Deputados, partidos e sistema eleitoral
(Publicado no semanário O DIABO em 23 de Janeiro de 2018)
A palavra Democracia tem gerado muita confusão por ter sido utilizada para finalidades e interesses díspares. Umas vezes é ligada à transparência e intenção de nada ser feito nas costas dos eleitores ou cidadãos, outras vezes é «servida» com decisões preparadas durante meses no «quarto escuro», como foi o caso da lei de financiamento dos partidos.
Afinal para que falar de transparência e de instalar no Parlamento um sistema de TV, pago com o dinheiro dos contribuintes, se ele apenas funciona para transmitir palavras vazias de real intenção e, muitas vezes, insultuosas para os partidos rivais?
A maior parte das actividades no Parlamento são meras perdas de tempo, para cidadão ver, com futilidades ou assuntos sem real interesse nacional e que servem para desviar as atenções dos problemas essenciais para a vida dos cidadãos, sendo deixados debaixo das cadeiras dossiers importantes para o debate dos urgentes interesses nacionais. Por exemplo, há meio ano, houve uma catástrofe devida a fogos florestais onde se evidenciaram carências de organização, de treino e de equipamento de bombeiros, de protecção civil, de comunicações eficientes e de má coordenação com a GNR para cortar, com oportunidade, o trânsito em estradas em risco, acabando por lá morrer dezenas de cidadãos. Mas meio ano é passado sem a AR debater as medidas a tomar para evitar desastre semelhante e, dentro de cinco meses, inicia--se nova temporada de perigo de incêndios e os senhores deputados esperam sentados à espera de milagre que evite os fogos. O enquadramento de instituições públicas é deficiente, com pessoas familiares ou amigas mas inexperientes e em treino adequado, do que resultam desastres como o de Pedrógão Grande.
Mas a partidocracia conseguiu, sem ofensas às mãesinhas do rival, preparar com unanimidade, fora do alcance das objectivas da TV e sem o habitual recurso aos jornalistas, uma lei para os partidos ficarem mais abonados financeiramente. Não são totalmente burros e têm habilidade de sobra para manobrar, com sigilo e segurança, e conseguindo que os colegas votem, sem saber o significado do voto que lhes é encomendado. Perfeita imagem do poder da partidocracia para agir em seu próprio proveito, sem olhar a meios.
Embora se queira convencer o povinho que os deputados foram eleitos pelos seus votos, que são os seus representantes e seus defensores, essa balela serve apenas para enganar os incautos, pois quem os escolheu foi o capataz do club que selecionou, a título de recompensa ou favor, os que lhe têm sido mais úteis e prestáveis, como arautos dos slogans de que são encarregados. São escolhidos os que mais contam para os interesses partidários, mesmo que não conheçam as realidades do país ou da região de que vão ser «representantes». Para eles, interesses nacionais são conceitos bíblicos para citar ocasionalmente por palavras que são esquecidas no minuto seguinte. No entanto, o povo vai despertando e acaba por perceber a malha com que o pretendem envolver e o resultado é o aumento da abstenção.
Mas o sistema eleitoral está preparado para isso e não existe vontade real para o alterar, para que, por exemplo, a escolha seja feita pelos eleitores de entre as pessoas em quem têm confiança e que tenham dado provas de seriedade e dedicação à causa nacional, como se passa na Grã-Bretanha. Entre nós, o eleitor vota às cegas confiante na escolha feita pelo líder do partido que é o todo-poderoso para tal votação e para o voto dentro da AR. E com tais ocultações de currículo e ausência de debates sobre as qualidades dos candidatos, têm sido eleitos assassinos, ladrões – um deputado após uma entrevista roubou os gravadores dos dois jornalistas – e muitos que misturam os interesses nacionais com os das firmas para que trabalham e jogam com a corrupção com completo à-vontade sem sentirem a vergonha e o receio de uma denúncia, aceitando ou pedindo ofertas de viagens ou de bilhetes para o futebol, etc.
António João Soares
16 de Janeiro de 2018
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