Transcrição de crónica do TenCor Brandão Ferreira agora recebida por e-mail de amigo.
A CAUSA PRIMEIRA, ÚLTIMA E ÚNICA, DA CRISE
“Devo à Providência a Graça de ser pobre.”
A.O. Salazar [1]
A.O. Salazar [1]
Nós, os humanos, aprendemos pouco e tarde.
E quando sabemos algo que se aproveite, morremos.
Esta é uma das chaves para se entender o sempre presente conflito de gerações e para perceber a importância de preservar a Informação, o Conhecimento e o Saber (três coisas distintas), nos centros de Saber tradicionais: a Universidade, a Igreja, a Magistratura, a Diplomacia e a Instituição Militar.
No fundo, conseguir ampliar, ordenar e arquivar toda a sabedoria que os avós passavam aos netos desde que a organização social não ia além dos clãs e tribos nómadas.
Uma das coisas que julgo ter aprendido foi que, entre a natureza humana – que não muda na sua essência ao longo dos séculos, por mais que isso possa doer ao Rousseau e seus discípulos – existe uma matriz que, grosso modo, funciona assim:
Dez por cento das pessoas porta-se sempre bem; outros dez por cento, portam-se sempre mal e os restantes oitenta por cento, portam-se bem ou mal, conforme. Conforme as referências em vigor e conforme o “pau e a cenoura” existentes (portas-te bem comes cenoura, caso contrário, levas com o pau…).
Dito de outro modo: muitas das pessoas só não se porta mal se forem devidamente educadas, forem dissuadidas e, ou, não tiverem oportunidade para isso![2]
Lembremos o que disse o cronista depois da morte do agora Santo, Nuno Álvares Pereira: ”Foi em seu tempo claro espelho de honestos costumes”; e dele dizia amiúde o próprio Rei D. João I, “ Que os bons costumes que havia em Portugal que o Condestável os pusera todos”.
Numa palavra, é necessário – e é uma luta de sempre – organizar a sociedade no sentido do Bem e no castigo do Mal. Para isso é preciso que haja boas referências (foi esse o maior legado de Cristo na Terra) ensiná-las e pô-las em prática.
A “prática” é corrigida e mantida por um adequado sistema de Justiça e uma activa consciência cívica que leve a uma aprovação ou censura social, saudável.
Toda esta arenga serve para dizer que aquilo que entendemos pela “crise” actual tem uma hierarquia de causas e a primeira é, justamente, moral, depois política e, só a seguir, vem a financeira as quais originam, em consequência, um desastre económico e social.
Ora, como a evidencia da crise só ganha foros mediáticos com o que se passa no campo das finanças e a maioria das pessoas só se indigna quando lhes vão ao bolso (e, mesmo assim, poucos agem), as verdadeiras causas morais que influenciam a política e a sociedade, tendem a ser ignoradas e, até, tidas por incorrectas.
Daqui resulta atacarem-se os efeitos em vez das causas dos problemas. Ou seja, estes nunca se resolvem...
De facto o fulcro dos problemas no mundo ocidental, sobretudo após a queda do muro de Berlim, nada tem a ver com ideologias políticas – todas elas, aliás, já experimentadas e gastas, num caminho já feito pela Humanidade de que só resultaram guerras e desgraças; Direito Internacional – de que a ONU é apenas um arremedo sombrio; organização do comércio mundial – cujo principal organismo, a OMC, aparenta estar ao serviço dos tubarões da finança; enfim, com Justiça relativa ou a procura da Paz – os dois termos mais invocados em vão, desde a invenção da escrita!
O que se tem passado tem a ver quase exclusivamente com a avidez e ganância humanas que leva ao mau uso que se faz do dinheiro.
Neste particular, o dinheiro – essa extraordinária invenção que como todas as invenções podem ser bem ou mal utilizadas – serve para acumular riqueza, comprar bens (e consciências), etc., podendo tornar-se num dos mais maquiavélicos instrumentos do Poder. O dinheiro cuja origem e história é ignorada por 99,9% da população – algo que estranhamente não se ensina quase a ninguém – passou a ser o alfa e o ómega de tudo. “Hélas”, o Deus Mamon! O que faz bem jus ao aforismo latino de que “nenhuma cidade cercada resiste a um burro carregado de ouro”… Na actualidade assiste-se a um verdadeiro conúbio e promiscuidade entre políticos e banqueiros, escritórios sonantes de advogados e lugares rendosos (quer públicos quer privados), que sequestraram o poder político através de uma teia de leis e compromissos que blindou o “sistema”, visando a sua perpetuação em circuito fechado.
E como se defende mentirosamente, que tudo se passa segundo as regras “democráticas”, eis que tudo passa a legal e legítimo. Uma verdadeira armadilha.
Na prática, porém, nada do que se passa visa o bem comum nem o governo da cidade. Visa o lucro desmedido, usura, controlo político – logo social e económico – e baseia-se na falta de escrúpulos, corrupção e muitas fraudes e outros ilícitos criminais.
Tudo envolto em secretismo e em “organizações” de que apenas se fala à boca pequena.
O poder político fica deste modo cativo e refém de interesses inconfessáveis e a Nação perfeitamente desprotegida e “escravizada”.
Como medida cautelar, não vá o diabo tecê-las, apaga-se e eliminam-se as Forças Armadas da face do país.
Como lapidarmente escreveu o Professor Pedro S. Martinez em artigo recente, “Quando os governantes são de mãos limpas, também os banqueiros têm dificuldade em sujar as deles”.
A teia que levou a este estado de coisas começou a ser tecida no mundo há mais de 200 anos, embora em Portugal só tenha sido implementada a partir dos anos 80 do século passado.[3]
Neste momento estamos completamente enredadas nela (a teia) e apesar da grande “débacle” só ter estalado a partir de 2008, ainda agora a procissão vai no adro.
E não iremos sair da crise senão pelos factores morais: pela instituição de valores e princípios que não sejam relativos nem relativizados, que imponham a supremacia do espírito sobre a matéria e tragam para a Política pessoas integras – de preferência que não queiram ser ricas e tenham a coragem (rara) de agradecer à Providência a graça de ser pobres.
Políticos – cuja primeira qualidade a exigir, é que sejam patriotas - que consigam elaborar uma Constituição simples, se ela for mesmo necessária – já repararam que a melhor constituição alguma vez escrita, são os 10 Mandamentos da Lei de Deus? – com poucos artigos, despida de ideologia e onde os deveres estejam à frente dos direitos e onde estes derivem do cumprimento daqueles.
E onde um modelo jurídico, que dela decorra, permita meter em prisões adequadas (não hotéis de três estrelas), os muitos “Madoff” que por aí pululam, de modo a fazer do sermão do bom ladrão, do eterno Padre António Vieira, um resquício do passado: “Não são ladrões apenas os que cortam as bolsas. Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os Reis encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos.
Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam correndo risco, estes furtam sem temor nem perigo.
Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam.”
Deixo à consideração dos leitores se será possível fazer tudo isto, democraticamente.
Isto é, se conseguimos convencer a maioria dos 80% da população a querer comportar-se dessa maneira.
Tenente-Coronel Brandão Ferreira
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[1] “O meu depoimento”, discurso proferido a 7 de Janeiro de 1949.
[2] Lembro o ditado: “A ocasião faz o ladrão”.
[3] Sem embargo do que se passou a partir das invasões francesas e suas consequências, que quase destruíram o país e a que só a reforma financeira de 1928, começou a por cobro. Com êxito.
4 comentários:
Extraordinário documento do momento histórico actual que inteligentemente retrata os males da nossa sociedade e, fundamentalmente, da consciência política.
Mas, como limpá-la?
Respondendo à consideração final, chave do exposto:
“… se será possível fazer tudo isto democraticamente, isto é, se conseguimos convencer a maioria dos 80% da população a querer comportar-se dessa maneira.”
Claro, se existirem mais Homens como o Tenente-Coronel Brandão Ferreira que imponham a democracia conseguida pelos militares de Abril de 1974, e morta à nascença, certamente conseguiremos.
Serão precisos mais Homens, repito, com a clarividência e sobretudo a moralidade do articulista deste importante documento para que, de novo, seja derrubada esta ditadura neoliberal sem escrúpulos, que tem destruído o país e a nação e nos destrói a todos nós.
Sintetizo:
Democraticamente, sim é possível; o que não é possível é com esta ditadura de tudo tem destruído!
Meus agradecimentos e aplausos ao Sr. Tenente-Coronel Brandão Ferreira, pela coragem, inteligência, honestidade, clareza de pensamento e linguagem, expostas neste artigo que espero muito contribua para a lavagem dos cérebros sujos e empedernidos.
Zélia Chamusca
Amiga Zélia Chamusca,
É uma honra para este modesto espaço ter este seu comentário, de conceituada pensadora e poetisa de corajosa opinião. A mudança democrática será demasiado difícil, devido à lentidão da burocracia que dará aso a que as múltiplas forças interessadas na travagem a deixem avançar. Por isso, e para evitar soluções violentas e com ´sérios perigos, serão precisas muitas vozes como a do insigne TenCor Brandão Ferreira,para acordar as pessoas. Felizmente, agora com o o MANIFESTO DOS 30, talvez se crie o dinamismo necessário para as pessoas despertarem e começarem a raciocinar, como pessoas crescidas e responsáveis pela sua quota parte na reconstrução de PORTUGAL.
Cumprimentos
A João Soares
"Dez por cento das pessoas porta-se sempre bem; outros dez por cento, portam-se sempre mal e os restantes oitenta por cento, portam-se bem ou mal, conforme. Conforme as referências em vigor e conforme o “pau e a cenoura” existentes (portas-te bem comes cenoura, caso contrário, levas com o pau…)."
Caro João Soares
Não quero ser desmancha-prazeres mas iniciar uma linha de raciocínio com uma tirada destas tira
quase toda a credibilidade ao texto. Isto de catalogar pessoas, algo que se aproxima ligeiramente do "Mein Kampf", não me parece admissível nos tempos que correm e muito menos em professores de moral.
Salvo os deficientes mentais que, por vezes apresentam tendências criminosas incontroláveis, ninguém, mesmo ninguém, é sempre bom ou sempre mau. Os heróis de um dia podem ser os cobardes do outro. E agora, com toda a informação com que somos metralhados, sabemos muito bem que as nódoas também caem nos melhores panos...
Caro Fernando Vouga,
«ninguém, mesmo ninguém, é sempre bom ou sempre mau». Concordo consigo. Nada é totalmente linear, menos ainda rectilíneo. Por isso é que, no IAEM, onde o amigo foi professor, se ensinava a ter em conta todos os factores que pudessem condicionar o cumprimento da missão e nunca se devia assentar na vontade ou na intenção do inimigo na sua possível acção, mas sim nas suas capacidades e possibilidades. Lá dizia o saber popular, que hoje é ignorado pelos actuais «sábios», «a ocasião faz o ladrão». O padre Américo dizia «não há rapazes maus» e devemos concluir que também «não há rapazes bons».
Mas convém ouvir todos os quadrantes porque sempre podemos aproveitar um ou outro ponto para reflexão, com o cuidado de não nos deixarmos intoxicar, mas com a intenção de completarmos o nosso leque de argumentos para conhecer todas as facetas do tema. O mundo não é a preto e branco e as tonalidades do arco-íris são infinitas.
Abraço
João Soares
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