mil pessoas. Mas, precisamente, uma tal manifestação seria hoje impensável. O Governo e o ME ganharam. Os espíritos estão parcialmente domados. Quebrou-se-lhes a espinha, juntando ao desespero anterior um desespero maior. O ambiente das escolas é agora de ansiedade, com a corrida ao cumprimento das centenas de regulamentações que desabam todos os dias do Ministério para os docentes lerem, interpretarem e aplicarem. Uma burocracia inimaginável, que devora as horas dos professores, em aflição constante para conciliar com uma vida privada cada vez mais residual e mesmo com a preparação das lições, em desnorte com as novas normas (tal professor de filosofia a dar aulas de «baby sitting» em cursos profissionalizantes) - tudo isto sob a ameaça da despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego.
Como foi isto possível? Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à «servidão voluntária» como lhe chamava La Boétie? Indiquemos um só mecanismo que o Governo utiliza: a ausência total de resposta a todo o tipo de protesto. Cem mil pessoas na rua? Que se manifestem, têm todo o direito – quanto a nós, continuaremos a enviar-lhe directivas, portarias, regulamentos a cumprir sob pena de… (existe a lei). Ausentando-se da contenda, tornando-se ausente, o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal.
Deixando intactos os meios da contestação mas fazendo desaparecer o seu alvo, desinscreve-os do real. É uma técnica de não-inscrição. Ao separar os meios do alvo, faz-se do protesto uma brincadeira de crianças, uma não–acção, uma acção não performativa. Esta reduz-se a um puro discurso contestatário, esvaziado do conteúdo real a que reenviava (é o avesso, no plano da acção, do enunciado performativo de Austin: um acto que é um discurso). Resultado: o professor volta à escola, encontra a mesma realidade, mas sofre um embate muito maior. É essa a força da realidade. É essa a realidade única. E é preciso ser realista. Assim começa a interiorização da obediência (e, um dia, do amor à servidão).
No processo de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da Educação representam muito mais do que simples traços psicológicos. São técnicas terríveis de dominação, de castração e de esmagamento, e de fabricação de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo tão eficaz, «a desactivação da acção». É a não-inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica politica, à maneira de certos processos psicóticos.
A FRASE
Há 6 minutos
2 comentários:
Não, e bom seria k todos se dessem conta disso! Calculismo, são formados em calculismo!
Sim, usam de calculismo, mas é um calculismo torpe e egoísta procurando salvaguardar os próprios interesses, os votos, as benesses que o Poder lhes dá, mas esquecendo os verdadeiros benefícios que devem procurar para o povo trabalhador que sofre cada vez mais as leviandades e as incompetências do Governo. Usam um marketing para os piores efeitos, A esperteza deles é igual à dos piores criminosos, aqueles que já não levam os telemóveis e os deixam ligados em casa para que lhes sirva de alibi a provar que até estavam sossegadinhos em casa a ver televisão!!! e usam luvas e máscara para não serem identificados. Tudo gente esperta, tudo da mesma espécie.
Quem há-de defender os interesses nacionais?
Abraço
João
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