Há realidades que já não surpreendem quem, do alto os seus cabelos brancos, costuma observar com atenção o que se passa neste rectângulo lusitano. Mas como parece haver muita gente sentada em fofas cadeiras de espaçosos gabinetes que desconhece as realidades do Portugal profundo, vale a pena recordar aspectos que embora vulgares podem parecer de outro País do longínquo terceiro Mundo.
O amigo bloguista Mário Relvas expõe com detalhe no seu blogue «Aromas de Portugal» as suas impressões
daquilo que observou numa viagem que fez a Vale de Azares, nomeadamente, às imediações da capela de S. Brás, no Concelho de Celorico da Beira, terra do afamado queijo da Serra. Não vou aqui repetir aquilo que ele diz num português bem compreensível e sentido pelo seu coração de dedicado cidadão patriótico, deixando à Curiosidade dos leitores a consulta do link atrás deixado. Mas não posso deixar de me referir à recordação (citada de memória) duma colecção de textos das lições do general Kaulza de Arriaga. ao Curso de Altos Comandos, em Pedrouços, nos últimos anos da década de 50, em que dizia: Afirma-se que Portugal é um País agrícola; mentira, é apenas um País pedrícola. Pouco tempo depois dessa leitura, ao entrar de Espanha por Vilar Formoso, olhei com mais interesse para a paisagem dum e outro lado da estrada, enquanto deixava para trás as terras da Guarda, Celorico, Fornos de Algodres, Mangualde, com a ideia de que aquele esclarecido pensador bem podia estar a fazer uma futurologia profética, perante a evolução das modernas tecnologias.
Embora não conheça em pormenor as terras do queijo da serra, conheço-as suficientemente para compreender muitos dos seus problemas. Terras de uma agricultura artesanal de minifúndio, sem dimensão para a mecanização rentável e competitiva, presta-se a uma pecuária pastorícia com boas perspectivas se os produto lácteos forem devidamente explorados. Mas a falta de condições dadas pelo Poder à vida das populações tem originado a fuga das pessoas válidas para as cidades mais próximas, para o litoral e para o estrangeiro em busca do que lhes falta na sua terra natal. Restam os idosos sem forças para reiniciar nova vida em terras estranhas. Com eles ficam muitas vezes os netos para não constituírem estorvo aos pais até que estes se instalem com carácter definitivo. Mas até estes netos estão com dificuldades por lhes fecharem as escolas, em acumulação com o encerramento de urgências, centros de saúde, etc. Os emigrantes, ainda presos ao País natal pelo arreigado portuguesismo da infância (quando isso era ensinado nas escolas), investiram as poupanças em casas no campo, em propriedades herdadas dos antepassados, com a ideia de que nelas viriam passar os últimos dias. Mas as casas lá estão, novas, bonitas embora do tipo «maison», mas condenadas a nem serem utilizadas regularmente, porque, depois de velhos, não será solução inteligente irem isolar-se longe de qualquer apoio de saúde, de qualquer hipótese de socorro em caso de necessidade próprio da idade. Por sua vez os herdeiros, ou nascidos no estrangeiro, ou nele criados, nem sequer estão muito interessados em passar férias em Portugal, preferindo lugares mais a seu gosto.
O Portugal profundo, o País interior, está condenado ao ostracismo, ao despovoamento, ao deserto. Quando desaparecerem os actuais habitantes, já muito perto do fim, nada mais restará. Só as pedras a que se referia Kaulza de Arriaga, e que para nada servem por não haver quem saiba ou as queira aproveitar.
Dirão que ainda estamos a tempo de inverter a tendência de despovoamento. Talvez. Mas seria necessário agir sem pressas mas sem perda de tempo. Falta sensibilização e competência de governantes e autarcas, como se tem verificado diariamente, com os faróis apontados para o litoral e os raciocínios enviesados para o economicismo. O caso do povoamento de Vila de Rei, com base e imigrantes brasileiros, colocou em evidência que estes problemas não se resolvem com apenas voluntarismo, mas exigem competência, realismo e consciência de todos os factores em jogo, em que predomina a certeza de que as pessoas não podem ser manipuladas como se fossem coisas.
Rapidinhas de História #11
Há 1 hora
7 comentários:
Caro A. João Soares, obrigado pela leitura do meu post e pelo link que aqui coloca.
Efectivamente a situação do noso interior é "bera"!
Os nossos conterrâneos e não posso esquecer que ali vivi algum tempo da minha vida pós 25 Abril...me transmitiram o seu desalento e a sua mágoa.
Posso-lhe dizer que dos três lagares de azeite e vinho, um apenas funciona e estou a falar de uma aldeia composta por quatro povos separados, mas que se interligam-Grichoso, Fonte Arcada, Soutinho e o mais pobre,o Mourilhe.
Este lagar só funciona para consumo de alguns habitantes.Onde ontem havia agricultura, muito azeite, vinho, fruta, batata, feijão...agora existe alguma coisa para entretém dos mais velhos, como uma pequena horta nos campos pequenos junto às casas!
O Cardo, elemnto proponderante na feitura do queijo da serra é comprado a uma empresa no Alentejo a peso de ouro.
O leite acabou, tal como os rebanhos de ovelhas organizados que haviam.Agora só há um e é pequeno.
Lembro-me de um primo meu ter um rebanho que tinha trezentas cabeças...tinha vindo de Angola onde tinha uma fezenda de café. Ali foi assassinado o meu tio avô Leopoldo Relvas,que trabalhava na a fazenda para esse meu primo.Foi assassinado pela FNLA!Apenas porque trabalhava e havia pouco tempo para um explorador branco!
Esta minha tia que foi a sepultar era sua viúva!
Mas esse meu primo já falecido deixou uma queijaria moderna a funcionar, da qual hoje continuam o seu desenvolvimento os seus filhos.
Incrível é que para se por à venda o queijo demarcado com a creditação eleva o preço para valores incontornáveis e eles optam pela comercialização sem a certificação!Senão ninguém lhe pega.
Vendem para as mais conhecidas àreas comerciais, denominadas grandes superfícies e fazem uma média diária de 3.200 Kgs de queijo.O que mais fazem é o tipo serra, mistura de ovelha com vaca!
O mais vendido, pois é amenteigado e englobado num preço mais barato!
Continuam a fazer o queijo da serra, mas tanto para um como para outro buscam leite por todo o lado e acabam por ter de recorrer a onde o há, em Espanha!
Sinais dos tempos em que o Gen. Kaulza de Arriaga hoje se visse o estado do interior do país diria que só temos pedras e rotundas...nem a agricultura de subsistência existe!
Vou levar este seu texto para o Passa Palavra!
Abraços
MR
Caro João Soares,aproveito para lhe lembrar que nesta terra Vale de Azares nasceu, viveu e morreu o Dr José Alberto dos Reis, ilustre Lente da UNCoimbra e presidente da Assembleia-hoje AR!Foi colega de A. Oliveira Salazar o prefeito do Via Sacra onde estudei um ano interno!
Até a sua casa-As Eiras e espólio corre riscos, degradando-se, pois era solteiro, as coisas ficaram para os sobrinhos netos e agora são muitos...
Este homem em vida construiu na aldeia uma cantina escolar e um bairro de casas para os mais pobres, onde hoje ainda vive alguém!
Um abraço
Mário Relvas
E assim vai o Portugal profundo, o abandono é a tónica do nosso interior. Infelizmente, nesta altura não é só o interior. Os Portugueses estão, a iniciar a 3ª vaga de emigração, têm de procurar no exterior, o que a pátria não lhes pode dar, é triste, muito triste! E vêm aínda os nossos políticos vangloriarem-se da miséria que cá temos, mão d'obra barata.
A desses senhores não é barata.
Perdoem-me, mas revolta assistir a tanta miséria, ver Portugal a bater no fundo!
Um abraço MRelvas e J.Soares
Caros Mário Relvas e Víctor Simões, Agradeço a visita e os comentários. O País está em mau estado de saúde. Os seres vivos quando adoecem e são mal tratados não resistem e morrem. Um Estado, sendo formado por seres humanos é um ser vivo e, por isso...
O futuro de Portugal depende de todos e de cada um dos seus cidadãos. Devemos fazer tudo quando esteja ao nosso alcance, pra que esse futuro não seja demasiado tristonho.
Este post pretende incentivar um intercâmbio de links e referências nos nossos trabalhos por forma a chamar a atenção para escritos que mereçam ser divulgados para bem do País, através do esclarecimento das pessoas. Os visitantes e comentadores situam-se num círculo estreito e temos de levar as ideias construtivas até mais longe.
Considero importante que esta ideia frutifique.
Abraços
A. João Soares
Caro A. João Soares:
Li com a atenção devida este seu desabafo e alerta sobre a situação do interior ostracizado pelos governantes, excepto durante os curtos dias , às vezes horas, em que as campanhas eleitorais descobrem que Portugal ainda tem gente no seu interior.
E muitas vezes, se há mais pedras do que sementes, embora a figura de Kaúlza de Arriaga não me seja de todo bem-querida,a culpa é de quem não fomente uma política de verdade. Portugal sempre teve condições naturais para ser um país agrícola. Veja-se a Irlanda, por exemplo, que sempre o foi e continua ser.
Mas o que de há muito tem vindo a ser feito é trabalhar o país de forma a que sejamos um país de serviços (baratos)da Europa.
Política, a meu ver errada e mentirosa, que só nos continuará a afastar dos outros parceiros.
E é inteira verdade que está em marcha um novo surto de emigração e, como dizia Pereira de Moura, "a emigração é a prostituição de um povo."
Querem lá eles saber disso...
Um abraço.
Jorge G - O Sino da Aldeia porque avisar é preciso
Concordo com o seu reparo à citação de Kaulza. Ele referia-se a uma agricultura moderna com maquinaria que tornasse a produção volumosa e barata, para ser competitiva no mercado internacional.
Mas, há agricultura de especialidade, de pequenas quantidades e grandes valores. Isso tem estado a ser explorado por famílias estrangeiras que se instalaram em vários pontos do País e estão a levar uma vida feliz e com dinheiro, cultivando flores, ervas aromáticas para perfumes, e outras coisas raras.
Mas, o que fazem os muitos técnicos do ministério da Agricultura? Que conselhos dão aos agricultores? Que sugestões e orientações lhes dão? Que cursos de formação organizam?
Somos um País de gente pouco séria e honesta. A ausência dessas medidas atrás citadas é uma desonestidade doe funcionários pagos pelos nosso dinheiro e que nada de útil estão a fazer. E que dizer do «patriotismo» dos políticos que tutelam esses serviços incompetentes e inúteis???
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