quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

SUBSÍDIO DE ALOJAMENTO E A POLÍTICA


No dia de ontem os Portugueses tiveram a notícia de que o licenciado Luís Amado, antigo ministro da Defesa Nacional e, agora, ministro dos Negócios Estrangeiros, vai passar a receber um subsídio mensal de residência igual a 75% do valor das ajudas de custo a que têm direito os funcionários que recebem vencimentos superiores ao índice 405 da função pública. Tudo isto, porque o senhor ministro tem a sua residência oficial a mais de 100 quilómetros de Lisboa — no caso vertente, na cidade do Funchal.

Interessante é o facto de o senhor ministro desde 1995 ter já desempenhado funções governativas em vários elencos ministeriais, por tempo mais ou menos prolongado. No actual Governo, vem desde a data em que este se formou. Interessante, também, é que a legislação que dá suporte legal ao abono de mais 1324 euros mensais ao licenciado Luís Amado foi expressamente concebida para governantes deslocados. Governantes que usufruem de transporte, em automóvel, por conta do Estado, para além do seu próprio salário e de mais abonos para despesas de representação e, provavelmente, subsídio para pagamento de telefone fixo e liquidação das contas do telefone móvel. E tudo isto, porquê? Porque são membros — às vezes — do partido político que ganhou as eleições e, quase sempre, nunca foram mais nada na vida do que isso mesmo: membros de um partido político. Quer dizer, entraram na categoria de políticos profissionais sem terem produzido mais, para o bem-estar da sociedade que governam, do que o simples discurso político. Em raros casos, exerceram cargos e funções de pouco ou quase nulo contributo para o país e, em casos muitíssimo menos vulgares, diria mesmo, quase invulgares, desempenharam, durante largos anos, profissões nas quais se afirmaram como pessoas idóneas e técnicos competentes. É assim que se pode definir a classe política nacional.

A atribuição de um subsídio de alojamento a um ministro ou membro do Governo, para além de se apoiar num conceito contra-natura — a aceitação de um cargo político tem de corresponder ao grande sacrifício de servir a colectividade, uma vez que não vivemos (que se saiba!) em regime aristocrático — parece completamente errado, pois, se o exercício da função representa um afastamento da sua área de residência habitual, duas alternativas se lhe podem colocar: ou não aceita o cargo ou, se o aceita, assume por inteiro todas as consequências do facto.

Repare-se, a título de exemplo, no que me aconteceu há exactamente 40 anos. Já sei, 40 anos é uma eternidade, vivia-se em ditadura (que, pelo menos, aparentemente desejava dar uma imagem de grande honestidade) e não fui desempenhar nenhum cargo político; sei isso tudo, mas permita-se-me recordar o passado para dele se tirarem conclusões sobre o presente e, talvez, lições quanto ao futuro.

Era eu alferes, ganhava ilíquido 3080$00, fui mandado para Moçambique, para uma região daquela colónia fora dos estreitos limites definidos como suficientes para auferir o subsídio de campanha. Por conta do orçamento da, então, Província, a título de gratificação, acrescentava ao meu soldo a quantia de 2020$00 o que totalizava um rendimento mensal de 5100$00. Antes de embarcar recebi, como compensação de mudança de residência, 30 dias de ajudas de custo por inteiro. Feitas as contas ao meu rendimento mensal eu passei a ganhar qualquer coisa como 66% mais do que auferia na metrópole. Contudo, deixei uma casa arrendada em Lisboa, pela qual pagava mensalmente 1110$00 e despendia pelo alojamento e alimentação na messe de oficiais a quantia de 1800$00 (para mim e para a minha mulher). Em valores ilíquidos, a mudança de residência custou-me qualquer coisa como 57% do meu rendimento mensal em Moçambique (renda de casa de Lisboa mais alimentação e alojamento na colónia). E não tinha carro do Estado para me deslocar, nem nenhum subsídio para despesas de representação — viajava nos «machibombos» da carreira pública, vestia-me e calçava-me à minha custa e o dinheiro para satisfazer as raras distracções saía do que me sobrava. Quer dizer, se o meu rendimento bruto cresceu 66% e sofreu uma redução de 57% o saldo líquido passou a ser de 9%. Foi por um aumento desta natureza que cumpri o meu dever como militar durante 25 meses em Moçambique, arrostando com todos os inconvenientes que tal colocação representou. Eu servia o Estado! Sacrifiquei a bolsa e a família a uma profissão que, tão livremente como o senhor ministro, escolhi e fi-lo por mais 9% do meu soldo... O senhor ministro, só porque tem residência oficial na Madeira, aufere, por tempo ilimitado, para além de todas as remunerações que lhe são devidas pelo cargo, mais 75% da ajuda de custo a que tem direito pela sua categoria de servidor do Estado. Convenhamos, é obra para um país em crise, para um dos Estados mais pobres da União Europeia!

Dá vontade de perguntar: — Quem anda a servir quem e quem se serve de quem?
Luís Alves de Fraga, FIO DO PRUMO

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro João Soares,

mais um episódio de carácter muito duvidoso.Esse senhor não é funcionário público...mas serve-se dos funcionários e do parco dinheiro que o estado de todos nós já não tem.

Levam o país à falência e pedem sacrifícios aos "súbditos"...

Para lá da casa...carros,dos motoristas, dos telefones e outras mordomias...ainda tem a polícia presa à sua porta para lhe guardar as costas!

O meu amigo sabe bem como morreu o ex-presidente do Egipto!!

Abraços
MR

A. João Soares disse...

Caro Amigo Relvas,
Não foi só o Presidente do Egipto. A primeira-ministra Indira Gandi foi abatida nos jardins do seu palácio por dois dos guardas pesoais da etnia sikh, na sequência de «uma crescente concentração de poderes e o enfraquecimento da sua imagem com a denúncia de burocratismo e corrupção governamentais. A agitação regional teve o seu ponto mais alto na região do Punjab, onde os militantes sikhs ocuparam o Templo Dourado de Amritsar, transformando-o em fortaleza»...
Será bom que a comitiva que agora foi à India com o Prsidente Cavaco tenha meditado nestas lições da história recente, a fim de por cá serem tomadas medidas sensatas para evitar actos desagradáveis.
Um abraço
A. João Soares

Anónimo disse...

Há vários casos amigo João Soares,ainda bem que me lembrou a Indira Gandhi e depois penso que foi o seu filho...

Abraços

MRELVAS

Anónimo disse...

O exemplo do que auferiu em Moçambique como alferes.etc.etc. não está nada mau não senhor,mas...comparado com o que um soldado recebia,que também deixou tudo e foi OBRIGADO a ir..está simplesmente péssimo.

Luís Alves de Fraga disse...

Caro João Soares,
Antes de mais quero agradecer-lhe as suas visitas ao meu blog «Fio de Prumo» e, depois, agradecer a transcrição que fez desta minha postagem.
Devo acrescentar, em resposta ao seu leitor identificado como DD, que, de facto, se os alferes iam mal para Moçambique, em 1966, muito pior iam as praças! Mas isso é uma evidência que salta à vista. Contudo, não poderia servir de exemplo uma praça na comparação com o senhor ministro Luís Amado, porque as praças tinham, como se sabe, direito a alojamento (!) - aquele que houvesse, claro - alimentação, fardamento e roupa lavada. Quer dizer, era uma situação que se não pode comparar à do ministro enquanto que a de um oficial, por não ter direito a nada disso, é passível de comparação.
Naturalmente que o sacrifício de uma praça se pode comparar com o de um oficial - mas isso é outra questão - ficando, como é evidente, a praça bem mais prejudicada do que um simples alferes! Ninguém nega isso, mas seria possível fazer muito diferente? Não creio, mesmo se compararmos todos os sistemas militares de todos os países... não há nenhum em que as praças tenham, em campanha, melhores condições de vida do que os oficiais... podem ter quase iguais, mas haverá sempre uma diferença. Parece-me que querer que as coisas fossem doutro modo era mera utopia.