Transcrição do artigo de António Delgado no Jornal de Leiria desta semana, recebido por e-mail do autor a quem agradeço a gentileza.
Avatares da Democracia
Concordo com aqueles que tantas vezes afirmam que a democracia é o sistema menos mau de todos quantos existem. No entanto, sempre tenho a dúvida como se pode classificar, entre os existentes, qual dos regimes, pode ser coincidente com essa definição. Entre os inúmeros mitos difundidos nos nossos dias conta-se o de vivermos numa sociedade livre e democrática. Mas se analisarmos com atenção veremos que a liberdade e a democracia são estados de coisas que se têm de conquistar, cada dia e a cada passo. São muitas as barreiras que a obstaculizam. Se queremos ser realmente livres e determinar o nosso caminho e opções, devemos identificar primeiro e superar depois os obstáculos que outros postam para condicionar e decidir sobre as nossas ideias e os nossos comportamentos. Mas para isso é imprescindível ter a possibilidade de verificar se são correctas as convicções e os mitos que nos incutem através da escola, do trabalho e sobretudo dos meios de comunicação.
A democracia desenvolveu um grande número de leis com um só objectivo: diminuir a força (ou a riqueza, o poder, ou a criação do medo) de quem a tem para trespassá-la a quem não tem força. Como céptico, não estou certo de que essas leis sejam puras, creio até que estão tergiversadas para o contrário; ou seja, para manter o poder onde sempre esteve. O liberalismo económico, a politica de mercado, o capitalismo estrutural, dominaram as democracias do mundo ao ponto de reduzir as suas virtudes, como narram os jornais, sejam eles internacionais, nacionais e regionais. O facto das tecnologias digitais elevarem a informação ao paradigma de planetária, instantânea e compulsiva criou um espelho imaginário que se parte todos os dias em mil pedaços. Um dia, quem deseje saber como éramos, terá de entrar naquela Babel, ler os jornais e explorar os armazéns das nossas imagens. Nesse espólio encontrará muitas das paixões que nos moviam e os sonhos que nos alimentavam, que qualidade tinham os nossos crimes, como chorávamos e riamos. Toda a comédia humana actual, estará lá. O jornalismo junto ao cinema são no presente os grandes campos das nossas maiores fantasias. Pese termos deixado de saber distinguir cadáveres reais de desenhos animados e já não poder jurar se Al Capone foi um assassino real ou uma criação das sombras.
Apesar dos avatares, reconheço existir, nas democracias pluralistas, um progresso considerável em favor dos débeis. A medicina social, a pensão aos idosos, a protecção à mulher frente à prepotência do macho, ou a da criança frente ao homem e a mulher, são algumas das transcendências da ideia de democracia: não deixam de ser situações de luta, e têm de se defender cada dia do regresso ao antigo regime. Também penso que estes progressos da tendência de igualdade, valiosíssimos apesar de relativos, se conseguiram, sobretudo pela pressão do débil convertido em forte pela sua soma com os demais, e agora que os caminhos da sua colectividade estão desbravados, encontra-se outra vez ameaçado. É que a democracia remeteu a desigualdade para fora das fronteiras que considera naturais: as da sua riqueza e as da sua linhagem. Inclusivamente, dentro de um país, de uma cidade, de um bairro ou de uma escola, encontramos os democratas naturais e os tolerados, os permitidos e os assimilados, em maior ou menor medida, segundo o caso. Mas, uns são mais iguais que outros, afirmou Helmut Koester a meados do século passado. Nos tempos que passam, falta-nos um líder? O Dr. Soares crê que sim. Considerando referências próximas e focalizadas na sequência de Franklin Roosevelt a Helmut Kohl, pois não vislumbro outras. Serão estas homologáveis na actualidade?
Acredito que o objectivo distante da democracia não existe.
Não deixo de pensar nas democracias que votaram em líderes como Milosevic, Fujimori ou outros dirigentes homólogos, por todo o mundo. A organização dos países em Estados, com um chefe que arremeda monarcas, e em governos também com chefe – a palavra chefe faz-me suspeitar - indiscutível e único, parece-me uma adulteração da vontade popular.
Tenho dúvidas de que a democracia exista.
António Delgado
Professor Universitário
quinta-feira, 8 de abril de 2010
A Democracia existirá?
Posted by A. João Soares at 09:19
Labels: Democracia
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4 comentários:
A democracia apenas existirá apenas para alguns, aqueles que criaram a democracia, veja - se o caso da justiça em Portugal, é tudo menos democrática e justa. Pena é que quem julgue não possa ser seleccionado pelo povo.
Mas sim as habilitações literárias em direito, que lhe dão esse estatuto depois o resultado está à vista:
Casa Pia, Freeport, Bpn, Bpp, Manuel Godinho, etc.
Abraço,
Magno.
Caro Magno,
A democracia, com o significado de governo do povo para o povo, não existe. A Justiça não é eleita, por isso não percebo que num regime dito democrático se considere um órgão de soberania.
Seja em democracia ou noutro regime o povo é sempre o pião das nicas, o mexilhão que fica lesado quando o mar bate na rocha, a relva dos estádios de futebol que os jogadores pisam sem dó nem piedade.
Para isso não há revolução que beneficie o povo, só os políticos vencedores beneficiam. Nessas mudanças o povo é como as prostitutas que, se mudam de chulo, continuam prostitutas mas passam a entregar o dinheiro a outro «protector».
O povo tem que se consciencializar destas realidades, organizar-se e vigiar apertadamente o comportamento dos seus eleitos e exigir-lhes responsabilidades, quando se desleixam ou abusam do poder, por qualquer meio, que certamente terá que ser pouco ortodoxo, por a força legal estar a ser controlada por esses abusadores.
Em vez de democracia, temos ditadura a prazo de quatro anos renováveis. Nada adianta querermos tapar o sol com uma peneira.
Abraço
João
Caro João Soares
Primeiro é preciso saber o que é, na realidade, a democracia. Algo assás complicado de definir porque cada um a vê pelo prisma das suas conveniências. Somos humanos (com algumas excepções bem conhecidas...).
De qualquer forma subsiste uma qualidade que a justifica, a meu ver: a possibilidade de se derrubar o poder sem o recurso à força. O que é uma esperança.
E será por isso que ela é ainda o mal menor.
Caro Vouga,
Boa observação e com um toque que estimula à reflexão.
O mal da democracia real é a má qualidade dos partidos e dos políticos que subvertem as potencialidades do regime, quando colocam os interesses pessoais e partidários acima doa interesses nacionais. Comportam-se como bandos de malfeitores que sugam toda a seiva da população, da Nação.
Um abraço
João
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