SINAIS DE INSATISFAÇÃO ENTRE OS MILITARES
Por Loureiro dos Santos no Público de 23Jul2007
Têm sido visíveis diversas atitudes públicas de insatisfação de militares, mesmo no activo, quanto à forma como os governantes estão a agir para com eles, no conjunto das reformas em curso de que o país carece.
Terão os militares razões para se sentirem injustamente descriminados pelos responsáveis políticos? É a pergunta para cuja resposta pretendo contribuir, embora sucintamente e sem abranger todo o universo da actividade castrense.
A especificidade da profissão militar tem por núcleo caracterizador a completa disponibilidade para o serviço do país daqueles que a exercem. Disponibilidade em termos de tempo e de local de prestação – sem limite de horário e sempre prontos a marchar para onde a missão o requeira, com toda a incomodidade pessoal e familiar que isso representa. E disponibilidade na entrega total à sua missão, tanto física como espiritualmente, comprometendo-se a sacrificar a própria vida na defesa da Pátria, em contrato que estabelecem através de juramento público perante a bandeira nacional.
Esta especificidade, conhecida como “condição militar”, implica a obrigação de cumprir deveres que se traduzem em numerosas privações ou limitações dos direitos garantidos aos outros cidadãos, como os de expressão, manifestação, associação, etc. E também no facto de lhes serem outorgados certos direitos. Uns de natureza moral, como o respeito devido às tarefas que desempenham e aos sacrifícios que muitas delas integram, e a dignidade que, em consequência, lhes deve ser atribuída. Outros de natureza material que, no essencial, se referem ao usufruto de diferenciais remuneratórios positivos em relação aos não militares, de assistência de saúde assegurada para si e para os familiares deles dependentes, e da segurança social correspondente ao estatuto que lhes deve corresponder.
Esta é a prática de todos os países. Está mesmo a ter lugar um reforço dos elementos compensatórios de natureza material, em todos os estados ocidentais, dada a crescente importância das forças militares para a respectiva política externa, da qual são instrumento insubstituível, e para a segurança interna, ligada com o facto dessas forças serem profissionais, na sua grande maioria.
Portugal é excepção. As compensações dos militares, em degradação acentuada desde os anos 90 do século XX, estão a sofrer novos e profundos cortes, que não só mantêm os diferenciais negativos existentes, mas, em certos casos, os aumentam.
Nos finais dos anos 80, afim de garantir a remuneração justa dos militares, o governo equiparou-os a três outras profissões da administração pública portuguesa – magistratura, diplomacia e ensino superior. Decisões sectoriais posteriores, relacionadas com cada uma dessas quatro profissões, distanciaram, de modo diferenciado, as três não militares da profissão das armas, ficando com estatutos remuneratórios bem mais favoráveis, com destaque para o dos juízes. A esta realidade chocante, tão distorcida e iníqua para os militares, não será estranho o facto de todos os outros profissionais manterem na íntegra os direitos reivindicativos que a Lei confere, incluindo o direito de greve. Até os magistrados (?).
Mais grave. Os governos não cumprem legislação entretanto aprovada com o fito de atenuar parcialmente o diferencial negativo dos militares, em relação aos profissionais equiparados. Como o complemento de pensão de reforma, e o nivelamento das gratificações dos militares em serviço nas embaixadas às dos diplomatas em iguais circunstâncias. E não têm reforçado suficientemente o fundo de pensões, não pagam pensões devidas aos antigos combatentes e atrasam-se a ressarcir as despesas de saúde a que os militares têm direito. Aliás, só o actual governo, e muito recentemente, insuflou meios financeiros no fundo de pensões (já precisam de reforço), salvando-o de ir à falência. De facto, existem dívidas muito elevadas do Estado português aos profissionais militares, o que, no mínimo, é muito estranho. Além de potencialmente perigoso.
Não houve preocupação que se visse com esta situação, nas reformas presentemente em curso.
A assistência à saúde dos militares e familiares a seu cargo, assim como as pensões que irão auferir, estão a ser seriamente atingidas. Ainda não há sinais de um programa de revisão do sistema remuneratório dos militares, com a finalidade de anular os diferenciais mencionados. Chegou mesmo a ser aprovado um diploma que dá melhores condições aos peritos em finanças, quando em cooperação técnico-financeira no exterior, do que aos militares em cooperação técnico-militar.
E está na forja um diploma que parece igualar as normas relativas aos militares às dos funcionários públicos. Como é que um governo, que se afirma tão competente, avançou com uma proposta à Assembleia da República que não ressalva sequer os aspectos básicos indispensáveis à gestão do pessoal militar, em qualquer parte do mundo, incluindo os remuneratórios? Embora o tenha feito para os magistrados. Por que não terá sido ouvida, atempadamente, a Instituição Militar?
Considerará o governo que os militares são funcionários públicos? Ou que serão de categoria inferior? Já que os parcos benefícios específicos que lhes restam estão a ser tão reduzidos, que nem de longe equilibram os inúmeros sacrifícios e obrigações, que terão de continuar, sem o que deixarão de existir forças militares credíveis.
A situação que procurei descrever sucintamente está a aumentar a insatisfação entre os militares e contém o perigo de provocar actos de indisciplina. Estou certo de que os responsáveis situados nos mais elevados níveis estão dela conscientes e tudo procuram fazer para a alterar em sentido positivo. O que, do meu ponto de vista, abrange a tutela governamental do sector.
O que pensarão desta matéria o Primeiro-Ministro e o Presidente da República?
Tal como afirmei, são visíveis os sinais de insatisfação. Até agora, a noção dos militares sobre a delicadeza do assunto tem evitado situações mais inconvenientes. O comportamento dos Chefes e dos Comandantes tem tido o maior mérito. As próprias associações profissionais de militares, com algumas excepções preocupantes, têm agido como lhes compete e com cuidado.
Por agora, as Forças Armadas e a Guarda Nacional Republicana continuam a actuar com a dedicação, o espírito de servir, a generosidade, o profissionalismo, o valor, até o elevado brilho, que lhes é reconhecido. Nacional e internacionalmente.
Sinal de que a insatisfação necessita de ser rapidamente reduzida é o facto de alguns militares terem arriscado cometer actos de indisciplina para chamar a atenção do poder político, através da sensibilização da opinião pública. O que pode prejudicar-lhes as carreiras. Já teve lugar um movimento colectivo que afectou uma unidade – uma corveta da Marinha –, embora sem beliscar o cumprimento escrupuloso da missão. O que é motivo de ainda maior preocupação. Outras movimentações colectivas podem ocorrer…
É preciso agir, para prevenir situações de maior gravidade, susceptíveis de prejudicar fortemente o país. A tempo. Não só com palavras, mas especialmente com actos concretos dos órgãos de soberania. Em primeiro lugar, do Chefe do Governo e do Chefe de Estado. Julgo que qualquer deles terá a noção exacta do papel da Instituição Militar para a soberania e a afirmação externa do nosso país, assim como no contexto da autoridade do Estado. Num período histórico tão agitado e tão carregado de ameaças como o nosso.
Loureiro dos Santos, general
Lápis L-Azuli
Há 14 minutos
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