Era um domingo de Outubro de 1955. O jovem alferes Figueiredo tinha chegado há dois dias à Unidade, em Viseu, perto do Rossio, no antigo convento de S. Francisco. Sem ainda conhecer os cantos à casa, os espaços e as tradições, viu-se investido com o braçal encarnado de oficial de dia e inteiramente responsável pelo quartel.
Meticuloso dedicado e com vontade de ser eficiente, logo que rendeu a parada procurou iniciar a aprendizagem rápida da segurança da unidade, começando pelas funções do pessoal de serviço. Rondou o quartel, analisou as funções de cada sentinela e plantão e foi-se integrando no espírito da Unidade.
Mas chocou com uma situação que não conseguiu perceber. No vasto espaço que era mais do que uma simples parada, estava um plantão a pouca distância dos frondosos carvalhos. Para quê? Nenhum dos presentes lhe conseguiu responder. Já era assim quando ali se apresentaram.
O capitão Lopes, muito dedicado ao quartel, quando saiu da missa na Igreja da Ordem Terceira, ali ao lado, passou para ver se o novo Alferes estava atento ao serviço, mas ele também não sabia esclarecer o papel do plantão à parada. Quando ali foi colocado havia uns bons pares de anos, já era assim.
O Figueiredo não estava disposto a amordaçar a sua curiosidade, mas não tinha pistas para a investigação, até porque, sendo domingo, não podia consultar arquivos ou biblioteca, devido à ausência dos responsáveis pelas chaves.
Mas,pouco tempo depois de almoço, a ordenança veio dizer-lhe: Mê alferes está ali um velhote que lhe quer falar. Manda-o entrar. Era um octogenário com um neto e uma bengala em que se apoiava: Saiba Vossa Senhoria que sou sargento ajudante reformado que aqui passei todo o meu tempo de serviço activo e gostava de mostrar ao meu neto o quartel onde prestei serviço.
Para o Figueiredo, acendeu-se uma luz. Contou-lhe a sua curiosidade acerca do plantão à parada. O velhote com os olhos brilhantes: Não me diga que ainda ali há um plantão! Ali havia um pequeno lago com três bancos à volta e jardim. Um dia os bancos foram pintados e, para que nenhuma militar neles se sentasse e sujasse a farda, foi lá colocado um plantão para evitar tal percalço. Mas, pelos vistos, já não há jardim nem lago nem bancos, e continua a ser escalado um plantão para lá!!!
O Figueiredo, com o seu zelo e dedicação juntou em anexo à parte do Oficial de dia, a descrição do sucedido, do que resultou um elogio verbal do comandante e a alteração no esquema de serviço passando a haver um plantão a menos.
Em período de balanço de 2011 e de planeamento do 2012, esta recordação tem interesse. Como dizia João Duque em artigo no Expresso de 23 deste mês, haverá por aí muitos organismos governamentais ou autárquicos ou mesmo em empresas privadas que apenas existem devido a rotinas e tradições obsoletas, paralisantes, estupidificantes, sem realizarem qualquer serviço para a sociedade, ou para os fins das instituições de que fazem parte.
Muitos serviços apenas produzem trabalho meramente burocrático que sobrecarrega outros serviços e acaba por ser arquivado, ocupando espaço, depois de ter empatado muitas horas de vários funcionários cuja actividade poderia ter sido útil noutra finalidade e constituir um bom investimento do salário respectivo.
Neste momento de passagem do ano, deve ser feita uma análise fria e desapaixonada, e substituir o passado desnecessário por um futuro mais racional e eficaz. Dito de outra forma, é preciso eliminar as obesidades desvantajosas, inconvenientes que só têm como resultado a manutenção de parasitas e a lentidão do funcionamento da máquina.
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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Peso paralisante da rotina
Posted by A. João Soares at 15:13
Labels: eficiência, obesidade, rotina
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