segunda-feira, 23 de julho de 2007

Da Democracia

Transcrição de um «cheirinho» do «Estado da Nação» do autor do Blog do Leão Pelado, um trabalho claro e profundo e com estrutura didáctica. Aqui apenas se traz um pequeno aperitivo que julgo aguçar a curiosidade par ler um texto tão meritório.


1. BASES DA DEMOCRACIA

De interesse primordial é saber o que é exactamente aquilo que se toma por democracia. Filologicamente, democracia é uma palavra latina (democratia) de etimologia grega (demokratia) que ainda hoje mantém o significado original: “governo pelo povo por sufrágio popular”. Historicamente, a democracia nasceu como reacção contra os governos oligárquicos atenienses.
Por seu turno, oligarquia é uma forma de governo em que predomina uma facção ou uma família poderosa e tem também a sua raiz no grego (oligarkhia). A existência dum governo oligárquico não impede a existência de várias oligarquias. Através da história tem-se verificado que pode acontecer existir uma única oligarquia num país, mas geralmente coexistem vários grupos oligárquicos que se revezam pela força ou pela persuasão. Por interesse comum, duas ou mais oligarquias podem até coabitar num mesmo governo, numa forma conhecida por coalizão ou coligação. Note-se que nações democráticas têm adoptado esta forma sem por tanto terem deixado de ser democracias, como nos países nórdicos. Como exemplo recente basta recordar que na década de 1990, a Finlândia teve governos formados por políticos de 14 partidos diferentes, segundo foram votados e eleitos, e continuam com o mesmo sistema em que os governos são compostos pelos eleitos e não por um só ou dois partidos coligados. Obviamente, que desde que as forças oligárquicas obedeçam às regras democráticas, já não são oligarquias (o que não acontece em Portugal). A democracia é sempre mantida desde que os seus princípios básicos não sejam revogados, ou seja, desde que o povo continue como árbitro e soberano.
As oligarquias podem ainda assumir formas de interesses não especificamente políticos, mas sempre relacionados com o poder. Há grandes e pequenas oligarquias, maiores ou menores.
É obvio que não se está a falar de nenhuma forma de governo estritamente moderna ou revolucionária, mas em velhos, comprovados e mundialmente conhecidos sistemas com milénios de existência. Donde se depreende a carência e o atraso democráticos existentes em grande número de países, dos quais Portugal manifestamente faz parte. Uma democracia não só permite o controlo e o acesso dos cidadãos ao seu próprio governo, dirigido por políticos capazes e experientes, como lhes atribui o arbítrio último (ultima arbitrium) sobre as propostas ou decisões dos políticos, tanto da parte executiva como da legislativa. Numa democracia, o facto dos políticos serem eleitos para governantes não lhes confere o poder nem o direito de agirem contra a vontade nacional – representam os cidadãos (o povo soberano). A representação não inclui nem subentende a substituição.
Nas verdadeiras democracias modernas europeias – de forma diferente na primeira democracia ateniense, mas dentro de idênticos parâmetros – quando uma parte significativa da população discorda das decisões governamentais existe maneira de contestá-lo. Para tanto basta reunir um número pré-determinado de assinaturas (número relativo ao total da população do país) para que se proceda a um sufrágio que devolve aos cidadãos o direito democrático na escolha de aprovarem ou rejeitarem as decisões contestadas aos governantes. São sempre os cidadãos quem tem o arbítrio final sobre as propostas ou decisões dos políticos, ou então não se pode falar duma democracia. Isto não significa que qualquer proposta de origem executiva ou legislativa seja sistematicamente rejeitada ou até mesmo automaticamente posta em causa, mas o princípio do povo soberano é a pedra basilar duma democracia. Numa democracia não existe qualquer outro soberano. Não existem órgãos soberanos, existem organizações ou instituições – com esta ou qualquer outra nomenclatura – que exercem cargos em nome do povo, único soberano, a ele prestando humildemente contas. O único soberano numa democracia é o povo e não o rei ou o presidente da república (este último por de mais indubitavelmente atado ao seu partido), nem o parlamento, nem os governantes, nem a procuradoria geral, nem os tribunais, nem os juízes, nem mais ninguém. Sem povo soberano e sem sufrágio a palavra “democracia” é oca, mais não sendo do que uma impostura e uma farsa ridícula, usada pelos políticos quando pretendem justificar os seus actos anti-democráticos contra o povo soberano...

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