Dentro do objectivo de este espaço ser apartidário e aberto a todas as ideias, procurando estimular as reflexões mais abrangentes a fim de analisar os fenómenos por todos os lados, com isenção e desapaixonadamente, transporto para aqui este texto recebido por e-mail do amigo LSC. Trata-se de uma carta de um rapaz ao deu professor de história. Espero que possa despertar um debate de ideias orientadas para um maior esclarecimento dos casos citados, sem paixões, facciosismos, ou radicalismos.
34 anos depois...
Exmo Senhor Professor,
Sou obrigado a escrever-lhe, nesta data, depois de ter escutado, com toda a atenção, a aula de História, que nos deu sobre a Revolução de Abril de 1974.
Li todos os apontamentos que tirei na aula e os textos de apoio que me entregou para me preparar para o teste, que o Senhor Professor irá apresentar-nos, na próxima semana, sobre a Revolução dos Cravos.
Disse o Senhor Professor que a Revolução derrubou a ditadura salazarista e veio a permitir o final da Guerra Colonial, com a conquista da Liberdade do Povo Português o dos Povos dos territórios que nós dominávamos e que constituíam o nosso Império.
Afirmou ainda que passámos a viver em Democracia e que iniciámos uma nova política de Desenvolvimento, baseada na economia de mercado.
Informou-nos também que a Censura sobre os órgãos de Comunicação Social terminara e que a PIDE/DGS, a Polícia Política do Estado Fascista acabara, dando a possibilidade aos Portugueses de terem liberdade de expressão, opinião e pensamento. Hoje, todos eles podem exprimir as suas opiniões nos jornais, rádio, televisão, cinema e teatro, sem receio de serem presos.
Disse igualmente que Portugal era um país isolado no contexto internacional e que agora fazemos parte da União Europeia e temos grande prestígio no mundo. Que somos dos poucos países da União a cumprir, na íntegra, os cinco critérios de convergência nominal do Tratado de Maastricht para fazermos parte do pelotão da frente com vista ao Euro.
Li os textos de apoio do Professor Fernando Rosas, onde me informam que os Capitães de Abril são considerados heróis nacionais, como nunca houvera antes na nossa história, e que eles são os responsáveis por toda a modernidade do nosso país, pois se não tivesse acontecido a memorável Revolução, estaríamos na cauda da Europa e viveríamos em grande atraso, em relação aos outros países, e num total obscurantismo.
Tinha já tudo bem compreendido e decorado, quando pedi ao meu pai que lesse os apontamentos e os textos para me fazer perguntas sobre a tal Revolução, com vista à minha preparação para o teste, pois eu não assisti ao acontecimento histórico, por não ter ainda nascido, uma vez que, como sabe, tenho apenas dezasseis anos de idade.
Com o pedido que fiz ao meu pai, começaram os meus problemas pois ele ficou horrorizado com o que o Senhor Professor me ensinou e chamou-lhe até mentiroso porque conseguira falsificar a História de Portugal. Ele disse-me que assistira à Revolução dos Cravos dos Capitães de Abril e que vira com «os olhos que a terra há-de comer» o que acontecera e as suas consequências.
Disse-me que os Capitães foram os maiores traidores que a nossa História conhecera, porque entregaram aos comunistas todo o nosso império, enganando os Portugueses e os naturais dos territórios, que nos pertenciam por direito histórico. Que a Guerra no Ultramar envolvera toda a sua geração e que nela sobressaíra a valentia dum povo em armas, a defender a herança dos nossos maiores.
Que já não existia ditadura salazarista, porque Salazar já tinha morrido na altura e que vigorava a Primavera Marcelista que, paulatinamente, estava a colocar Portugal na vanguarda da Europa. Que hoje o nosso país, conjuntamente com a Grécia, são os países mais atrasados da Comunidade Europeia.
Que Portugal já desfrutava de muitas liberdades ao tempo do Professor Marcelo Caetano, que caminhávamos para a Democracia sem sobressaltos, que os jovens, como eu, tinham empregos assegurados, quando terminavam os estudos, que não se drogavam, que não frequentavam antros de deboche a que chamam discotecas, nem viviam na promiscuidade sexual, que hoje lhes embotam os sentidos.
Disse-me também que ele sabia o que era Deus, a Pátria e a Família e que eu sou um ignorante nessas matérias. Aliás, eu nem sabia que a minha Pátria era Portugal, pois o Senhor Professor ensinou-me que a minha Pátria era a Europa.
O meu pai disse-me que os governantes de outrora não eram corruptos e que após o 25 de Abril nunca se viu tanta corrupção como actualmente.
Também me disse que a criminalidade aumentara assustadoramente em Portugal e que já há verdadeiras máfias a operar, vivendo à custa da miséria dos jovens drogados e da prostituição, resultado do abandono dos filhos de pais divorciados e dum lamentável atraso cultural, em
virtude de um Sistema Educativo, que é a nossa maior vergonha, desde há mais vinte anos.
Eu fiquei de boca aberta, quando o meu pai me disse que a Censura continuava na ordem do dia, porque ele manda artigos para alguns jornais e não são publicados, visto que ele diz as verdades, que são escamoteadas ao Povo Português, e isso não interessa a certos órgãos de
Comunicação Social ao serviço de interesses obscuros.
O meu pai diz que o nosso país é hoje uma colónia de Bruxelas, que nos dá esmolas para nós conseguirmos sobreviver, pois os tais Capitães de Abril reduziram Portugal a uma «pobreza franciscana» e que o nosso país já não nos pertence e que perdemos a nossa independência.
Perguntei-lhe se ele já ouvira falar de Mário Soares, Almeida Santos, Rosa Coutinho, Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Vítor Alves, Vítor Crespo, Lemos Pires, Vasco Lourenço, Vasco Gonçalves, Costa Gomes, Pezarat Correia... Não pude acrescentar mais nomes, que fixara com enorme sacrifício e trabalho de memória, porque o meu pai começou a vomitar só de me ouvir pronunciar estes nomes.
Quando se sentiu melhor, disse-me que nunca mais lhe falasse em tais «sacanas de gajos», mas que decorasse antes os nomes de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Diogo Cão, D. João II, D. Manuel I, Bartolomeu Dias, Afonso de Alburquerque, D. João de Castro, Camões, Norton de Matos, porque os outros não eram dignos de ser Portugueses, mas estes eram as grandes e respeitáveis figuras da nossa História.
Naturalmente que fiquei admirado, porque o Senhor Professor nunca me falara nestas personagens tão importantes e apenas me citara os nomes que constam dos textos do Professor Fernando Rosas.
Senhor Professor, dada a circunstância do meu pai ter visto, ouvido, sentido e lido a Revolução de Abril, estou completamente baralhado, com o que o Senhor me ensinou e com a leitura dos textos de apoio. Eu julgo que o meu pai é que tem razão e, por isso, no próximo teste, vou seguir os conselhos dele.
Não foi o Senhor Professor que disse que a Revolução nos deu a liberdade de opinião? Certamente terei uma nota negativa, mas o meu pai nunca me mentiu e eu continuo a acreditar nele.
Como ele, também eu vou pôr uma gravata preta no dia 25 de Abril, em sinal de luto pelos milhares de mortos havidos no nosso Império, provocados pela Revolução dos Espinhos, perdão, dos Cravos.
O Senhor disse-me que esta Revolução não vertera uma gota de sangue e agora vim a saber que militantes negros que serviram o exército português, durante a guerra, que o Senhor chamou colonial, foram abandonados e depois fuzilados pelos comunistas a quem foram entregues as nossas terras.
Desculpe-me, Senhor Professor, mas o meu pai disse-me que o Senhor era cego de um olho, que só sabia ler a História de Portugal com o olho esquerdo. Se o Senhor tivesse os dois olhos não me ensinaria tantas asneiras, mas que o desculpava porque o Senhor era um jovem e
certamente só lera o que o Professor Fernando Rosas escrevera.
A minha carta já vai longa, mas eu usei de toda a honestidade e espero que o Senhor Professor consiga igualmente ser honesto para comigo, no próximo teste, quando o avaliar.
Com os meus respeitosos cumprimentos
O seu aluno
P.S.: Todos os anos, nesta data, se fala em comemorações em todo o país,
mas eu pergunto:
COMEMORAR O QUÊ????
Natal (Escrito em 2006)
Há 21 minutos
9 comentários:
Eu sou da idade desse pai e penso como ele.
Há duas coisas que me inspiram grande curiosidade:
1 - Alguns politicos de hoje, já andavam na roda politica no tempo de Marcelo (e até de Salazar), e ninguém se preocupa em saber se eles mudaram!
2 - Por que razão serão aqueles que viverm no "antes de Abril", e portanto conhecem as duas realidades, a ter estas opiniões?
Quem tem mais condições para se sentir "lesado" com o "antes de Abril", estes ou os mais jovens?
Logo, isto leva-me a uma outra pergunta: Quem tem razão - o pai ou o professor?
Zeca Portuga
Zeca portuga,
Claro que hoje vivemos melhor! Temos telemóvel, computador TV a cores...
Mas isto não é invenção dos portugueses!
Nesses tempos Portugal estava na cauda da Europa ocidental com mais dois companheiros - Irlanda e Grécia.
Hoje a Irlanda está na metade superior depois de ter tomado medidas que a apontam como um bom exemplo de desenvolvimento. A Grécia melhorou menos mas está muito à frente de Portugal que, em relação aos primeiros Países da UE, é o último, mas muito afastado do penúltimo. Não temos políticos que saibam o mínimo pra Governar. Só promessas e depois enchem os bolsos deles e dos familiares e amigos arranjando «tachos dourados» e «reformas milionárias»
Abraço
A. João Soares
Comemorar? O quê? A mama de alguns que em regime de reinado se substituem no achincalhamento ao povo português do qual os militares são oriundos.
Basta! Para lá disso existem os bloguistas falsos e cujos intentos são mascarar e tirar informações para os seus fiéis chefes!
"Que nunca por vencidos se conheçam"
eu gostava imenso de saber a verdadeira história em relação ao antes do 25 de abril. mas já vi que é dificil pois á muitas maneiras de ver a nossa história. Eu sei que é complicado ter uma noção da verdadeira História pk uns gostavam do antes mas há outros que gostam do depois. Eu sou um simples jovem de 17 anos, que por mim prefiro o depois pois temos liberdade de expressão mas em relação a corrupção abstenho-me de qualquer comentário porque não vivi o antes e não sei como era. com os melhores cumprimentos.
calaboca zeca portuga sua bixa
Ao Sr. A.João Soares, eu admiro a inteligência das pessoas que dizem (em tom de ironia)..."Hoje é melhor porque existe Televisao a cores e computadores"... evidentemente que antes de 25 do Abril nao havia tv a cores ou PC e até Telemóvei, como em nenhum pais do mundo, nao há comparacao com o presente. Antes do 25 de Abril, só tinha problemas com a policia do estado que se mete-se em politica ou dissesse mal do regime, quem leva-se a sua vida normal de certeza que nao tinha problemas mas pelo menos nessa época podiamos estar tranquilos com os nossos filhos porque sabiamos que nao acontecia nada de mal, eram livres como passaros, nos tempos de agora todo o cuidado é pouco, antes do 25 de Abril a criminalidade era quase nula, agora é o pao de cada dia, nem se pode sair á noite porque existe medo de assaltos, hoje nem dentro da sua viatura ou residência se está seguro, e agora sinceramente e diga-me, hoje em dia vive-se melhor ???, é essa a liberdade que temos ??? De que liberdade estamos a falar ??? Porque eu chamo liberdade, quando posso andar á minha vontade sem ter receios que algo me aconteca, entao se tenho esse receio tenho que ficar em casa com trancas á porta para me sentir seguro; isso é liberdade ???? Nao, nao é. Na verdade e para nao alongar muito o texto, MEUS AMIGOS, sentia-me mais seguro e com mais liberdade antes do 25 de Abril do que agora. Sem mais, desejo a todos um Feliz Natal.
Á memória de Salazar
Anónimo,
A blogosfera tem aspectos curiosos. Normalmente quem visita só lê o post mais recente e é neste que coloca comentário. Porém, por vezes, aparecem comentários em posts antigos, como é este caso que só não ficam esquecidos porque há um alerta automático de cada comentário que é colocado.
Aquilo que diz está correcto e ninguém o pode negar. Por vezes, ouço dizer que agora toda a gente estuda e nessa altura não. Nada mais errado. Conheço o caso de um António sobre o qual estão aqui dois posts que se lhe referem Sorte a mais dá azar! e como-lhe-nasceu-o-gosto-pela-leitura.htmlComo lhe nasceu o gosto pela leitura. Era um miúdo filho de gente sem grandes posses que, por insistência da professora primária, foi matriculado no liceu e tinha de andar 6 Km a pé na ida e outros tantos no regresso com todo o tempo que estivesse. A Mocidade Portuguesa dava-lhe os livros e, como era bom aluno, tinha isenção de propinas e chegou a ter uma bolsa de estudo depois do exame do 5º ano. Como ele, havia outro que vivia a uma distância um pouco menor, mas que não tinha tantos apoios porque não tinha boas notas.
É certo que não havia uma rede de escolas secundárias como agora mas ninguém era impedido de estudar. A nível de interesse nacional, havia as escolas comerciais e industriais que preparavam técnicos desde a idade em que há predisposição para aprender. Na idade do serviço militar, que era obrigatório, havia bons profissionais para todas as actividades dos quartéis. Hoje os militares contratados ao serem interrogados sobre profissões respondem que são estudantes, muitos deles não sabendo utilizar uma simples chave de parafusos.
Quanto a liberdade e segurança, era muito melhor do que hoje a não ser para aqueles que se comportavam com desrespeito em relação aos outros.
Pessoalmente tomei atitudes de que hoje me inibo com receio de repressões.
É pena que estes aspectos não sejam analisados com isenção, porque deles se poderiam tirar conclusões úteis para tornar melhor a vida de hoje.
João
Zeca Portuga
Estás na idade de deixares de ser ingénuo - os pais também mentem ou então só vêem a história com o olho direito, como o teu pai. Não te poderia estar a enviar este comentário, se não fosse o 25 de Abril.
Anónimo,
Há uma regra que deve ser seguida sempre, ou com frequência: não acreditar em nada que a nossa razão julgue pouco verosímil ou sem provas. O nosso raciocínio deve ser o filtro da informação que recebemos. Todo o ser humano tem imperfeições e está sujeito a erro e mesmo as pessoas que mais estimamos nos podem enganar involuntariamente. E em vez de estarmos sujeitos aos erros dos outros devemos limitar-nos aos nossos. Opinião por opinião, prefiro a minha, depois de a ter preparado com vontade de usar lucidez, sensatez e boa intenção-
Cumprimentos
João
Do Miradouro
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