Num programa da RTP1, em 4 de Dezembro, com vários participantes, militares e civis, foi largamente discutida a situação envolvente do «passeio» no Rossio do passado 23 de Novembro. Em conversa tão ampla, parece que devia ter ficado mais enfatizada, embora tivesse sido abordada, a questão fundamental que julgo consistir no significado da «condição militar» tão utilizada pelos políticos para exigir a obediência passiva dos cidadãos armados e tão ignorada pelo Poder no que respeita às correspondentes obrigações do Estado embora bem expressas na lei.
A condição militar consiste numa espécie de contrato imposto pelo Estado em que aos militares são exigidas restrições nos direitos, liberdades e garantias constitucionais e em que, por outro lado, o Estado se compromete a compensar esse sacrifício com apoios diversos, claramente legislados pelo Poder.
O Governo deixou de cumprir os deveres do Estado nesse contrato, pelo que este deixou moralmente (e creio que judicialmente) de poder ser citado para exigir sacrifícios aos militares. Num contrato de prestação de serviços, se o cliente não cumpre a sua parte, o fornecedor não é obrigado a cumprir a sua, isto é a prestar o serviço, o que significa que deixou de ser válido.
Apesar disso, os governos, com o pretexto da condição militar, têm prejudicado gravemente, escandalosamente, os militares, em comparação com os juizes e professores, como no programa da RTP1 ficou provado com números que traduzem a evolução dos respectivos salários, na última década, pelo facto de eles não poderem reivindicar com greves e manifestações de rua, como estes têm feito.
Se o Estado não cumpre a lei, por ele próprio elaborada, perde autoridade moral para fazer exigências aos militares. É certo que estes, por educação militar, por formação profissional, não estão vocacionados para greves e manifestações sindicalistas, que consideram menos dignas e lesivas da defesa dos interesses da Pátria até ao sacrifício da própria vida, como juraram. Mas não é o Governo que tem autoridade moral para os criticar a propósito do «passeio» no Rossio, depois de os ter tratado como simples funcionários públicos.
A solução ideal consistirá em o Governo cumprir as leis de que ele e a Assembleia da República têm a paternidade. Tendo o primeiro-ministro afirmado que a lei é garantia de liberdade e é para ser acatada por todos, não se compreende que seja o Governo a dar o mau exemplo do seu não cumprimento.
terça-feira, 5 de dezembro de 2006
Os políticos e os militares
Posted by A. João Soares at 17:06
Labels: políticos e militares
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5 comentários:
Os militares, como qualquer cidadão ou governante, são obrigados a cuprir a Lei. Mas NÃO SÃO obrigados a concordar com ela. E têm todo o direito de se manifestar, individual ou colectivamente usando para isso os meios de comunicação social, se assim o entenderem.
Esta "lei da rolha" é anacrónica injusta e contraproducente. Há que acabar com ela. Mas como, se os militares não podem falar livremente?
Caro deprofundis
Agradeço a sua visita e a amabilidade do comentário, que é um desabafo justificado.
Em boa verdade, os militares devem manter-se apartidários e com isenção e, para isso, não devem meter-se em questiúnculas que possam tomar cariz partidário, e o sindicalismo na forma como funciona cá no rectângulo, conduz a divionismos o que minaria a necessária coesão dos militares em momentos de perigo.
As restrições impostas aos militares, mais ou menos amaciadas, têm lógica.
Mas o que não tem lógica é o Governo retirar as chamadas «regalias» que mais não são do que a compensação desses sacrifícios.
O que não tem lógica é os políticos compararem os militares aos vulgares funcionáros e, depois, exigirem deles o cumprimento da sua parte do «contrato» da condição militar sem, como parece que seria coerente com a atitude dos políticos, lhes darem direitos iguais aos dos funcionários públicos.
Temos políticos infantis que não sabem utilizar os muitos brinquedos que o Pai Natal colocou ao seu dispor. Adoram o Poder mas não o sabem utilizar e abusam sem norma nem critério, desprezando as leis que fizeram.
Perante tudo isto e as limitações impostas pela condição militar, é imperioso que os chefes defendam os interesses dos seus subordinados, e não os tratem como escravos que devem ter obediência, conivência, cumplicidade, subserviência em relação ao Poder.
Os chefes devem desempenhar o papel de sindicalistas em relação aos militares que comandam.
O ex-CEMGFA, neste aspecto teve um comportamento vergonhoso, bem visível no momento das manifestações de Setembro, e agora, nas vésperas de sair tentou limpar-se.
Pelo contrário o actual CEMGFA teve um bom discurso de posse. Oxalá não mude de propósitos. Mas há que ter esperança porque tem sido um homem de objectivos firmes e de estratégias sensatamente flexíveis.
Um abraço ao amigo cavaleiro e colega da blogosfera
da parte de
A. João Soares
Caro João Soares
Apreciei os seus comentários e a visita ao "Quanto Mais Quente Melhor". Bem haja.
O problema em questão, por mais voltas que se derem, está condenado ao fracasso porque, aos governantes, convém a lei da rolha. Têm assim toda uma classe subjugada. E, até à data, tal situação tem dado frutos: o poder de compra dos militares tem-se degradado em relação a outras prifissões que, do antecedente, ganhavam o mesmo. Porque esses têm nas suas próprias mãos o poder reivindicativo.
Confiar no empenhamento das chefias militares é suicida porque elas são pagas pelo Estado e podem demitidas com toda a facilidade. Tenho muita consideração pelo Gen. Valença Pinto, meu pessoal amigo e que comigo serviu na docência do IAEM. Onde foi até meu aluno. Mas ele está de mãos atadas. Tem à sua frente uma barreira intransponível.
É preciso reconhecer que estamos no sec XXI e que a modernização da sociedade não se compadece com preconceiros ultrapassados. Num País onde até os Juízes são sindicalizados, o sindicalismo não poder ser crime nem vergonhoso. É honroso. Para todos e também o será para os militares se, quem manda, souber criar as condições para uma negociação séria.
Enquanto tal não suceder, o conflito vai agravar-se e impossibilitar uma legislação equilibrada que separe as águas.
Temos que ser realistas. O sindicalismo é inevitável. Há que ter a cabeça serena e evitar que venha a ser uma catástrofe.
E, para terminar, é bom que se reconheça que a condição militar de hoje é muito diferente da dos tempos de Mousinho de Albuquerque. Pelo que não devemos ter medo de a modificar.
O meu amigo tira-me as palavras da boca.
Se se der ao trabalho de ler os meus posts anteriores, verificará que levanto esse problema com alguma ironia mas em conformidade com os seus pensamentos. Os generais foram amordaçados no governo de Cavaco Silva quando os retirou da cadeia indexada dos vencimentos. Comprou-os com vencimenos mais altos. Não tem sido útil esperar que eles defendessem os militares perante os políticos. Há tempos, quando os militares se manfestaram em Setembro e o CEMGFA se limitou a ser o eco das palavras do ministro, escrevi cartas aos jornais dizendo que ele era defensor do sindicalismo nas FA, porque a sua incapacidade de defender os subordinados empurrava estes para tal solução.
Defendi também o «passeio» no Rossio, embora lamentasse que tivesse de se recorrer a tal solução.
Isto serviu para lhe dizer que compreendo as suas palavras. Mas não convém haver precipitações, sendo preciso não esmorecer, ir amadurecendo as soluções possíveis - um estudo da situação - porque isto vai cair de maduro. O tempo é um grande mestre.
Um abraço
A. João Soares
http://vozsurda.blogspot.com/2006/12/divulgao-ataque-aos-sargentos-e.html#links
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