sábado, 20 de setembro de 2008

Erário para salvar empresas em crise

Mesmo em Estados capitalistas, em que a economia fica a cargo das empresas, o dinheiro do contribuinte, vai salvar o grande capitalista, para evitar que a crise se torne demasiado dramática. Este tema é abordado de forma pouco vulgar pelo notário reformado já aqui conhecido João Mateus, numa carta ao DN, no dia 18. A seguir à carta, transcreve-se o texto nela referido.

Caro D.N.

Admito que esta carta possa ser rotulada de mania de escrever, mas é-me impossível deixar de vos dizer que vejo como da maior relevância a 1ª parte do vosso editorial de hoje [ver a seguir]. Era preciso dizer alto e bom som que o rei vai nu.

O pavor do politicamente incorrecto impede quem tem alguma posição no xadrez do pensamento de dizer que algo parecido com o princípio de Peter leva o 'capital', quando não controlado, a atingir o limite da asneira. Se é verdade que só a iniciativa privada é apta para gerar o desenvolvimento, e até Lenine o reconheceu ao aceitar as pequenas hortas privadas, a verdade é que o Estado tem um papel a desempenhar no controle da sua actuação.

E a dura realidade é que o Estado, mesmo de esquerda, com o pavor de ser acusado de politicamente incorrecto, se agachou perante um 'capital' dia a dia mais descontrolado. Não cumpriu a sua obrigação natural de mandatário do eleitor, de que só se lembra na altura das eleições, e o tal 'capital', atingido o ponto da ruptura, vem, como de costume, pedir socorro ao Estado, que, com o dinheiro do contribuinte, vai salvar o grande capitalista que, escondido atrás do pequeno accionista, tem sempre o 'seu' a salvo.

Fica só uma pergunta: Para quando a responsabilização dos governantes deste Mundo pelos seus erros como agora, cá, se entendeu por bem fazer para os Magistrados?

Cordialmente
João Mateus--Viseu

Texto referido na carta:

A difícil escolha entre o mercado e o Estado

Os comentários foram oscilando entre o aplauso e a crítica à medida que se sucederam as decisões das autoridades norte-americanas face a sucessivas crises no sector financeiro do país. Os defensores da liberdade de mercado a todo o preço aplaudiram a recusa do Tesouro dos EUA em evitar a falência do banco de investimentos Lehman Brothers; deixaram passar como estando na fronteira do aceitável o resgate das duas gigantescas instituições de crédito hipotecário Freddie Mac e Fannie Mae, por elas, desde a sua formação, beneficiarem do beneplácito estatal.

Mas agora, na ausência de uma consolidação negociada no mercado, guardam um embaraçado silêncio perante os 85 mil milhões de dólares de "dinheiro dos contribuintes" que Henry Paulson (o equivalente ao nosso ministro das Finanças) cedeu à seguradora AIG, evitando assim a declaração da insolvência desta.

O embaraço entende-se. Não há princípio algum da cartilha liberal-fundamentalista que admita um tal comportamento. Pela simples e pragmática razão de que os governos, para além do que possam clamar para eleitor ouvir, agem segundo as circunstâncias. No caso, a sete semanas das eleições nos EUA, era impensável pôr em risco 74 milhões de pensões.

O silêncio resulta do seguinte: se, em última instância, é sempre o Estado (com o tal dinheiro dos contribuintes) que salva as multinacionais da ruína, como pode então voltar a exigir-se sempre menos Estado e mais liberdade irrestrita para o mercado, quando o vento do crescimento económico sopra de feição?

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