quarta-feira, 15 de abril de 2009

Controlo do poder judicial pelo poder político?

Elogios ao SMMP

Será muito relevante, que o maior número de portugueses leiam isto Exmo. Senhor Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

O signatário, jurista, é um simples cidadão anónimo, mas nem por isso menos interessado na vida pública do País.

Vem isto a propósito do processo conhecido pelo "Caso Freeport" e das circunstâncias estranhas que o rodeiam.

Não quero aqui relevar os aspectos jurídico-penais que dizem respeito à investigação em curso, embora sobre ela muito haja a dizer. Conheço o que é noticiado nos meios de comunicação social e isso já é suficiente para me manter muito apreensivo quanto à qualidade da nossa justiça.

Porém, como cidadão no gozo pleno dos meus direitos, designadamente do direito de não ser tomado por néscio, não posso, nem quero passar ao lado da dimensão política que está subjacente a todo este processo. Tenho para mim que esta é até a questão mais relevante e é sobre ela que pretendo debruçar-me.

O assunto é de enorme gravidade, pelo menos para aqueles que, como eu, se apercebem que aos poucos, mas de uma forma terrivelmente consistente, vão sendo postos em causa os alicerces do nosso edifício democrático. Há muito que os cidadãos mais informados vêem assistindo, completamente impotentes, a um plano meticulosamente elaborado de desmantelamento sub-reptício das instituições democráticas com evidentes objectivos de apropriação por um certo poder político da vida pública portuguesa. Torna-se evidente que tais propósitos vão sendo conseguidos à custa da desinformação e da lamentável falta de cultura cívica e política da sociedade portuguesa. É bem verdade que uma sociedade de carneiros (e de algumas ovelhas, diria eu), acaba sempre por gerar um governo de lobos.

Contudo, o plano em marcha sofreu agora um percalço que não estaria previsto. Refiro-me á eleição de V. Exa para o cargo de Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Tratou-se de uma variável que, pela sua imponderabilidade, não coube, nem poderia caber, na elaboração do plano, o que só vem demonstrar que até estas derivas políticas tão minuciosamente arquitectadas podem falhar.

À medida que os factos vão passando para o domínio do conhecimento público, mais se apodera da sociedade civil a convicção de que não fora a intervenção corajosa do Presidente do Sindicato do Magistrados do Ministério Público, denunciando uma tentativa gravíssima de obstrução ao normal desenvolvimento do processo investigatório, e neste momento já os portugueses estariam confrontados com mais um arquivamento, a título de prescrição ou inexistência de provas, igual a tantos outros em que políticos de topo se têm subtraído da aplicação da justiça, quantas vezes com a conivência mais ou menos explícita de Magistrados pouco escrupulosos. Diria que, com a sua intervenção, o colega fez mais por esta desacreditada democracia do que todos os políticos juntos.

Na verdade, quando princípios sagrados da vida democrática, como o princípio da separação de poderes, são descaradamente atropelados, então os cidadãos deste país têm sérias razões par estar preocupados e devem manter-se vigilantes, exigindo aos Órgãos de Soberania o rigoroso cumprimentos dos seus deveres funcionais, por forma a defender a independência e isenção das Instituições da República.

Nem todos andamos distraídos com novelas televisivas ou pontapés na bola. Há quem se preocupe com questões bem mais importantes da nossa sociedade. Por isso lhe digo que a luta que V. Exa e seus colegas de Sindicato travam contra a aprovação de um Estatuto dos Magistrados do Ministério Público que o poder político subtilmente lhes quer impor, não é apenas da vossa classe de Magistrados, é de todos os portugueses que se recusam aceitar a tentativa de funcionalização e governamentalização da justiça portuguesa. Esperemos que o Sr. Presidente da República esteja atento e impeça esta despudorada tentativa de controlo do poder judicial pelo poder político.

Sei que o colega é alentejano como eu, que é jurista como eu e como eu pertence àquela estirpe de portugueses que se orgulham de manter uma cerviz bem direita, que não vergam diante dos poderes constituídos e que colocam sempre a sua honra e dignidade acima de quaisquer jogos de interesses mais ou menos obscuros, mesmo que para isso tenham que pôr em risco a sua carreira ou até a sua integridade física. Penso que terá a noção que, a partir de agora, será visto como o homem que se atreveu a tirar o brinquedo das mãos daqueles que, desde há muito, se habituaram a brincar com a boa fé e aquela ingénua inocência tão própria do povo português. Sei que não é fácil nem isenta de riscos a carreira de investigador criminal, sobretudo quando estão em causa detentores do poder que já demonstraram não gostar de ser confrontados com factos que, de alguma forma, possam colidir com as suas ambições
tanto a nível pessoal como político. Também sei que provém duma prestigiada família alentejana muito séria e digna, assente em sólidos princípios morais e éticos e isso pesa muito quando se exercem funções como aquela que lhe está confiada, acima de tudo numa época em que a instituição da família, como célula base da sociedade, vem sendo vergonhosamente atacada.

Finalmente, meu caro colega João Palma, dizer-lhe que estas palavras visam apenas significar-lhe que não está só nesta luta terrível que o dever de cidadania nos obriga a travar entre a verdade e a mentira, entre a justiça e a desvergonha, entre a hipocrisia e a transparência, entre a corrupção e os valores morais, enfim entre o Estado de Direito e a república das bananas.

Aqui, neste nosso Alentejo e certamente por todo o País, há gente que segue atentamente o percurso da democracia portuguesa e confia que, com homens como o senhor, mais tarde ou mais cedo a Justiça acabará por prevalecer.

Peço-lhe que aceite, em meu nome e da minha família, toda a expressão do meu profundo reconhecimento pelo serviço que, corajosamente, vem prestando à causa pública. E digo isto com o à vontade de quem não o conhece pessoalmente.

Um abraço

Francisco Lacerda Franco

Texto recebido por e-mail do amigo V.C.

1 comentário:

Mentiroso disse...

Quem escreveu vive numa grande confusão. Para começar. Claro que o indivíduo tem o direito a «não ser tomado por néscio», mas apenas desde que não o seja. Donde, nada tem a ver com um direito.
Em seguida diz «vão sendo postos em causa os alicerces do nosso edifício democrático». Mas qual? Nunca houve democracia em Portugal; o sistema mudou drasticamente, mas não é nenhuma democracia. Nalguns países da ex-cortina de ferro há já mais democracia do que cá. Se se toma o votar como prova, já durante a maioria do tempo do Estado Novo se votou. O princípio básico da democracia é o respeito e a consideração pelos outros e hoje são ambos menores que antes da Abrilada, ou seja, há menos democracia. Os únicos que ganharam com a mudança foram os políticos corruptos e os jornaleiros e sabemos bem como eles se têm aproveitado à nossa custa. É a realidade. Todas as leis e tudo o que está escrito, incluindo a própria constituição não têm qualquer valor à sombra disto, pois que ninguém lhes liga senão por conveniência. Também não há democracia sem ensino ou sem serviços sociais nem justiça dignos desse nome.
O restante do texto, porém, está muito justo e é de relevar a justeza das palavras «os cidadãos deste país têm sérias razões par estar preocupados e devem manter-se vigilantes, exigindo aos Órgãos de Soberania o rigoroso cumprimentos dos seus deveres funcionais». Só que o povo de carneiros e de ovelhas, que ele muito bem classifica, não tem mioleira para agir em conjunto; cada um puxa a corda para seu lado, pensando que só, se arranja melhor.
Não é de admirar o que este caso tem «revolvido» o país, mas é de espantar que todos repentinamente pareçam tão admirados quando o que se passa não é mais do que a continuidade aquilo que sempre se tem passado; errado, mas o costume. O caso do Freeport não traz nenhuma novidade, está nessa mesma linha de continuidade. Contrariamente ao que afirma, poças pessoas se preocupam «com questões bem mais importantes da nossa sociedade» do que as novelas e os coices nas bolas. Se assim fosse não se teria chegado onde se chegou.
Essa do apelo ao Presidente da República é que faz sorrir.
Não se vê bem se caberia a um sindicalista a função dessas denúncias, no entanto elas são sempre bem-vindas donde quer que venham. Também já se ouviu em noticiários que ele se tinha retraído, mas os jornaleiros não são realmente de fiar.

Qualquer que seja o resultado, que se faça exemplo.

Um abraço.