Uma visão menos romântica da história, mostra que as grandes mudanças com ou sem guerras não são feitas pelo povo nem para o povo, sendo este apenas uma ferramenta utilizada por políticos ambiciosos e vaidosos que, logo a seguir, a colocam de lado sem cuidados de manutenção. Mas mesmo as consequências dessas reformas ou revoluções não são aceites e respeitadas em pleno, tendo em conta as promessas e os compromissos assumidos.
Afonso Henriques, João I, Nuno Álvares Pereira e João IV, lutaram com os castelhanos para assegurar a independência de Portugal, o que pressupunha que Portugal tinha capacidades em recursos humanos e materiais para garantir a sua autonomia e independência.
Mas se essa garantia era visível até recentemente, agora vê-se que não passa de ficção, se mais não houvesse, bastaria ver a necessidade de as mulheres do Alto Alentejo terem de ir dar à luz a Badajoz (Espanha) e de os doentes do Alto Minho terem de ir a Tuy e a Vigo (Espanha) tratar da saúde, caso já referido em «Governar para o povo». A atitude actual dos governantes está a desconsiderar os propósitos dos seus antecessores atrás citados, não que fosse correcto hostilizar os vizinhos, mas porque devia ser demonstrado aos nacionais que temos condições para ser independentes, com governantes capazes de dar ao povo o apoio indispensável e de manter relações de boa vizinhança em igualdade de soberania mutuamente respeitada.
Do muito que tem sido escrito sobre este tema candente e da abrangência do abandono e do desprezo pelo interior do rectângulo, transcrevo dois artigos de opinião do Jornal de Notícias de hoje, que merecem ser lidos na íntegra:
Saúde nocturna
Por Pedro Ivo Carvalho
Ninguém de boa-fé acredita na tese de que a decisão do Governo de encerrar a urgência nocturna de Valença teve como missão castigar as populações locais, obrigando-as a deslocar-se mais umas dezenas de quilómetros até ao serviço mais próximo e, dessa forma, colocar em xeque a sua assistência médica. Tal como poucos farão fé na tese de que, de repente, os valencianos foram tocados pelo impulso de obter a nacionalidade espanhola. Porém, ver no "caso Valença" apenas um frenesim mediático que acabará por esfumar-se com o passar dos dias significa não saber separar o essencial do acessório.
Em meios pequenos, a milhas e milhas dos gabinetes ministeriais com paredes forradas a power-point onde estas decisões são tomadas, são serviços como este que legitimam o sentimento de pertença das populações, que fazem com que permaneça viva a vontade de querer povoar os recantos do território que não são Lisboa. A interioridade não se combate apenas com modernaças auto-estradas e vistosas lojas do cidadão. Porque viver numa terra pequena significa poder dizer que vou ao meu café, ao meu supermercado, à urgência nocturna do meu centro de saúde. O Interior não pode adquirir o estatuto da "parte-de-Portugal-onde-é-giro-ir-dar-uns-passeios-e-comer-e-beber-umas-coisas-da-gastronomia-local".
Assim, e por mais respeitáveis que sejam os critérios médicos que levaram ao fecho da urgência nocturna de Valença, o que eles evidenciam é uma costumeira tentação de afunilar o país aos caprichos do poder central, esteja ele em Lisboa ou no Porto. A harmonia territorial não se alcança por via da clonagem das cidades desenvolvidas, elas próprias com qualidades intrínsecas não exportáveis. Coesão nacional não é massificação nacional.
Para o encerramento da urgência nocturna de Valença, pode ter valido mais o juízo médico do que o político (a propósito: é lamentável que manifestantes e Administração Regional de Saúde se tenham envolvido numa guerra de números sobre quantas pessoas vão por dia à urgência, ignorando que salvar uma vida ou salvar 17 é igualmente importante), mas os decisores, apesar dessa primazia do argumentário médico, tinham a obrigação de saber que os critérios técnicos, quando mal explicados, como parece ser o caso, são relegados para um plano inferior. Por isso, a pergunta deve ser:
O que ganha o país, o que ganham os valencianos, em perder a urgência nocturna do seu centro de saúde?
O que pretende, realmente, obter-se com isto?
Será assim tão chocante, num país que desbarata recursos quase por tradição, manter serviços médicos que, podendo não ser os mais eficazes à luz da gestão e da estatística, são a garantia de que o Estado chega a todos os portugueses com a mesma disponibilidade?
Quando é Portugal a desistir de Portugal, resta-nos o quê?
Rezar para não adoecer de madrugada?
Falência técnica
Por Mário Contumélias
Os recentes acontecimentos no sector da Saúde mostram como o Governo, que se diz socialista, se rege afinal por uma racionalidade económica e capitalista. Vejamos o caso do encerramento do SAP de Valença… Afirma a ministra Ana Jorge que o serviço não tinha condições e que, portanto, era preciso fechá-lo porque apenas proporcionava uma "falsa segurança" aos utentes. O presidente da Administração Regional de Saúde do Norte disse até que o fecho "vem beneficiar os habitantes da cidade".
Ficamos assim a saber que se um serviço importante para as populações não funciona, a solução para o problema é encerrá-lo, e que tal constitui um benefício para os potenciais utentes… Quem foi que disse que a lógica era uma batata?
O resultado é que os portugueses de Valença vão ao Centro de Saúde de Tui, onde são atendidos como deve ser. Nada de mais, por aqui somos crescentemente cosmopolitas - dá-se à luz em Badajoz, operam-se os olhos em Cuba, vai-se ao médico em Tui. E depois, ainda se admiram das bandeiras espanholas nas janelas de Valença…
Entretanto, a política do Governo no que diz respeito à aposentação na Função Pública fez disparar os pedidos de reforma antecipada dos clínicos, aumentando exponencialmente o número de pessoas sem médico de família. Chama-se a isto coerência política.
Num outro plano, o Governo recusa uma actualização de vencimentos dos enfermeiros (de cerca de 2 500 euros anuais) em nome da crise, enquanto o presidente da EDP recebe em 2009, com o aval do Estado, 3,1 milhões de euros. É este o socialismo de Sócrates.
Neste quadro, não espanta que cresça a ideia de que "o primeiro-ministro não merece a confiança dos portugueses porque mente", como veio agora dizer o presidente da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas.
De uma maneira ou de outra, Sócrates e o seu Governo há muito que estão em falência técnica. E somos nós quem paga a factura.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
História Nacional atraiçoada
Posted by A. João Soares at 14:48
Labels: governar, saúde, sentido de Estado
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