sábado, 3 de novembro de 2007

O estatuto do aluno e a história

As dúvidas e críticas ao estatuto do aluno não são inovações. Os políticos portugueses já eram dotados de «mentes iluminadas» há mais de um século. Parece que nada piorou... nem melhorou!!! como se infere do seguinte texto da obra «Vida Irónica» de Fialho de Almeida (1857-1911):

-Senhor !
Por uma graciosidade especial dos funcionários a quem V.M. (Vossa Majestade) houve por bem encomendar a organização interna do Ministério de Instrução Pública e Belas Artes, pude percorrer esta manhã os cadernos de planos, os relatórios e minutas dos projectos de lei que aqueles ilustres homens têm preparada a grande obra da futura educação da mocidade, com uma largura de vistas que me espanta, atento o facto de Suas Exas. não terem senão dois olhos, e esses mesmos oftálmicos e piscos. Senhor, eu estou contente.

Dês que desfruto razão, é esse Ministério a primeira coisa assombrosamente perfeita que me é dado admirar no meu País. Como chegaram a construir tão sábios projectos, homens que nem sequer sabem ler ? Eis o que eu nunca me poderei explicar nitidamente.

Entretanto, como é sina da natureza humana o sempre haver quem ponha pecha às concepções mais impecáveis, aqui lhe venho acusar, meu Senhor, uma lacuna reconhecida por mim nos planos do novo Ministério, para que V.M. a preencha conforme os seus desejos de glória, e espírito magnânimo que sempre tem mostrado no respeitante à felicidade dos seus súbditos.

Meu Senhor, nas reformas de ensino planeadas pelo Sr. ministro de Instrução Pública falta a mais útil. Entre as escolas práticas a criar, esqueceu S. Exa a mais indispensável. Falta no orçamento da Instrução Pública, verba custeadora duma escola de roubo; falta nos cadernos do novo Ministério o projecto duma escola de assassinato.

Para as restantes profissões está tudo. Há professores que ensinam a fazer queijo, a montar a cavalo, a bordar a missanga, e a observar os olhos doentes. Há para a pintura, para cutilaria, para rendas e para partos. A todos os ramos da acção humana, o Estado vai dando guias, ateliers, e matrículas baratas. O ensino metódico e científico desceu até à aprendizagem dos carpinteiros e dos fabricantes de sapatos de liga. Há bacharelatos para tudo, só o Governo de V.M. deixa o ladrão desamparado, e o assassino ignorante e à mercê da sua própria imaginação.

5 comentários:

Amaral disse...

João
Eça, Fialho e tantos outros foram visionários da parolice, da tacanhez, da mesquinhez, da aleivosia dos políticos, da verborreia dos nossos governantes. O que é irónico, ou talvez não, é que hoje essas questões encaixam na perfeição.
Bom fim-de-semana
Abraço

A. João Soares disse...

Amaral,
Parece irónico, mas na realidade é autêntico humor negro. É uma prova de que este povo se mantém sem evolução desde os tempos dos romanos e dos lusitanos. Ultimamente, se algo mudou foi para pior, no que respeita às posições perante os valores morais, éticos, humanitários, etc.
É sempre mau escorregar no cimo de uma rampa, acabando por se parar apenas no fundo. E, neste caso, onde é o fundo? Parece que ainda está longe. As próximas gerações irão sofrer muito.
Abraço
João

Mentiroso disse...

Então, a questão da instrução não é como as outras? Nunca foram tomadas medidas inteligentes e necessárias e é precisamente aqui e por isso que se vê a capacidade dos governantes, pois que em princípio terão menos interesses próprios a defender. A incapacidade tem ficado assinalada por todos os governos, é o ministério que mais ministros tem consumido. Embora tudo isso, Portugal continua na cauda do ensino, os cursos não são considerados como suficientemente bons e os aos formados não é dada equivalência em países avançados, como os médicos bem sabem, por exemplo, que não podem exercer sob responsabilidade própria, a não ser que se submetam aos cursos e exames nas suas faculdades.

A. João Soares disse...

A propósito de equivalência, conheço dois casos que ilustram a sua afirmação. Dois rapazes, um licenciado em Física pela Universidade de Lisboa e outro em Economia pela Universidade Católica foram para os EUA a fim de se doutorarem. Tiveram de fazer lá novas licenciaturas, apesar das altas classificações levadas daqui e de terem feito o secundário no Liceu Francês Charles Lepierre. Conseguiram, devido à sua capacidade de trabalho e de investigação atingir o seu objectivo com óptima avaliação e facilmente obtiveram lugares na docência universitária e estão a levar uma vida de muita qualidade.
Por cá, o grande consumo de professores nesta pasta, mostra a incapacidade de os políticos encontrarem a porta de saída para o problema e, por outro lado, tornam a responsabilidade do fracasso tão difusa que não há um culpado, mas muitos, e de vários partidos. Enfim, uma situação à Portuguesa!!! com certeza!
Abraço

A. João Soares disse...

Sobre este tema de grande repercussão no futuro do País, vale a pena ler este artigo de Francisco José Viegas aqui linkado É mau de mais para ser verdade