sábado, 24 de novembro de 2012

Confrontar os políticos com as suas propostas

Transcrição de artigo de opinião seguido de NOTA:

Acordar do pesadelo
Jornal de Notícias 24-11-2012. Publicado às 00.30. Por Carvalho da Silva

Apetece gritar: tirem-nos daqui!!! Na passada segunda-feira, o ministro Vítor Gaspar apresentou os resultados da sexta avaliação da troika. Indignei-me ao ouvir a sua exposição. Tudo se resumiu à apresentação de uma avaliação estatística, absolutamente distante da realidade económica e social, da vida concreta das pessoas, das condições de organização e funcionamento da sociedade e das suas instituições, dos problemas com que se deparam as empresas.

Criam-nos arrepios as afirmações deste ministro-robot que repetidamente disse "fizemos um grande esforço" (para cortar aqui ou acrescentar ali), quando sabemos que se trata de meras manipulações de números em folhas de Excel. Esforço, sacrifício, sofrimento, sente todos os dias, e cada vez mais, a esmagadora maioria dos portugueses perante os efeitos das brutais políticas a que tem estado sujeita. Essas duras realidades não desaparecerão com jogos de números.

Troika e Governo contribuíram de forma ímpar para afundar a nossa economia, destruíram emprego e delapidaram recursos do Estado. Na segunda-feira veio Gaspar dizer que agora "teremos de decidir que modelo queremos para o Estado e como o poderemos pagar". O primeiro-ministro disse que poderão vir a utilizar verbas da União Europeia (UE) para fazer "as reformas" do Estado, ou seja, para destruir rapidamente milhares e milhares de empregos directamente na Administração Pública e indirectamente no privado, pois quando diminuem os serviços públicos destrói-se, também, emprego privado.

Baixam-nos o patamar de desenvolvimento e utilizam recursos financeiros disponíveis não para investir, para garantir emprego e crescimento, mas sim para nos empobrecerem.

Segundo vários órgãos de Comunicação Social, Passos Coelho defendeu a ideia de as cimeiras Ibero-Americanas passarem a realizar-se apenas de dois em dois anos. Tratou-se de um sinal de secundarização de um espaço geográfico e político fundamental para uma estratégia de futuro para o nosso país.

Portugal é europeu, por condição natural e por compromissos assumidos, mas tem fronteiras e relações a sul para desenvolver.

Não podemos continuar debaixo da bota da sr.ª Merkel ou enjaulados no quintal dos agiotas que impõem o austeritarismo. Queremos ser plenamente europeus, mas ai de nós se não tomamos consciência de que a UE está num caos: já não é (se alguma vez foi) um projeto de todos e o funcionamento das suas instituições é um descalabro.

Temos mesmo de acordar do pesadelo e recentrar os conceitos de solidariedade, de multilateralidade, de multiculturalidade e de universalismo. No presente e no futuro que se perspectiva é preciso colocar de lado sobrancerias e complexos de superioridade. Há vários países do espaço da língua portuguesa e da América Latina que são mais "importantes" que Portugal e até que a Espanha. Os portugueses precisam de os respeitar, bem como às suas instituições e de com eles estabelecer relações sólidas nas diversas áreas.

O tempo que vivemos exige discussão política séria sobre a realidade do país, sobre as nossas capacidades, sobre como nos devemos mover no plano interno e internacional perante esta emergência de uma nova era mundial.

O presidente da República, que foi talvez o político português que mais facilitou a destruição dos sectores do mar, da agricultura e da indústria, diz agora ser necessário "ultrapassar estigmas" nesses sectores, quando já não tem credibilidade política, nem capacidade e vontade de agir.

Quando se analisa, no dia a dia, os conteúdos, os enfoques e as formas de abordagem dos temas que o Governo, as maiorias na Assembleia da República ou os grandes meios de Comunicação Social nos apresentam, só podemos concluir que com as actuais forças e as relações existentes entre elas não existirão soluções.

A demissão do Governo e o seu afastamento imediato da governação tornaram-se atos imperiosos.

A soberania do povo tem de ser assegurada e os portugueses terão de confrontar, mais do que nunca, cada partido com as suas propostas. Terão de exigir que todos apresentem programas de governação muito concretos e assegurar que os compromissos sejam respeitados.

NOTA: Será muito positivo que se estimule a discussão serena das realidades do nosso país, que cada político se comprometa com o crescimento de Portugal, para bem de todos os portugueses, e que cumpra tais compromissos, os traduza em sugestões, acções e olhe com perspicácia para os resultados das medidas accionadas a fim de melhor poder ser seguida a rota de desenvolvimento mais adequada.
Neste momento, para acabar com o pesadelo, é preciso que em vez de clubismo, se unam esforços e se gere convergência para os objectivos nacionais, claramente ajustados e definidos.

Imagem de arquivo

2 comentários:

Fernando Vouga disse...

Caro João Soares

Esta música não pára de tocar desde 1975. A solução dos nossos problemas passa sempre pela "demissão imediata do governo". Tudo por A+B, como se sabe...
E é assim que neste país desgraçado se muda de governo com uma frequência alucinante. Um autêntico maná para os políticos, que fazem o que lhes dá na gana e nunca são responsabilizados. Ganham o dinheirinho, fazem as malas sem prestar contas e ainda se permitem "mandar bocas" a quem está no poleiro.
A meu ver, esse é um dos grandes obstáculos à nossa economia. Não há projecto, não há governação, que dure o suficiente para haver resultados e para exigir responsabilidades.
Se este governo cair será uma catástrofe que não resolverá nada e só agravará a crise. E nada nos garante que, na próxima vez, o governo seja melhor. Os exemplos do passado não apontam para nada de bom.

A. João Soares disse...

Caro Vouga,

Concordo com este seu comentário. A realidade é muito negra. Mas a mudança de governo nada melhora, porque o regime tritura o novo e coloca-o ao nível do anterior ou pior.
Destruir é fácil, mas a virtude difícil é construir.
Quanto às frequentes mudanças de partido no Poder, recordo os anos que duraram as obras de construção dos Jerónimos e da Batalha, que hoje veriam passar vários governos e cada um destruiria aquilo que o anterior fez e nada chegaria a cabo. A barragem de Foz Côa foi parada depois de terem sido gastos mais de 20 milhões de contos e anulou-se um grande projecto de transvase das águas do Douro para o Tejo a fim se de irrigar o Alentejo.

Nada se constrói de grandioso, nem sequer a tão falada reforma do Estado. Os interesses nacionais pouco interessam aos políticos que, salvo eventuais excepções, pensam fundamentalmente no enriquecimento rápido, volumoso e por qualquer forma.

Abraço
João