Depois do post «O argumento de honra», publico agora dois textos acerca do General ex-PR, Ramalho Eanes – uma carta aberta recebida por e-mail do autor e um texto extraído do blog Ecos e comentários.
CARTA ABERTA AO GENERAL RAMALHO EANES
Pelo Cor Alberto Ribeiro Soares
O País teve, há uns dias, oportunidade de ouvir novamente falar de si.
E pelas melhores razões: porque terá recusado receber retroactivos de valor superior a um milhão de Euros, que lhe seriam devidos por passar a ser abrangido pela lei que permite, aos ex-Presidentes da República, acumularem a respectiva pensão com outras a que tenham direito.
Um gesto raro (embora não inédito) de desprendimento dos bens terrenos, por que tantos, de forma ostensiva, lutam muito para além do razoável.
Recordo que, já em tempos distantes (a seguir ao 25 de Novembro de 1975), o Senhor General recusou receber o diferencial do vencimento do seu posto efectivo (tenente-coronel) para aquele em que foi graduado (general de 4 estrelas) para as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército. Não tenho ideia do quantitativo mensal, mas passaram-me pelas mãos documentos que referiam a transferência dessas importâncias para instituições de solidariedade social, o que aconteceu, pelo menos, até à sua eleição para Presidente da República, em Junho de 1976.
É por isso que não concordo inteiramente com a sua atitude recente.
De facto, aceito – e aplaudo – que recuse o benefício pessoal desse mais de um milhão de Euros.
Mas entendo que não é legítimo deixar nas mãos rotas de uma administração pública tão esbanjadora de recursos (como é a nossa) uma importância que faria a felicidade de muitas instituições.
A começar pela Liga dos Combatentes, de que é Sócio de Mérito, que tem em carteira projectos de criação de vários Lares para ex-Combatentes idosos e desprotegidos.
Continuando pelas associações de militares (AOFA, Associação de Oficiais das Forças Armadas; ASMIR, Associação dos Militares na Reserva e Reforma; ANS, Associação Nacional de Sargentos; APA, Associação de Praças da Armada; e outras) que lutam, por todos os meios legais mas com manifesta escassez de meios, contra os desmandos do Estado que recusa pagar (desde há longos anos) o que a Assembleia da República, por unanimidade, entendeu ser de justiça atribuir aos Militares.
E muitas instituições de solidariedade social (entre as quais se incluem algumas de militares, como a Associação de Comandos) que, à semelhança do que aconteceu em 1975, muito agradeceriam a parte do óbulo que lhes coubesse, certamente melhor aplicado do que o poço sem fundo que será o seu destino fatal – se não for por si aceite e logo distribuído como melhor entender.
Se ainda for a tempo, Senhor General Ramalho Eanes, reconsidere: mantenha a recusa de usar esse dinheiro em proveito próprio, mas aceite recebê-lo e distribuí-lo para fins filantrópicos.
Espero poder voltar a felicitá-lo em breve.
Atenciosamente
Alberto Ribeiro Soares
Coronel do Exército
AS RECUSAS DE EANES
A maioria dos que me lêem, sabem da minha relação de proximidade com o General Ramalho Eanes que foi o primeiro Presidente da Republica eleito democraticamente depois do 25 de Abril. Conheço-o de antes disso, em virtude de ter sido, também, oficial do Exército, ensinado na mesma Escola de Ensino Superior Militar em que ele foi.
A primeira a vez que ouvi falar do seu nome foi numa circunstância que nada tem a ver, ou terá, com o seu envolvimento nos acontecimentos relacionados com o 25 de Abril de 74 ou, com a contenção político-militar do 25 de Novembro do ano seguinte. Havia, já no final da década de 60, uma relação difícil entre os mais jovens oficiais, como eu, e os capitães que davam instrução na Academia Militar (AM), que nos levou a assumir o risco de só cumprimentar (fazer continência) os capitães identificados com qualidades excepcionais, tanto no relacionamento humano como nas questões de natureza disciplinar. Um dia, quando me aproximada de um deles, que não conhecia, perguntei a um cadete, que estava por ali, quem era e como era o capitão que caminhava na minha direcção. Foi-me respondido que era o melhor instrutor da Academia. Alguns passos antes de me cruzar ele, iniciei o cumprimento da praxe a que ele respondeu com aprumo e cortesia. Fiquei a saber que era o Capitão Eanes.
Depois vieram outros episódios uns mais conhecidos da opinião pública, outros menos. De entre os que menos se conhecerão, estará a posição que tornou em 1973 redigindo e assinando, um onde contestava a submissão das, forças armadas à politica de então, por não representar nessa época, a vontade da expressão popular.
Esta semana foi noticiado pelos jornais que Eanes tinha recusado o recebimento de retroactivos da reforma a que teria direito e que só agora passa a receber, por ter sido corrigida uma anomalia criada por uma lei de 1984. E em mais de um milhão de euros!
No mundo em que vivemos e em que quase todas as coisas se fazem em função do dinheiro, num país onde há reformas públicas escandalosas e obscenas, a atitude de Eanes é um exemplo cívico e ético que deve constituir incentivo para que o governo continue a corrigir as deformações sociais com que o país ainda vive. Outra das recusas foi a promoção a marechal, posição a que ascenderam os anteriores generais que foram Presidentes da República, como Spínola e Costa Gomes. Por estas e outras razoes; Ramalho Eanes continua a ser a minha referencia ética e politica, para além do reconhecimento que tenho pelos que desempenham funções públicas e o fazem, principalmente, em nome do país e do povo que os elegeu. As recusas de Eanes exemplos virtuosos para todos. Especialmente para os que dizem servir, primeiro, o país. José Ribeiro Vieira. In Jornal de Leiria . 18 Setembro de 2008
Publicada por António Delgado em Terça-feira, Setembro 23, 2008, in Ecos e comentários
NOTA: Quanto à carta aberta, apenas gostava de sugerir que às instituições militares indicadas como candidatas ao óbulo, deveriam ser indicadas outras de âmbito civil, porque além de militar Eanes foi Presidente de Portugal, de todos os portugueses. E já alguém escreveu que uma dessas instituições deveria ser uma da sua terra natal de apoio a carenciados.
Boas-Festas
Há 1 hora
11 comentários:
João
O gesto de Eanes é de louvar. Meritório! Mas, sem dúvida, que deve ser colocada a questão: renunciar? Porquê? Será que o país merece ficar com esse dinheiro para o desbaratar, para encher os bolsos de outros?
Acho bem que esse dinheiro seja encaminhado para uma qualquer instituição.
Boa semana
Abraço
É mesmo essa a intenção do autor da carta aberta. O Estado (os que deviam defender os interesses colectivos) desbarata o dinheiro dos impostos. Repare na ostentação e nas despesas exageradas com inúmeros assessores que apenas servem para receber, e aumentam a burocracia estimulando o tráfico de influências. Não impedem os repetidos erros da governação.
Se o General Eanes ainda puder alterar a sua decisão será bom que o faça.
Recordo que na TV a directora do Jornal Capital (já falecida) disse que é um dever de todos os portugueses evitar pagar impostos, porque o Governo faz muito mau uso do dinheiro que pagamos.
Veja o que está a passar-se com as 3200 casas que a CML deu por «cunha».
Um abraço
João
Filomeno,
Mui buenas propuestas.
Espero que os poderes adiram à primeira e os portugueses e geral adiram à segunda.
De qualquer modo, ele já pertence à história, de onde ninguém o tira.
É um valor a servir de exemplo em todos os aspectos.
Cumprimentos
João
Caros amigos
Estou infinitamente grato ao general Eanes porque, num dos momentos mais trágicos da nossa História recente, liderou um movimento militar para pôr termo ao descalabro pseudo-revolucionário que grassava em Portugal. Mais ainda, livrou-nos duma guerra civil iminente e permitiu que se instalassem as condições para a efectivação da democracia.
Adiante.
Receber aquilo que é justamente devido não é crime. Ele tinha todo o direito a ser pago como general de 4 estrelas quando foi CEME. Tal como agora tem direito de receber os retroactivos a que se refere a carta que transcreve (que só não lhe foram atribuídos por uma lei de Mario Soares, feita à medida para Eanes...).
Não vislumbro onde é que estará a desonestidade e a baixeza de receber aquilo a que tem direito.
Por outro lado, tal como aconteceu no tempo de Salazar, parece-me que se está a recriar a ideia de que, quem não tiver apetência pelo dinheiro, passa automaticamente à condição de impoluto... E se tiver apetência pelo poder, continua sério?
Estou convencido de que Eanes não está a dar corpo a uma tentativa de se tornar o grande Messias salvador da Pátria. Mas precisa de ter cuidado. Porque a política é uma droga dura. Quem a provou dificilmente se livra dela.
Caro Vouga,
Toca num ponto muito importante. É conveniente estabelecer um edifício completo com o esquema de valores que se quer seguir e, depois, analisar cada gesto de forma a integrá-lo no esquema integrador a fim de não haver contradições ou cedências a tentações que podem ser apelidadas de fanfarronice. Mesmo neste caso não faltam aplausos, mas que, mesmo inconscientemente podem acabar por ser traiçoeiros.
Considero o general Eanes muito bem intencionado, mas ninguém está imune a pressões de «amigos». E nem sempre é fácil distinguir o trigo do joio.
Abraço
João
Recebi de Filomeno, por e-mail, estas duas propostas de homenagem, ao General Ramalho Eanes
http://www.flickr.com/photos/alanchan/505448580/
http://www.flickr.com/photos/thetaipanofhongkong/2593475734/
Caro João Soares,
resolvidos os problemas que me afectavam na net aqui estou. Há que ter coragem de enfrentar os mamões que nos cobram valores não reais. Tudo resolvido a bem...
Em relação ao general Eanes sou dos que também acha, claramente, que o que é devido deve ser recebido. A opção do general é positiva. Acredito que a vá receber, pois o Estado não dá nada a ninguém e o nosso general merece-o. Não esqueçamos que foi uma lei feita por Soares que o proibia de receber essa reforma. E foi ele como Presidente da República que a promulgou. Talvez aí a relutância em a receber. Mas se é legal, se tem direito a ela, não deve deixar ficar o dinheiro nas mãos do Estado. Depois poderá fazer com ele, ou parte dele o que entender. A Associação de Comandos ou uma instituição particular de solidariedade social, civil, receberiam parte desse dinheiro com agrado, pela necessidade e pelas dificuldades porque passa o movimento associativo.
Existem associações de deficientes que já se contentariam com a solidariedade institucional do nosso general. Só o nome dele a ela ligado, o seu apoio, ou ser patrono, seria um bem que traria a publicidade necessária ao arranque de muitas inciativas e apoios a bem dos cidadãos Diferentes.
Saudações a todos
Comentários estão feitos e Bem.
Apenas quero subscrever, na íntegra, a Carta Aberta do Cor. Alberto Ribeiro Soares a quem felicito pela ideia.
E subscrevo-a, pedindo ao Sr. General Ramalho Eanes que reconsidere a sua atitude, porque:
1º-O Estado e o Governo não lhe agradecerão a sua tomada de posição e terão mais um milhão de euros para desbaratar a esmo.
2º-Gratas e Reconhecidas ficariam essas Instituições que pudessem usufruir desse valor de que tanto carecem e que o governo lhes recusa.
Reconsidere meu General, é imperativo que o faça.
Fernando Rezende
Cor. Artª Reformado (DFA)
Caro Fernando Rezende,
O mais provável é o General Eanes não se demover da sua posição.
Mas quanto às sugestões do Alberto Ribeiro Soares, seria mais sensato falar vagamente em instituições carentes de apoios, que ficariam ao seu critério.
Um abraço
João
Vai sair um livro do general Pires Veloso -o eterno brigadeiro -Vice-Rei do Norte... sobre o 25 de Novembro e os tempos conturbados. Veremos quais as referências que este faz ao gen. Eanes!
O gen. Pires Veloso diz que tem os gigas a funcionar bem...
Aguardemos!
Saudações e um sorriso
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