sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A saúde mental dos portugueses

Transcrição de texto recebido por e-mail

A Saúde mental dos portugueses por Dr. Pedro Afonso
Estrolábio. 110427

Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destasperturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.

Pedro Afonso
Médico psiquiatra

6 comentários:

Mentiroso disse...

Caro A.J.S.,

Não há novidade, é o resultado do que sempre tenho escrito por ser tão evidente e tão claro. Só não é evidente nem claro para aqueles que, inchados e cegos no seu ultra-estúpido orgulho que alcunham de auto-estima, em serem rascas e adoptarem princípios há um século rejeitados pelos outros povos, mesmo pelos considerados atrasados, e que também por cá há muito deixaram de existir. Retrogradaram e acham-se avançados, modernos, inteligentes, etc. Tudo o que queriam ser mas que não são por não o reconhecerem.

A organização, a burocracia, o funcionamento do estado, a mândria geral, o roubo descarado e impune, a má-fé e o cinismo armados em educação,o egoísmo geral, a falta de colaboração entre a população, a mentalidade retrógrada, os princípios ordinários, os valores rascas, assim como tantos outros factores idênticos, tornam a vida quase impossível.

O que se passa com a quintuplicação do divórcio é apenas um indicador da incapacidade mental em lidar com ou outros e de viver em sociedade. Sobretudo do num país onde se encaminhou pela opinião errada de que a mulher, por ser fisicamente mais fraca, tem sempre razão e deve ser sempre protegida, mesmo quando criminosa. Países como a França (ainda que em poucas coisas seja exemplo), tradicionalmente, nos julgamentos dos crimes de violo nunca são excluídas as possíveis provocações, ainda que geralmente não existam (lá, porque se sabe que são contadas).

Este embrutecimento foi inculcado pelos oportunistas políticos da Abrilada, que fizeram uma constituição anti-democrática para poderem domar as massas pela mente. A jornaleiragem que faz caixa de ressonância em conluio, preparando e desimpedindo o caminho para a dominação ,mental pela corrupção, roubo, impunidade, juízes rascas e calões e pedantes arrogantes.
O que se passa com a juventude é absolutamente normal, um espelho do que os pais e outros adultos lhes inculcam e nos exemplos que lhes dão. Demonstra o que eles serão no futuro – o futuro do país.

Tudo isto é previsível e por o ser os outros países tomaram as medidas necessárias para que isso não lhes acontecesse. Em Portugal foi o contrário, aproveitaram-se para perpetuarem a fantochada da democracia que nunca existiu, a formação duma casta dominante de máfias oligárquicas composta de associações de criminosos.

Tem-se o que se preparou: êxito absoluto!

A. João Soares disse...

Caro Mentiroso,

O seu comentário é cristalino. Realmente, nada do que o Dr. Pedro Afonso escreve neste texto é novidade, pois só não vê quem não pensa racionalmente. Era previsível que se chegasse a este ponto de degradação da sociedade. E é previsível que isto piore, porque não se vê nos governantes inteligência para chegar a conclusões correctas e, mesmo que as descubram, não têm coragem de tomar as decisões mais adequadas, com receio de perder votos nas próximas eleições.

Repare nos efeitos das medidas já tomadas. A austeridade retirou poder de compra aqueles que gastam quanto ganham e fazem andar economia, com isso o consumo estagnou e a economia está parada, do que resulta encerramento de empresas e despedimentos.

Colocaram o país num espiral dramática que nos afunda até ao centro da terra, ao inferno das lavas incandescentes!
Entretanto dão altas condecorações aos futebolistas do sub-20, como se eles fossem os Messias que vão tirar o país da crise.

O diagnóstico está feito por muitos sábios, com pequenas diferenças de pormenor, mas falta um homem prático, que não seja lente universitário nem grande empresário, que mostre a terapia a utilizar. Os opinadores profissionais defendem os seus próprios euros ou dos seus amigos e entretanto o povo continua a ser espoliado até ao tutano. O cinto já não serve para apertar a barriga mas para apertar as vértebras. Está tudo com apenas pele e osso.

Um abraço
João

Mentiroso disse...

Bom, não é novidade, o que é novidade é que alguém comece a aparecer a denunciá-lo, coisa que a tal auto-estima embrutecedora (orgulho injustificado devido a uma má formação moral), a falta de humildade e propaganda jornaleira não têm permitido. Era previsível para qualquer pessoa que usasse a sua cabeça e fechasse os ouvidos ao que ficou atrás. Claro que os governantes só mostram interesse para sacarem votos; o que lhes interessa é a manutenção duma situação que lhes permita a conti8nuidade do crime e do roubo impunes. O resto são balelas. Só obrigados, controlados a afocinhados pelo povo, que como não o pode fazer não é soberano nem evitar o que se passa.

Evidentemente que as medidas tomadas só podem evitar que o país levante a cabeça. O diagnóstico é o que tenho escrito há muitos anos, não era nem é preciso ser bruxo de tão evidente que é. Não é necessário nenhum anjo salvador. O que falta é o que os outros países tiveram (e continuam a ter): povo unido com cabeça. Isto não existe por cá, pelo que a previsão só pode ser de barulho desorganizado que acaba por servir os interesses dos mesmos com ofertas de mezinhas para atirar areia aos olhos da populaça revoltada, mas desorientada, que sindicatos não trazem nada de novo.

O que é preciso e que está na base de tudo é uma mudança de mentalidade que a que durante décadas foi incutida à população é a de carneiros.

A. João Soares disse...

Caro Mentiroso,

Os seus posts e os seus comentários não se prendem com rodriguinhos e vão directos ao assunto essencial e são claros e muito adequados à realidade actual. O mal do regime apoiado por uma população pouco esclarecida, desinteressada e acomodada à sua sina, esperando que tudo mude por milagre, só pode acabar, por acto violento, mas que, infelizmente será pouco organizado e terá resultados funestos para os mais pobres que continuarão a ser explorados pelo regime que vier a seguir.

A apatia e o amorfismo não existe apenas na classe mais baixa. Recordo que no PSD os barões, em congresso, aprovaram, por unanimidade, a «lei da rolha» e, depois de saírem da sala e lhes ter sido chamada a atenção para o seu dislate, arrependeram-se «por unanimidade». Qual a consciência de tais senhores ao votar de olhos fechados? Tipicamente portugueses!!! Comportaram-se como ovelhas obedientes e inconscientes conduzidas pelo pastor para o açougue.

Com esta matéria-prima o que pode esperar-se da política portuguesa? Os jovens do «Facebook» movidos por um ou outro mais atrevido acabarão por provocar a mudança, como na Tunísia e no Egipto, mas não terão capacidade para organizar a máquina posterior.
A massa amorfa não poderá ser modernizada de um momento para o outro e cairá pela rampa mais inclinada e mais próxima de cada um, como se viu no PREC de 1974.
É por isso que, as eleições ditas «democráticas» só fazem mudar as moscas, não alterando o cheiro.

Por tudo isso, convém que na Internet continue a bater-se nos valores e na ética, a favor da massa dos portugueses, para contribuir para o desenvolvimento das pessoas. «Água mole em pedra dura tanto bate até que fura».

Abraço
João

Mentiroso disse...

É precisamente a atitude do «beating around the bush», fruto duma bandalheira que a toma por civismo, assim como duma aceitação de abuso que se toma por tolerância, que têm afastado o debate sobre qualquer assunto de interesse. Tem ainda aberto caminho ao aumento dessa apatia e espalhado a falta de colaboração popular.

A. João Soares disse...

Caro Mentiroso,

Realmente, a prudência e o receio do risco, quando em exagero, tolhe as pessoas e leva à aceitação de todos os abusos. Nem 8 nem 80. E, entretanto, é bom procurar-se a organização possível e definir objectivo e algumas regras que comprometam os líderes que enquadrarem o movimento.

Mas para haver um mínimo de coerência e disciplina num país de pessoas que o amigo muito bem define, não há milagres e no momento do arranque só a esperança de sucesso nos pode valer...

Já escrevi algures por aqui que a decadência da Europa, pólo cultural do mundo, começou na Revolução Francesa. Igualdade não condiz com liberdade. A falta de respeito humano, levou à guilhotina os que usaram a liberdade de pensar de forma diferente. E por aí ficou também a fraternidade.

Abraço
João