domingo, 30 de março de 2008

Processo disciplinar a militar reformado

Transcrição do Portugal Club:

A COMIL, Comissão de Militares

Fomos todos surpreendidos com uma notícia saída no Diário de Notícias de hoje, segundo a qual, o Chefe do Estado-maior da Força Aérea (CEMFA) instaurou um processo disciplinar ao coronel, há vários anos na situação de reforma, Luís Alves de Fraga.

Os motivos prendem-se com a denúncia, efectuada no Blog “Fio de Prumo” da autoria daquele prestigiado militar, da gravíssima situação existente no Hospital da Força Aérea Portuguesa (FAP) no tocante ao deficiente atendimento da generalidade dos militares seus utentes. O texto da denúncia era acompanhado de fotografias de longas filas de espera de militares para serem atendidos naquele hospital.

Recordamos que, na reorganização da Saúde Militar que o Governo pretende levar a cabo, este Hospital é aquele que está indigitado para ficar a prestar os cuidados de saúde a um universo de militares cinco ou seis vezes superior ao actual.

Se agora é assim, ficamos com uma ideia do que nos espera!

O CEMFA, incomodado com a denúncia, ao invés de tentar resolver o problema, optou por atitudes que são atentatórias dos mais elementares direitos de cidadania consagrados na Constituição da República.

É uma decisão inédita. Depois de nos últimos dois anos, terem sido levantados 50 processos disciplinares a militares na efectividade do serviço, alguns deles já castigados, por exercerem os seus direitos cívicos consagrados na lei, é a primeira vez que esta onda repressiva chega a um militar na situação de reforma. Isto apesar de estar bem explícito na lei que o Regulamento de Disciplina Militar é aplicado aos militares na efectividade de serviço e numa altura em que os militares castigados reclamam uma amnistia.

A argumentação é, no mínimo, falaciosa. Como é que um militar na situação de reforma tem capacidade para colocar em causa a “Coesão e Disciplina na FAP”?

Se algum chefe militar se sente ofendido na sua dignidade, honra e bom nome tem o direito e o dever de recorrer aos tribunais para se defender. Então porque o não faz? Tem medo de quê? Será que é por nos últimos tempos várias decisões dos tribunais terem dado razão aos cidadãos militares contra as pretensões das chefias militares?

Desde a tomada de posse deste Governo, os cidadãos militares têm estado sujeitos a sevícias indignas de um Estado democrático. O Governo e os seus agentes no interior das Forças Armadas continuam a optar pela repressão, mesmo sobre aqueles que estão na posse de todos os seus direitos constitucionais, em plena igualdade com os restantes cidadãos.

Por isso devemos denunciar castigos desta natureza.

Os direitos de cidadania asseguram-se, exercendo-os.

O comportamento determinado, disciplinado e persistente que tem caracterizado a actuação dos militares é disso a prova cabal.

A verdade e a justiça virão ao de cima.

30 de Março de 2008
A COMIL, Comissão de Militares

NOTA: Deixa-se aqui um apelo aos bloguistas para apoiarem com os seus comentários o Sr. Coronel Luís Alves de Fraga. Poderão deixá-los neste post, no post recente neste blog «Proibido dizer ‘o rei vai nu», ou no blog «Fio de Prumo».
Temos que evitar um Portugal novamente amordaçado.

12 comentários:

Amaral disse...

João
Nem era preciso deixar nenhum apelo.
É de lamentar que no Portugal Pós-Abril, situações destas ainda aconteçam.
Penso que a mordaça anda novamente a atormentar-nos.
Não podemos calar a nossa revolta.
Boa semana
Abraço

A. João Soares disse...

Amaral,
Obrigado pelo seu apoio. Sugiro que visite o Do Mirante, onde há comentários muito interessantes.
Pode utilizar o link no meu nome abaixo
Um abraço
A. João Soares

Jorge P. Guedes disse...

O tapa-bocas já chegou aos reformados? isto está bonito, está!

Um abraço.
Jorge P.G.

Anónimo disse...

Caro João Soares

É muito duro e preocupante ver um CEMFA dar tamanho tiro no pé. Envergonha-nos a todos e vai fazer com que os políticos passem a ter ainda menos respeito pelas Forças Armadas. Aquilo que o CEMFA está a fazer é um tremendo disparate, do qual vai sair muito fragilizado. Disparate, quanto mais não seja, porque o visado vai sair ainda mais prestigiado.
São estes "generais" que me fazem sentir feliz por eu ter ficado apenas em coronel...

A. João Soares disse...

Caro Deprofundis,
Esteja descansado que, não tendo sido promovido, ninguém lhe atribuirá culpas pelo estado degradante a que hão-de chegar as Forças Armadas!!!
Ele também há-de ser reformado, se não morrer antes, mas terá tratamento VIP, por ter estrelas e por ter sido CEMFA, mas pior estarão os seus assessores que o empurraram para este despautério, porque esses não Têm quatro estrelas pra lhes facilitar o caminho.
É com estas atitudes insensatas dos chefes que se cria a falta de coesão, de respeito e de prestigio das Forças Armadas quer internamente quer perante políticos e civis.
Abraço
A. João Soares

A. João Soares disse...

Caro Jorge Guedes,
Como vê os militares segundo os chefes, têm de ser escravos dos caprichos e incompetências destes até à morte. Estes não aceitam que lhes sejam apontadas falhas dos serviços de que são responsáveis, para não se sentirem diminuídos no seu orgulho e vaidade.
Um abraço
A. João Soares

Anónimo disse...

Amigo J.Soares:
Sou, e continuarei a ser,contra o sindicalismo nas Forças Armadas, no pressuposto que compete ao Chefes dos Ramos defender os nossos direitos junto do poder político. No entanto,nos últimos anos tem-se verificado uma total omissão e submissão ao poder político .Por formação e sentido do dever, os militares sempre foram frontais a alertar as hierarquias para problemas que afectam o moral e a própria operacionalidade dos Ramos. Por isso é chocante que o CEMFA ao ser confrontado com o problemaa,não se tenha preocupado, apenas, em mehorar a situação,como lhe competia. Aqui fica a minha solidariedade ao Coronel Luís Alves de Fraga.
Um abraço do camarada e amigo
Eurico Azevedo

A. João Soares disse...

Caro Eurico,
Obrigado por este teu gesto.
O início do comentário tem uma lógica assente num pressuposto que, logo a seguir, concordas que, na realidade, não existe. Isso leva a crer que as FA beneficiariam com um sindicato consciente, patriótico, tendo em vista a defesa do País e dos seus servidores, sem se sujeitar a pressões partidárias, nem do governo. Para os inconvenientes da governamentalização, basta a submissão dos generais, agradecidos pela promoção e pela nomeação para as funções que desempenham.
Este acontecimento, devido e ampliado pelo topo da FAP, pode ser motivo para o arranque da consciencialização dos militares em relação à pouca importância que é dada pelas chefias ao seu bem estar em todos os seus aspectos.

Um abraço de muita amizade
A. João Soares

Anónimo disse...

Caros amigos

Partir do princípio de que as Chefias das Forças Armadas são os legítimos defensores dos interesses dos seus subordinados só cabe na cabeça de idealistas com uma descomunal dose de ingenuidade. Basta lembrar que elas são nomeadas pela entidade patronal. Será preciso dizer mais?

A. João Soares disse...

Caro Deprofundis,
As suas palavras são de um realismo que não deixa dúvidas. O meu amigo Eurico afirmou um argumento oficial, antigo, mas seguiu o raciocínio do Vouga ao referir os pressupostos idealistas que acabaram por provar que o tal idealismo não pode ser levado a sério.
Mas também não serve um sindicato que se limite a organizar manifestações e a perder a noção pragmática e realista das situações do pessoal.
Abraço
A. João Soares

A. João Soares disse...

Eis a recente e desassombrada intervenção pública do distinto General Paula Vicente, e que circula na Internet:

AINDA O PROCESSO DISCIPLINAR CONTRA O CORONEL LUÍS ALVES DE FRAGA

Não li a peça que terá motivado a atitude do CEM da Força Aérea,
Senhor General Luís Esteves de Araújo - pessoa que conheço bem e por
quem tenho a maior consideração pessoal - de levantar um processo
disciplinar ao Senhor Cor. Luís Alves de Fraga, pessoa que, sob o meu comando, serviu na Base Aérea da Ota. Pelo que li, parece ter sido a frase seguinte a razão última do processo: «mostras de uma
subserviência ao poder político que envergonha a tropa que comandam».

Deduzo que o escrito, nesta e em outras possíveis afirmações
semelhantes, não traduz um ataque pessoal ou institucional à figura do CEMFA ou à Força Aérea, constituindo apenas o cru exercício do direito à indignação de um militar da FAP que se terá confrontado com a realidade de um sistema de Assistência na Doença aos Militares da Força Aérea (ADMFA), que funcionava de forma exemplar, completa e, eventualmente até, intencionalmente destruído e substituído por umaaberração típica de quem age primeiro e pensa depois, se é que pensa.
E, disso, o Sr. Cor. Alves de Fraga não tem a culpa, e nada pode fazer
para solucionar o problema. Como não tem culpa o Senhor General CEMFA,
mesmo que, porventura digo eu, pudesse ter feito algo mais que o muitoque seguramente fez para o evitar.

Não creio (e também não fui verificar) que a Constituição da República Portuguesa consagre especificamente o direito à indignação, mas, sem dúvida, no seu Artº 37, nº 1, consagra claramente o direito à Liberdade de Expressão que, em meu entender, cobre perfeitamente o primeiro.

A indignação - e a capacidade de a demonstrar publicamente - devem
constar da caixa de ferramentas da personalidade de qualquer cidadão
na plena posse das suas faculdades mentais, sob pena de se lhe aplicar
a máxima "quem não se sente não é filho de boa gente" e de se
constituir em alienado mental, daquela estirpe tão bem caracterizada por Guerra Junqueiro em "Pátria" (1896), "Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas…".

Em defesa do Senhor Coronel Alves de Fraga, que muito respeito também, que há décadas não vejo e que me não constituiu seu procurador, também eu me sinto profundamente indignado com o que adiante relato e tencionava até fazer do assunto uma comunicação pessoal ao Senhor General CEMFA. Por impulso, ao ler a notícia do processo no Diário de Notícias e ao encontrar o assunto já em desenvolvimento na blogosfera,
faço-o aqui mesmo, o que me inibe, por uma questão de cortesia e de
respeito pela sua figura institucional, de o comunicar posteriormente ao CEM da minha Força Aérea.

A minha "história" mais recente com a ADM, sucessora da ADMFA, fonte
da minha profunda indignação que aqui deixo expressa, é a seguinte:

Como não tive a sorte de nascer rico e por isso mesmo, desde que
entrei para o Quadro Permanente da Força Aérea, em 1960, eu e o meu
agregado familiar utilizámos sistematicamente os hospitais militares,sempre que eles disponibilizavam as consultas ou os meios auxiliares de diagnóstico que procurávamos. Com isso eu pretendia, por um lado, minimizar os custos para mim próprio e, por outro, minimizá-los também para a FAP que, assim, não teria que pagar a entidades estranhas a prestação de serviços de que dispunha em casa.

Ultimamente, porém, comecei a ter enorme dificuldade de marcação de
consultas, por telefone inicialmente e, depois, nem por marcação presencial, porque, quando chegava ao Hospital da Força Aérea já a quota mensal estava esgotada. Assim, no final de 2007 e, novamente, no início de 2008, resolvi ir um pouco mais cedo para garantir a marcação. Com toda a naturalidade e fazendo uso da minha qualidade de militar da FAP, entrei à porta de armas cerca das 07:30 e dirigi-me para a central de marcação, colocando-me junto da máquina dos "tickects". Cerca das 08:00, hora a que a máquina começa a dar os tais tickets, entrou um multidão em fila indiana que, vendo-me já junto da máquina, me advertiu que eu tinha que ir para a bicha, ao mesmo tempo que, colectivamente, me mimoseavam com uma série de adjectivos que, por decoro, não vou aqui reproduzir e ameaçavam agredir, se insistisse
em retirar o primeiro ticket. Nas duas vezes, salvou a situação o
facto de terem entrado militares da FAP que comigo serviram ao longo
das nossas carreiras e que tiveram a gentileza de se me dirigir e
cumprimentar com sonoros "bom dia senhor general", o que fez arrefecer a turba furiosa. Particularmente na segunda vez, em 4 de Janeiro último, não tenho a menor dúvida que teria sido fisicamente agredido, porventura gravemente, face aos impropérios que tive que ouvir. Isso teria dado um apelativo título de caixa alta "general da Força Aérea leva um arraial de pancada no hospital". Não a levei, mas, depois de quase 50 anos de regular utilização, saí do HFA sem vontade de, tão cedo, lá regressar. E saí profundamente indignado: se tivesse sido
entrevistado logo de seguida, muito provavelmente diria muito pior que
o Sr. Cor. Alves Fraga terá dito.

Não quero aqui, publicamente, fazer qualquer juízo de valor, mas sei
que o Senhor General CEMFA sabe que a aplicação do RDM suscita a
obediência, mas que não promove o respeito hierárquico e constitucional e, por isso, acredito que o Senhor General tenha sido mal assessorado, já que, para tentar "punir" um delito de pinião, uma manifestação de indignação, que até poderá ser excessiva mas será sempre legítima, deu
para a comunidade a imagem de uma Força Aérea digna de um regime que,
pensa a Nação, se teria exaurido em Abril de 1974. E isso poderia ter
sido evitado.

Com idêntica indignação relativa ao mau serviço prestado pelos
serviços médicos da FAP, ainda que não por culpa própria, deixo aqui
ao Senhor Cor. Luís Alves de Fraga, um abraço com a minha solidariedade.

Lisboa, 31 Março 2008

Fernando Paula Vicente
Maj-Gen. Força Aérea

A. João Soares disse...

Recebido por e-mail,
MEU CARO AMIGO, O PCP, FOI O ÚNICO PARTIDO DA AR A FALAR DESTE CASO, E INTERPELOU O GOVERNO SOBRE ESTE ASSUNTO, PORTANTO, E COMO A LUTA CONTINUA, QUERO DEIXAR-LHE AQUI ESTE TEXTO DESSA INTERPELAÇÃO, QUE JULGO SER DA MÁXIMA IMPORTÂNCIA, FAÇA-O CHEGAR AO SR. CORONEL FRAGA.

Direitos fundamentais - Intervenção de António Filipe na AR

Sexta, 04 Abril 2008

Interpelação, sobre a qualidade da democracia e o exercício dos direitos fundamentais

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

Vou dar um exemplo revelador do estado a que as coisas chegaram em matéria de liberdades.

Um coronel da Força Aérea reformado tem um blogue no qual publicou fotografias, que lhe foram enviadas, de longas filas de espera para atendimento no hospital da Força Aérea, relativamente ao que ele próprio, no seu blogue, teceu algumas considerações. Isto foi suficiente para que lhe tenha sido instaurado um processo disciplinar - imagine-se, um processo disciplinar instaurado a um cidadão reformado das Forças Armadas!

Ora, isto é absolutamente extraordinário porque, tanto quanto se saiba, as limitações aos direitos dos militares decorrem da Constituição e aplicam-se aos que estão no activo. Aliás, todos conhecemos casos de militares que, por já não estarem no activo, exercem todos os direitos que a Constituição e a lei lhes conferem enquanto cidadãos.

É extraordinário, ainda, porque o Regulamento de Disciplina Militar, pela sua natureza, só é aplicável a quem está no cumprimento das suas missões e a quem viola deveres no decurso das mesmas, como é evidente. Ora, nada disto pode ser aplicado a um cidadão que está reformado das Forças Armadas.

Este episódio é muito revelador porque, a ser assim, qualquer cidadão que esteve sujeito a deveres militares está sujeito, qualquer dia, a ser alvo de um processo instaurado ao abrigo do Regulamento de Disciplina Militar por ter feito uma qualquer consideração que alguém, da chefia das Forças Armadas ou do Ministério da Defesa, não gostou de ouvir.

Sr. Ministro, isto é absolutamente intolerável, mas é um sinal do que se tem vindo a passar ultimamente em matéria de Forças Armadas e de abuso do Regulamento de Disciplina Militar.

Na verdade, estamos numa situação em que, ao longo dos últimos meses, já vimos o cumprimento de mais de 100 dias de prisão disciplinar por parte de militares dirigentes associativos a quem são instaurados, selectivamente, processos disciplinares que, também selectivamente, são geridos no tempo. Estão a decorrer cerca de cinco dezenas de processos, sendo que há sentenças judiciais demolidoras contra o Ministério da Defesa, das quais o Governo recorre sistematicamente.

Portanto, isto é absolutamente intolerável.

Não basta dizer, e muito bem, que os militares portugueses são exemplares no cumprimento da sua missão. É que, depois, há dezenas de militares que têm uma folha de serviços distinta e a quem são instaurados processos disciplinares unicamente por delito de opinião e por exercerem direitos de que dispõem enquanto dirigentes associativos.

Sr. Ministro, isto de instaurar um processo disciplinar a um reformado porque publicou fotografias num blogue é absolutamente inadmissível!