É suposto que em democracia, sendo o povo o detentor da soberania, e cabendo-lhe o dever e direito de votar para a escolha dos seus representantes para gerirem, em seu nome, a condução dos interesses colectivos, designados por interesses nacionais, deve manter-se atento ao evoluir quotidiano das situações e ir formando a sua opinião sobre o que mais interessa ao País, por forma a não ficar totalmente dependente das promessas falaciosas próprias das campanhas eleitorais.
Para esse esclarecimento permanente são necessários todos os tipos de comunicação social, principalmente atendendo à iliteracia generalizada na maioria da população. A blogosfera, embora ao alcance de uma minoria ainda pequena, tem a vantagem da clareza e da possibilidade de comentários e do debate que eles geram e alimentam. Os artigos devem incidir sempre em pontos fulcrais que permitam um aprofundamento de análise e de discussão aberta dos temas. O debate, a polémica, a discussão dão clareza aos assuntos focados.
Por vezes, as gafes dos políticos dão aso a interpretações sardónicas, irónicas, humorísticas, pelo facto de eles serem figuras públicas. Este fenómeno vem de longe, sendo bem conhecidos os textos de Eça de Queirós e de outros escritores da sua época e de outras mais recentes. Presentemente, como os políticos exageram o seu aparecimento quase diário na TV, o que tem para eles o inconveniente de ficarem demasiado visíveis, qualquer aspecto da sua insegurança, desde a fuga a respostas até a contradições ou hesitações, fica mais exposto à observação do povo, constituindo estímulo para o humor.
Os meios modernos de comunicação ampliam os comentários mais picantes. São abundantes as anedotas que circulam na Internet, nem todas sendo originais e, por isso, não sendo pessoais, mas, por vezes, adaptações de outras de épocas anteriores, inclusivamente do antigo regime.
Seria conveniente procurar usar sempre o critério de que criticar não é apenas dizer mal, mas também dar tópicos de reflexão, pistas para melhores decisões, escolhas mais adequadas. Certamente, não são soluções milagrosas, mas apenas pontos que pareçam dever ser apreciados como possíveis, como merecedores de ponderação, por poderem encerrar aspectos úteis. Neste blog podem ser encontrados artigos que consubstanciam este critério construtivo, participativo.
Um político experiente, sensato e amigo do nosso País, deverá ter a humildade e o «jogo de cintura» adequados para não se irritar com comentários mais duros ou bem dirigidos para as suas vulnerabilidades e não os afastar, mas olhá-los com o sentimento de que poderá neles encontrar pontos válidos para as suas meditações.
Ser político não quer dizer deixar de ser humano e, portanto, sujeito a errar. Esta vulnerabilidade de qualquer humano deve ser contemplada nos políticos quer por eles próprios quer pelos cidadãos em geral. Por isso, todos os cidadãos devem ser tolerantes, benevolentes, complacentes, compreensivos, indulgentes, clementes, mas apenas em casos pontuais, concretos e não em conceitos estratégias, decisões de efeitos continuados que prejudiquem a felicidade dos cidadãos actuais e vindouros. Sem isto, seriam coniventes, conluiados, etc.
Por esta razão, e para ajudar o Governo a agir em benefício dos cidadãos, é conveniente que a população raciocine livremente e não se deixe condicionar por um ou outro partido sem ter opinião própria. Nestes problemas da gestão dos interesses do país não há coisas sagradas, tabus, tudo sendo e devendo ser discutível, analisável em todos os aspectos. Se assim não for, não se pode, em dado momento, esperar que o cidadão vote conscientemente neste ou naquele candidato, nesta ou naquela solução.
Agora, há quem defenda que deve haver um referendo acerca o tratado europeu. É pena que não se tenha retirado conclusões daquele que foi efectuado sobre a IVG. Quanto a este, os partidos na AR esquivaram-se à sua votação alegando que se tratava de um assunto que mexia com a sensibilidade de muitas pessoas e que era um tema do foro íntimo de cada um, devendo, por isso, ser dada ao povo a liberdade de escolha através do referendo. Mas, ironia das ironias, os mesmos partidos que disseram querer dar ao povo liberdade de escolha, saíram à rua a pressionar de todas as formas as pessoas, condicionando-lhes a liberdade de decisão, para votarem no sentido que cada um deles pretendia. Dessa forma, a decisão não foi realmente entregue ao povo. Tratou-se de uma contradição, uma falácia, um logro. Infelizmente, coisas deste género são muito frequentes e é indispensável que os cidadãos se habituem a reflectir sobre as virtudes e os defeitos do regime, sobre as características reais da democracia em que lhes é dito que a soberania está nas suas mãos.
Mas como pode o povo estar esclarecido se há restrições bem conhecidas à liberdade de opinião e de expressão? Se existem escutas telefónicas tão generalizadas e tão comentadas até pelo Procurador Geral da República, se Mário Soares vê conveniência em dizer que é preciso exercer o direito de expressar o «direito à indignação» e se Cavaco Silva também já achou conveniente aconselhar que não devemos resignarmo-nos, então não estamos em democracia plena então o povo não é soberano.
Regressa-se aos tempos em que corria o slogan «o que faz falta é avisar a malta». E para isso, a blogosfera tem um papel importante a desempenhar e deve fazê-lo com sentido de responsabilidade plena, sem precipitações apressadas, mas sem esmorecer, sem parar.
Momento cultural
Há 2 horas
4 comentários:
João
Gostei da reflexão que aqui nos deixa. Penso que nós devemos, dentro do possível, ser cidadãos activos. Viver a cidadania e promovê-la. Mas aquilo que os políticos dizem parece-me que é "lana caprina". Todos eles apelam à cidadania, mas depois nada fazem. É tudo a mesma cambada.
Bom domingo.
Abraço
Caro amigo Amaral,
Os políticos nasceram neste alfobre de gente presa às piores tradições, com um enorme peso consuetudinário e, como não são excepcionalmente dotados, dificilmente rompem as amarras que os mantêm condicionados pelos comportamentos do meio onde viveram os primeiros anos de existência. E quando conseguiram afastar-se dessas influências familiares, ou se meteram nos vícios da sua juventude ou se armaram em intelectuais envergonhados da sua origem e passaram a ser desenraizados das origens e sem outras ligações de segurança protectora. Passaram a nada saber do País real e a viver de ideias voláteis, gasosas e por vezes mal cheirosas. Realmente o peso do consuetudinário é arrasador, principalmente numa sociedade pouco culta e letrada. Já os romanos consideravam os lusitanos como um povo que não se governa nem se deixa governar. Também Camões, grande conhecedor do nosso povo, decidiu encerrar os Lusíadas com a palavra INVEJA, defeito a que o António Delgado, em comentário recente, acrescentou, despeito, pobreza e falta de auto-estima, o que forma um caldo muito propiciador ao estado de atraso em que nos encontramos.
Há no tema da análise da actual situação do regime político motivo para profundos estudos de psicólogos e sociólogos, com vista a fazer um diagnóstico sério e apontar a terapia que nos faça saltar o muro que nos cerca e avançar em direcção aos níveis dos nossos parceiros mais evoluídos.
Olhando para a realidade vigente conclui-se que é lógico que os políticos não estejam interessados em que os cidadãos usem do dever e do direito de cidadania, porque quando isso acontecer e a população estiver esclarecida, eles terão a sua actividade muito controlada, não lhes sendo fácil fazer trafulhices impunemente. Uma cidadania plena restringe as libertinagens dos políticos, que se vêm coibidos de beneficiar com a corrupção, acabam as nomeações politicas e passam os recrutamentos de pessoal a ser feitos por concurso público e apenas nas quantidades indispensáveis. etc.
Por tudo isto, o povo tem que sair da letargia e avançar para se tornar cidadão participativo.
Um abraço
Bom Post! ( os outros tb o são, mas este merece uma deferência maior da minha parte tal a semelhança de pensamentos que encerra)
Com uma análise correcta e perspicaz sobre o que deve ser a atitude blogosférica e a atitude política em relação a ela; bem como o dever de informação que penso que a mesma contém.
No "meu" espaço tento ter uma atitude semelhante a este que o A.João refere.
abr...prof...
Caro Nuno R,
Obrigado pelas suas palavras. Os portugueses precisam de meditar nestes assuntos ... no intervalos das telenovelas e do futebol!
No seu blog O Profano, acho interessante o último post «A Europa que não quero» que tem tópicos merecedores de reflexão.
Quanto ao referendo a que lá se apela, se o houver, espero que os partidos não façam pressão desvergonhada sobre os eleitores, porque, dessa forma, nada se ganha com ele e fica mais barato ser tudo decidido na AR. Campanha partidária e facciosa para um referendo é desrespeitar o povo e a sua capacidade de decidir o que quer (e realmente as pessoas em geral não sabem mesmo o que querem!).
Continue na sua actividade de cidadania.
Um abraço
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