sábado, 23 de janeiro de 2010

Obama e os problemas da sua missão

Transcrição do artigo de opinião do Jornal de Notícias, seguido de NOTA:

O herói e o vilão
Jornal de Notícias, 23 de Janeiro de 2010. Por Pedro Ivo Carvalho

Um ano de Barack Obama foi um ano de paz no Mundo? Não. Um ano de Barack Obama foi um ano de recuperação económica no Mundo? Não. Um ano de Barack Obama foi um ano sem injustiças no Mundo? Não. Mas será que um ano sem Barack Obama podia ter sido pior para os Estados Unidos da América (EUA) e para o Mundo? Certamente que sim.

Há um ano, caminhava-se na estratosfera. As trompetas produziam música celestial: eis o Messias, o homem novo, o desejado, o conciliador de comunidades que num ápice foi alcandorado à condição de conciliador do Mundo. Sim, nós podemos. E gerou-se uma onda tão avassaladora que transformou Obama no primeiro presidente da República global.
O Mundo carecia de um herói - já agora norte-americano, como nos filmes -, o Mundo ansiava por uma América que falasse mais e disparasse menos. E a Europa esfregava as mãos de júbilo por finalmente ter diante de si um presidente norte-americano que pensa estruturalmente como um líder europeu.

Um ano volvido, o Mundo desceu à terra e trouxe Obama na viagem. A taxa de popularidade do presidente norte-americano desceu de 80% para 50%, a América não conseguiu sacudir a crise, o desemprego mantém-se nos píncaros, os soldados do Tio Sam continuam a tombar nos vários teatros de guerra de onde parece impossível sair, a tentativa bem intencionada de garantir um sistema de saúde gratuito para toda a população arrisca-se a ser apenas uma tentativa, porque custa muito dinheiro e a minoria beneficiária não tem capacidade de influenciar as decisões políticas. Os EUA permanecem no Iraque, reforçaram a presença no Afeganistão, não fecharam Guantánamo. A herança era pesada. E só passou um ano.

Mas Obama não foi só a "vítima" do exercício colectivo de endeusamento que conduziu à sua eleição. Obama foi parte integrante dessa estratégia. Obama alimentou os slogans, as redes sociais, o "yes, we can" - monumento ao marketing agressivo -, Obama criou, em suma, uma plasticidade que funciona porque somos levados a crer que ele é assim sempre, assim determinado, assim determinante, que deixa uma pegada de História em cada palavra que profere, em cada decisão que toma. Mas Obama é apenas um. Um.

E o que devemos, então, concluir? Que Obama falhou? Não. Obama não podia mudar os EUA e muito menos o Mundo num ano, pese embora haver quem pense que ele, ao final do dia, se senta no Olimpo, com os deuses, a discutir a Humanidade.

A verdade é que Obama representou, representa, a mudança. Mas Obama tem de ser mais do que isso. Tem de calçar, para usar a imagem de um feliz cartoon que ilustra a capa da mais recente edição da revista "The Economist", as luvas de boxe e começar a distribuir uns ganchos. Obama tem de deixar de ser o herói para passar a ser o vilão. No fundo, tem de passar a ser mais o homem e menos o deus. E um mandato pode não ser suficiente.

NOTA: Realmente, as esperanças eram exageradas e não havia milagre que, num ano, permitisse as mudanças necessárias. E estas, por lesarem as rotinas e os interesses instalados pelos donos da alta finança, exigem que, como diz o texto, calce as luvas de boxe e bata sem dó naqueles que travam a justiça social e a Paz no Mundo. Tal reacção é natural porque qualquer mudança levanta sempre descontentes entre os que estão bem instalados. Por isso, além das luvas, poderá ter de usar miniaturas da estátua da liberdade para fazer carícias nos dentes dos renitentes!

Deve estar preparado para enfrentar os sérios riscos que está a correr. A falta de escrúpulos que leva os poderosos da economia e da finança a sacaram o máximo de lucros pode levá-los a exercer pressões sem limite até ao assassinato como o de John Kennedy.

Oxalá este jovem presidente tenha sorte e beneficie a América e o mundo reduzindo ou acabando com a exploração das multinacionais, dos bancos e das indústrias de guerra. Não lhe deve faltar motivação, porque espera muito tempo de vida e não deve estar disposto à aceitação e acomodação como se fosse um veterano a quem a idade não permite esperar muitos anos. Estas palavras também são válidas para Passos Coelho, candidato à liderança do PSD.
Ver o post Obama leu Thomas Jefferson
e os respectivos comentários.

2 comentários:

Diogo disse...

Não concordo consigo. Ninguém chega à presidência dos EUA se não for um funcionário dos grandes interesses. Alíás, os presidentes não têm poder nenhum, são apenas marionetas do Grande Dinheiro.

Com Bush, as pessoas apercebiam-se mais facilmente das trafulhices. Com este «anjo», as jogadas são mais furtivas.

A. João Soares disse...

Caro Diogo,

Compreendo a sua afirmação de que «Ninguém chega à presidência dos EUA se não for um funcionário dos grandes interesses». Dos grandes interesses mundiais, das multinacionais, de petróleo, de material de guerra, de medicamentos, etc.
Mas não quero perder a esperança de que um dia há-de haver uma grande mudança e esta poderá ser agora.
O Barack Obama não terá possibilidade de resolver todos os grandes problemas dos EUA e do mundo se não houver uma vontade forte de todos os dirigentes dos quase 200 estados do planeta, se o poder económico e financeiro e as populações não estiverem conscientes disso e, nos seus afazeres diários, não agirem em conformidade para fazer um mundo melhor.
A realidade é que as populações vivem indiferentes aos grandes problemas colectivos. Repare que este post está praticamente sem comentários, mas se tivesse uma anedota de mau gosto teria dezenas.
A humanidade está degenerada, a cultura resume-se ao próprio estômago, aos interesses materiais imediatos, sem pensar no amanhã.
Seria interessante que se pensasse mais nas realidades de hoje e se formulasse a pergunta: Como será o mundo amanhã, daqui a cinco anos? Como irão viver os nossos filhos e netos?
Pelo contrário, pensam em calar as vozes que gritam por alertas. Este blogue e o Do Mirante que são gémeos(!) procuram levantar os pensamentos para criar um mundo melhor, mas na quarta-feira passada, 20, foram alvo de tentativas de incursão talvez para os eliminar, mas não conseguiram acertar com a password. No entanto deixaram de estar online durante algum tempo.
Interessa aos poderes que as pessoas se mantenham adormecidas e ninguém as acorde.

Um abraço
João