Solidão, maleita grave da sociedade actual
A solidão, principalmente nos idosos, não é um fenómeno recente mas, nos últimos anos, tem assumido proporções preocupantes. Os textos frequentes em blogues mesmo que revestidos de arte literária, impessoal, e a circular por e-mail, evidenciam ao mesmo tempo crescimento da frequência do fenómeno e o aumento da sensibilidade para esta terrível maleita da sociedade moderna. A meu ver, de leigo na sociologia e na psicologia, é, realmente, uma doença agravada pelas alterações dos valores éticos e morais que enformam a sociedade moderna, demasiado competitiva, focada no dinheiro e na ostentação, muitas vezes fingida, esquecendo as relações humanas e familiares.
O aumento recente da escolaridade, levou filhos de famílias humildes pouco acima de analfabetismo a subirem muitos degraus acima do nível dos progenitores à custa de grandes sacrifícios e privações destes. Acontece com demasiada frequência que essa nova geração, vaidosa do seu estatuto de Dr., em vez de mostrar pelos pais gratidão por aquilo que lhe deram, exige-lhes carro e casa própria, passa a sentir vergonha deles e evita-os, chegando ao ponto de evitar contactos dos avós com os netos «para que não lhes ensinem coisas retrógradas». E quanta experiência lhes podem transmitir, enriquecendo a sua formação como futuros cidadãos responsáveis e dignos. Os pais-avós passam a ser considerados como escória, nem para acompanhar os netos servem. Ficam condenados ou a acabar num lar ou a ser encontrados sem vida em casa alguns dias depois de finarem.
Apreciei há dias um texto de Mário Relvas repleto de humanidade e de sensibilidade em relação aos outros, aos idosos, aos que já não têm esperanças que lhes dêem força de ânimo por falta de projectos e de objectivos. Descreve uma situação impressionante, mas que infelizmente não é única, pois abrange a generalidade dos idosos que deixam de sentir o carinho de familiares e amigos e da sociedade em geral. A sociedade está doente e a solução não depende apenas dos governantes, mas de todos e de cada um de nós. Aquele texto é uma contribuição válida mas são precisas outras. Também relembro as palavras de Naty quando diz «a solidão, a falta de carinho e a ingratidão são as piores coisas que me podiam ter acontecido»
Há que combater a solidão que apenas traz inconvenientes para a saúde. Repare-se que não estou a referir-me ao isolamento voluntário para reflexão ou para um trabalho individual. Isso não é solidão. Porém, o primeiro passo para evitar e combater a solidão tem de partir do íntimo do próprio. Fui professor voluntário, gratuito, de três academias de seniores, e verifiquei que a maior parte dos alunos e alunas não estavam ali para aprender, mas apenas para se sentirem no meio de outras pessoas, para combaterem a solidão que sentiriam se ficassem em casa. Todavia, dado esse primeiro passo, pouco faziam para interagirem com os outros, para se interessarem por um estudo, um hobi, um projecto, de preferência colectivo.
Os idosos precisam de ajuda, mas como em tudo, ajuda significa uma colaboração numa acção que alguém está a desenvolver, isto é, só pode ser ajudado quem está a fazer algo e solicita e aceita essa colaboração, como reforço da sua acção. A ajuda não substitui o esforço do interessado e não se impõe; neste caso deixa de ter esse nome.
A solidão da idade começa a ser evitada quando ainda se tem autonomia, actividade. A troca de e-mails, a «brincadeira» de um blogue em que se trocam comentários, são formas de contactar, de continuar a viver intelectual e espiritualmente. A ida à rua, e meter conversa com as pessoas que se encontram, começando por um simples «bom dia», por um sorriso, é o mínimo que se deve fazer, daí podendo vir um relacionamento mais cordial e a amizade, a consideração dos outros.
Mas, infelizmente, as características dos portugueses são mais propícias ao fecho em si mesmos, à desconfiança, à inveja, à cara dura, que nada facilitam nos contactos e conduzem às carências de afecto e à solidão.
Nos momentos de juventude, eram jovens atléticos, cheios de pujança física, com ideais, actos de bravura, de valentia, de sonhos, ilusões e desconsolos, mas chegados os cabelos brancos, passam os dias, muitas vezes, silenciosos, a jogar as cartas no jardim com companheiros de «infortúnio», que sofrem do mesmo mal, nada fazem, apenas vislumbram o fim, na incerteza do futuro.
E como diz M Relvas, importa praticar a camaradagem, com cidadania, humildade, por forma a chegar a idoso um dia, sem ser velho, porque velho é aquele que perde os ideais, que deixa de sonhar e de acreditar. E, para evitar a solidão e ajudar os semelhantes a vencerem a sua, de mãos dadas, unidos, olhemos uns pelos outros, continuando a sonhar!
A teimosia em cultivar a saudade, a memória do que houve de melhor na vida, não é muito saudável e, por vezes, provoca dor e desgosto. Nem sempre é fácil ultrapassar a dor de uma perda de algo muito precioso, mas é possível. Não se é infiel a uma memória se usarmos a medida higiénica de a colocarmos um pouco de lado e pensarmos na nossa vida agora com vista ao amanhã, com aquilo que temos à mão, procurando ser tão felizes quanto possível com aquilo de que dispomos. O sol, as flores os sons, os aromas da primavera devem ser apreciados e usados para nosso prazer. Não é saudável agarrarmo-nos demasiado ao que é impossível reviver, embora nunca devamos esquecer os momentos felizes que tivemos. Conheço pessoas que curtem a infelicidade porque, a cada momento menos agradável recordam e comparam com os momentos em que foram mais felizes. Isso está errado, porque só agrava o vida no dia de hoje. E nós temos obrigação de ser felizes hoje, agora. Se não o formos agora, nunca o seremos, porque o amanhã não existe (teoricamente, existirá ou poderá vir a existir, mas então será como presente, será o agora de então)! Temos de criar entusiasmo para que o amanhã, quando for presente seja vivido da forma mais feliz.
Sugere-se a leitura de:
- De Mário Relvas, «Continuemos a sonhar»
- António Barreiros, «Os meninos de sua mãe»
- De Naty, «Solidão»
Que continue
Há 2 horas
3 comentários:
Solidão,
é estado d'alma adormecida,
é quietude e silêncio indesejado.
É fuga constante de vida,
é sentir que foi trocado.
Não vivas nem caminhes só,
Olha a estrada que se afunila.
Não queiras que tenham dó,
Navega na onda da vida, em barco de camomila...
Beijo
Estas quadras definem a solidão. Mas, como em tudo, é preciso procurar e encontrar uma solução.
«Não deixes que tenham dó», é preciso saltar a vedação que nos separa dos outros e estabelecer contactos, restabelecer afectos antigos, telefonar a pessoas que há muito não vemos, ir ao encontro dos outros. Não devemos ficar quietos a lamentar a solidão, esperando que sejam os outros a vir até nós e acabar com ela.
Em situação que nos diminui e cria pessimismo, nem sempre é fácil correr para os outros, mas, com pequenos gestos voluntariosos, a vida ganha novas cores e um novo rumo. Por vezes, basta um novo passatempo, de preferência que nos abra ao ambiente circundante, para os horizontes se tornarem mais risonhos.
Estou a alinhar as palavras e a pensar num e-mail que agora abri com os desabafos de uma amiga a quem desejo que vença a dor e pense em coisas positivas e, como sabe escrever, que sublime o sofrimento e tire dele uma obra literária que, para começar, lhe concentre as ideias no alinhamento das rimas, e daí lhe saia a conclusão de que a vida não era só a dedicação a um homem com quem não foi possível continuar a trocar carinho. A vida não pode parar por um desgosto, há que o ultrapassar pela positiva.
Beijinho
João
Caro João Soares,
agradeço-lhe a referência ao meu texto.
Tudo o que diz é real, sincero e sentido.
Mas no meu texto apelo também para aqueles que mais novos se sentem velhos, para aqueles que abandonam os ideais, os que desisteme que esquecemos.
A idade não é sinónimo de velhice, mas de experiência e não de desistência.
Interroguei sobre aqueles mais novos também, que depois de fazerem parte de um grupo coeso, se vêem a braço com o desemprego, chagas sociais e outras.
O que fazemos nós, porque eles também se esqueceram dos antigos companheiros?
Aqui fica a interrogação.
Abraço amigo
Mário Relvas
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