JN. Por Mário Crespo, em 5 de Outubro de 2009
O presidente Aníbal Cavaco Silva devia ter falado hoje ao país. Decidiu ignorar o interesse nacional a favor de uma soturna agenda pessoal que já ninguém entende. Não colhe a justificação de que por haver eleições autárquicas, o presidente não fala. Nada tem a ver uma coisa com outra.
Estas mesmas eleições não o impediram de falar ao país há uma semana com a sua intrigante, politiqueira e sectária comunicação das escutas. Estamos, portanto, face a mais um misterioso desígnio voluntarista que lhe ditou agora que ficasse calado no Dia da República que ele jurou representar. O país, no lamentável estado de confusão em que se encontra, necessitava de um discurso do estado da República que procurasse restabelecer a confiança e transmitisse a mensagem de que as instituições seriam capazes de enfrentar a crise que se radicou. Serão? Ao certo não sabemos. Há quem duvide. E assim, o representante da República Portuguesa, o garante da independência nacional, do regular funcionamento das instituições democráticas e comandante Supremo das Forças Armadas optou por mais uma incompreensível caturrice, reafirmando neste aniversário da implantação da República que o quero-posso-e-mando continua a ser a sua maneira de estar no Estado, com os absurdos ímpetos pessoais que ignoram os interesses do país.
No aniversário da implantação da República em Portugal, ainda sem um governo definido e sem uma linha política ou ideológica fiável, o comandante em chefe decide-se, por razões que nenhuma razão explica, por mais um nebuloso mutismo. É um registo que tem que ser lavrado quando a Republica Portuguesa assinala os seus 99 anos e que deve constar do cadastro deste seu presidente, para memória futura.
Há um pormenor estranho no comportamento presidencial de Aníbal Cavaco Silva que talvez possa ajudar a interpretar atitudes actuais. Desde o início do mandato que o presidente utilizava nas suas comunicações fórmulas desconcertantes da terceira pessoa. Quando interpelado publicamente, Cavaco Silva respondia sempre que "o presidente da República" faria isto ou faria aquilo. Nunca utilizava na sua retórica pronomes pessoais claros e directos que responsabilizassem o cidadão Aníbal Cavaco Silva.
Tudo se passava num binómio esquizofrénico em que havia dois indivíduos com identidades distintas. Aníbal e uma pesada entidade presidencial cujo fato, de imaculado corte, nunca lhe assentou bem. Este dramático despique parece ter tido um desfecho com a morte do presidente da República e a vitória de Aníbal na histórica comunicação das escutas. Pela primeira vez no discurso presidencial as terceiras pessoas desapareceram.
Lêem-se nesse texto coisas como "a minha interpretação dos factos" a "leitura pessoal", a "interrogação que fiz a mim próprio", ou mesmo a "minha confissão". Portanto, faleceu o elo mais fraco da persona presidencial.
Aníbal possuiu a chefia do Estado e tomou conta do discurso no Palácio de Belém com a sua linguagem chã e os seus ultrajes humanos, sem recursos desculpabilizantes a terceiras pessoas. Aníbal zurziu em quem não gosta numa impudica zaragata birrenta e sem quartel. Claro que Aníbal está no seu direito de fazer tudo isso e coisas piores ainda de que certamente é capaz.
O presidente da República, não!
NOTA: Esta análise psicológica ou psicanalítica traz um novo aspecto ao retrato aqui esboçado. Realmente, Aníbal ganhou quando conseguiu que o PR lhe permitiu falar ao País acerca das escutas apesar das eleições; agora voltou a ganhar ao colocar-se ao lado dos monárquicos e impedir o PR de presidir às cerimónias tradicionais, neste 99º aniversário. Com efeito, como Diz Crespo, um discurso de Estado podia ser feito sem descer ao ponto de tomar posição por um ou outro partido na luta pelos votos que está em curso. Os interesses de Estado podem muito bem ser comuns a todos os partidos e estar acima das guerrilhas interpartidárias.
O regresso de Seguro
Há 1 hora
2 comentários:
Caro João Soares
Passe a desculpa esfarrapada na qual já ninguém acredita, acho que Cavaco, desta vez, esteve bem. Tudo porque poupou aos portugueses o espectáculo aviltante falar sem dizer nada. E, desgraçadamente, das poucas vezes em que diz alguma coisa, não entra mosca...
Oops! Entre as palavras "falar" e "sem" falta um "de".
Desculpem.
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