Transcreve-se a parte essencial da notícia do PÚBLICO de 01-05-2011. Trata-se de um apelo a todos os Cidadãos e Cidadãs do Mundo, com indicação de mais de 50 assinantes ligados à docência de sociologia e a outros sectores de índole social.
Como cientistas sociais que partilham valores de democraticidade e de justiça social, temos estado atentos a esta crise económica internacional multifacetada e com consequências profundamente negativas no que diz respeito ao Progresso da Humanidade.
A democracia tem que conter a crítica de si própria (Nuno Ferreira Santos)
Vive-se, na Europa e nos Estados Unidos da América, um tempo de crise económica e social profunda, onde o impacto dos mercados financeiros internacionais e da especulação nas economias nacionais se apresenta como fortemente comprometedor não apenas da retoma económica, mas também, não só da estabilidade democrática, como do aprofundamento da democracia e, consequentemente, do bem-estar social.
Às elevadas taxas de desemprego, à precariedade e volatilidade do mercado de trabalho, resultado de políticas neoliberais protectoras e favorecedoras dos interesses do grande capital, os políticos têm vindo a responder com medidas de combate à crise profundamente fragilizadoras das classes de menor estatuto social e económico, mas sem impacto na resolução dessa mesma crise, servindo apenas para “acalmar” o apetite dos mercados financeiros internacionais através do pagamento de elevados e injustificados juros cobrados às frágeis economias nacionais. Estas medidas são apresentadas às opiniões públicas como as únicas verdadeiramente eficazes para minorar os efeitos da voracidade dos mercados financeiros internacionais desregulados, omitindo o papel daqueles na emergência e aprofundamento da crise. Esta é declarada e assumida pelos governantes e por muitos economistas como se de uma fatalidade se tratasse. Ao mesmo tempo, propaga-se a ideia (ideologia) da inviabilidade de alternativas, a par da fragilização, no caso Europeu, do seu Modelo Social assente na redistribuição económica alegando a sua insustentabilidade a médio e longo prazo e a sua subalternização à Europa da Concorrência.
Acentua-se a responsabilidade individual e a desresponsabilização do Estado face aos grupos sociais mais vulneráveis, reduzindo as oportunidades para se realizarem enquanto cidadãos, beneficiando os mais poderosos em prejuízo dos mais desfavorecidos.
O ataque ideológico ao Modelo Social Europeu é um ataque ao mundo, dado que aquele é o modelo-padrão a partir do qual se constroem as aspirações dos cidadãos das nações emergentes e as novas formas de organização social que urge construir nesses países para redistribuir a crescente riqueza de que poucos usufruem.
As suas consequências são o paulatino desmantelamento das protecções sociais que (ainda) limitam os danos da pobreza e da exclusão social pondo em causa o contrato social que fundamenta a democracia. Às grandes desigualdades de distribuição de rendimento existentes nos países emergentes, perpetuadoras de inúmeras vidas imersas na mais profunda pobreza, juntam-se as novas situações, nos países mais ricos, onde o nível de riqueza cresce ao mesmo tempo que o número de pobres.
É em períodos de crise que se constroem alternativas de futuro. Todos os que se sentem interpelados, descontentes e explorados não podem ser mobilizados pelo “medo” para soluções autoritárias. E corre-se esse perigo. Por isso, é este o momento certo para que os cientistas sociais, que se ocupam de analisar, de procurar compreender e de sistematizar conhecimento sobre as sociedades, as suas dinâmicas, as suas forças e também os seus efeitos perversos, se empenhem na construção do aprofundamento da democracia. Em conjunto com todos aqueles que estão dispostos a trabalhar por um Mundo Melhor. Com todos aqueles que sabem que a democracia se inventa e se reconstrói. Outros paradigmas são possíveis, mas exigem o compromisso de todos nós, para que se diminua a distância entre governantes e governados, denunciada há tantos anos por Bourdieu; para que seja possível, à semelhança do preconizado por Edgar Morin, resistirmos a uma ideologia dominante que tudo varre à sua frente e que apresenta como evidente e normal o que mais não é que a exploração e a desigualdade, que recusamos; para que seja possível compreender à semelhança de Cynthia Fleury, que a democracia tem que conter a crítica de si própria, de modo a que se reinventem as regras que nos governam, impedindo a “entropia” das democracias. Torna-se, por isso, fundamental a intervenção no espaço público, nomeadamente através da construção de um Manifesto capaz de interrogar o capitalismo desenfreado em que vivemos (e particularmente a submissão às exigências dos mercados financeiros internacionais) que sacrifica parte significativa dos seres humanos em nome do lucro exacerbado de alguns, encaminhando-os para a perda gradual dos Direitos e da Dignidade Humanos. Trata-se de um Manifesto capaz de questionar o tipo de sociedade que está a construir-se com este modelo económico e apontar para a construção de uma sociedade em que o modelo económico não faça refém a maior parte da humanidade, destruindo-lhe nomeadamente a capacidade de indignação através do aumento da insegurança e precariedade associadas ao mercado de trabalho. O papel dos e das cientistas sociais é também desconstruir as “evidências do mercado”, bem como outras ideologias tão eficazes, nomeadamente no que diz respeito à veiculação de que não existe alternativa para a actual ordem económica e social mundial.
Afirmamos, pelo contrário, que uma nova ordem económica mundial é possível: uma ordem que restitua aos seres humanos o Direito à indignação, o Direito ao trabalho, o Direito a expectativas positivas e oportunidades de vida, o Direito à Dignidade.
Propomos, por isso, a adopção mundial de medidas tendentes a diminuir o impacto social da actual crise mundial que, se consideradas pelas elites governantes mundiais, contribuirão para o incremento das economias nacionais, para restituir ao ser humano a confiança no futuro e para o aprofundamento do sistema democrático.
Uma democracia saudável é uma democracia mais deliberativa e comunicativa, em que as políticas de “redistribuição”, de “reconhecimento” e de “participação” se articulam em prol de uma justiça mais respeitadora dos direitos humanos, mais cooperativa, sem áreas marginais, tendo em vista transformar este nosso mundo numa comunidade de comunidades.
A sobreexposição da opinião pública aos economistas do regime e sua cartilha de pensamento único desvitaliza e despolitiza o espaço público, difundindo a ideia que Margaret Thatcher apregoou quando subiu ao poder e que constitui o nó górdio de todo um programa: "não há alternativa". Nos dias que correm, esta questão surge com particular intensidade no respeitante à dívida soberana. A prenoção da intocabilidade da dívida afoga todas as tentativas de a discutir enquanto instrumento privilegiado de transferência dos rendimentos do salário para o capital. Na verdade, o reescalonamento e a reestruturação da dívida deveria permitir aos países não pagarem juros extorsionários. De igual modo, afigura-se fundamental impor uma justa redistribuição dos sacrifícios, obrigando a banca (uma das principais causadoras e beneficiárias da actual crise) a pagar imposto de acordo com os lucros obtidos, a par da taxação das grandes fortunas, das mais-valias bolsistas e urbanísticas, das transferências para offshores. Finalmente, julgamos essencial que qualquer política macroeconómica calcule, de antemão, o número de pobres que vai produzir, para que se perceba e evite os danos sociais e morais da sua implementação.
A construção de um Movimento Social Internacional
Apela-se a todos os Cidadãos e Cidadãs do Mundo para aderirem a este Manifesto, em ordem a construir um Movimento Social Mundial capaz de enfrentar o actual capitalismo desenfreado que se quer fazer “senhor do mundo” e reféns as pessoas que o habitam. PELA REGULAÇÃO DEMOCRÁTICA E SOLIDÁRIA DO CAPITALISMO. PELA HUMANIDADE COM DIGNIDADE.
Miguel Sousa Tavares - Uma opinião corajosa
Há 6 horas
2 comentários:
A propósito de uma apresentação do Livro "Capitão de Abril, Capitão de Novembro" teci (Viseu)há quase um ano (20/5) o seguinte comentário que, me cuido, terá pleno cabimento neste blog hoje apontado no Público:
"As imagens do 25 de Abril, se bem nos lembrarmos, são de sorrisos de esperança. O País apareceu-nos livre, justo, mais rico, mais respeitado, enfim, alvos densos que se esboroaram na espuma dos dias.
Miguel de Unamuno e Teixeira de Pascoaes, quase à porfia, em jeito de predestinação, consideravam a “História de Portugal um tragédia infindável”, “escrita pela Loucura e pelo Fado”!... Diziam-nos ainda: que era a tragédia do Excesso que “nos eleva e precipita de encontro à Realidade”, e, mais adiante, para “a dor” que será a “síntese do Amor e da Morte”, enfim “a nossa essência”!
Recorrendo a António Sérgio e a Raul Proença, afirmo: - Não creio que tenha inevitavelmente de ser assim o desígnio nacional!
A economia e a alta finança sobrepujaram-se e substituíram-se ao poder político, indicando-lhe a rota, seja qual for a caminhada, para gáudio de fauces e ventres desmembradores do sentido do Homem. A primordial e ancestral referência dos governos de significado político, por milagre semântico, foi substituído pelos governos económico-financeiros. Mais este do que aquele. E, por conseguinte, no fim deste novelo a desfiar, devo afirmar: enquanto mera empresa, Portugal faliu!
O cinismo das lideranças reciclou a verdade e o método dos conceitos, mormente os da justiça social.
O que foi verdadeiro ontem, hoje já não o é …logo que se deposite os trinta dinheiros em mealheiro determinado. A política de cultura, é determinada pelo Deus-mercado, tendo como cartel inscrito em seu brasão que: O que mais vende é o que vence!!!!"
Ainda que não (totalmente) de acordo com o meio de abordagem, este serve perfeitamente para um fim que é mais carente de nos afirmarmos e nos firmarmos. A saber: apesar de, algum modo, sentirmo-nos "interpelados ou descontentes ou explorados", não é somente a desregulação do capitalismo que está mal, antes o proprio capitalismo.
Assino com todo o empenhamento e a vontade de passar a meus interlocutores a mensagem que este blog propala para uma reflexão profunda de que a sociedade portuguesa e as outras bem necessitam.
Bem hajam!
João Pereira da Silva
Amarante, 01/5/2011
Amigo João Silva,
Muito obrigado por estes elementos para reflexão.
Realmente, andamos a ser enganados por sucessivas mentiras e ilusões fantásticas. Há várias facetas do poder real que condiciona as decisões políticas.
Infelizmente os políticos não estão preparados para vislumbrar os reais interesses nacionais, dos cidadãos comuns e, por isso deixam-se induzir facilmente em erros graves por essas múltiplas pressões.
O assustador aumento de assessores não torna mais eficaz o crivo, o critério, para bem governar. Antes pelo contrário, cada assessor é mais uma porta aberta para entrarem as más influências do tal poder real, que é inimigo dos portugueses comuns, porque arrasta as decisões para os interesses dos poderosos(BPN, BPP, BCP, e muitas empresas fantasmas que nada produzem e só aumentam os gastos, remunerando inúteis que apenas servem para servir de «lobbies»). E, ao fazer este arrastamento no sentido errado, impede que os políticos, ingénuos, ignorantes e, por vezes, pouco honestos, deixem de agir em benefício dos interesses nacionais.
Abraço
João
Do Miradouro
Enviar um comentário