O caso das casas da CML (referidas no post Gestão do património Municipal) cedidas por cunha assente em relações de família, amizade, conhecimento e compadrio político, constitui uma boa e uma má notícia.
A má notícia não é muito má, por ser previsível e, provavelmente, muito generalizada na área do poder. É que aqueles que foram eleitos para gerirem os interesses nacionais em benefício de todos os portugueses, principalmente os mais carenciados, acabam, muitas vezes, por se considerarem donos da quinta lusitana que exploram desregradamente em seu benefício próprio de dos seus compinchas. É oportuno recordar o significado de PECULATO (que é crime) dado pelo meu dicionário: «desvio ou má administração de dinheiros ou rendimentos públicos por pessoa encarregada de os guardar ou administrar». Mas, mais do que a má administração do património municipal é a injustiça social que foi atropelada na atribuição das casas.
A boa notícia é que este escândalo foi levantado por denúncia de um cidadão, o que demonstra que o povo está a perder o medo de reclamar e denunciar o que considera errado e lesivo do interesse colectivo. É preciso que este exemplo seja seguido por todos, que não devem ficar calados a sofrer sozinhos e limitados a sussurrar para os familiares e amigos.
Portugal precisa que o povo siga o conselho de Mário Soares, isto é, que use o direito de manifestar a sua indignação, e o conselho do actual Presidente da República de que devem recusar a resignação. É imperioso que todos e cada um, manifestemos a nossa discordância do que consideramos errado e, tanto quanto possível, apresentemos pistas para uma vida nacional melhor, em conformidade com os mais puros valores e princípios.
Sobre este tema, transcrevo dois textos: Artigo de opinião de Mário Crespo (recebido por e-mail), e notícia do DN sobre as ameaças ao denunciante.
Pactos de silêncio
Mário Crespo, jornalista
No Outono de 1989 conduzi na RTP os debates entre os candidatos a Lisboa. O grande confronto foi PS/PSD. Duas candidaturas notáveis. Jorge Sampaio, secretário-geral, elevou a política autárquica em Portugal a um nível de importância sem precedentes ao declarar-se candidato quando os socialistas viviam um dos seus cíclicos períodos de lutas intestinas. O PSD escolheu Marcelo Rebelo de Sousa.
No debate da RTP confrontei-os com a fotocópia de documentos dos arquivos do executivo camarário do CDS de Nuno Abecassis. Um era o acordo entre os promotores de um enorme complexo habitacional na zona da Quinta do Lambert e a Câmara. Estipulava que a Câmara receberia como contrapartida pela cedência dos terrenos um dos prédios com os apartamentos completamento equipados. Era um edifício muito grande, seguramente vinte ou trinta apartamentos, numa zona que aos preços do mercado era (e é) valiosíssima. Outro documento tinha o rol das pessoas a quem a Câmara tinha entregue os apartamentos. Havia advogados, arquitectos, engenheiros, médicos, muitos políticos e jornalistas. Aqui aparecia o nome de personagem proeminente na altura que era chefe de redacção na RTP.
A lista discriminava os montantes irrisórios que pagavam pelo arrendamento dos apartamentos topo de gama na Quinta do Lambert. Confrontados com esta prova de ilicitude, os candidatos às autárquicas de 1989 prometeram, todos, pôr fim ao abuso. O desaparecido semanário Tal e Qual foi o único órgão de comunicação que deu seguimento à notícia. Identificou moradores, fotografou o prédio e referiu outras situações de cedência questionável de património camarário a indivíduos que não configuravam nenhum perfil de carência especial. E durante vinte anos não houve consequência desta denúncia pública.
O facto de haver jornalistas entre os beneficiários destas dádivas do poder político explica muito do apagamento da notícia nos órgãos de comunicação social, muitos deles na altura colonizados por pessoas cuja primeira credencial era um cartão de filiação partidária. Assim, o bodo aos ricos continuou pelas câmaras de Jorge Sampaio e de João Soares e, pelo que sabemos agora, pelas câmaras de outras forças partidárias. Quem tem estas casas gratuitas (é isso que elas são) é gente poderosa. Há assessores dispersos por várias forças políticas e a vários níveis do Estado, capazes de com uma palavra no momento certo construir ou destruir carreiras. Há jornalistas que com palavras adequadas favoreceram ou omitiram situações de gravidade porque isso era (é) parte da renda cobrada nos apartamentos da Quinta do Lambert e noutros lados. O silêncio foi quebrado agora que os media se multiplicaram e não é possível esconder por mais vinte anos a infâmia das sinecuras. Os prejuízos directos de décadas de venalidade política atingem muitos milhões.
Não se pode aceitar que esta comunidade de pedintes influentes se continue a acoitar no argumento de que habita as fracções de património público "legalmente". Em essência nada distingue os extorsionistas profissionais dos bairros sociais das Quintas da Fonte dos oportunistas políticos que de suplicância em suplicância chegaram às Quintas do Lambert. São a mesma gente. Só moram em quintas diferentes. Por esse país fora.
Nota que acompanhava: O que eu não suporto é o tom moralista de alguns politiqueiros.
E a arrogância da impunidade que alguns "torquemadas" usam e abusam: apoiam a demagogia que tudo resolve afirmando que "os ricos pagam a crise"... pois os demais contribuintes pagar-lhes-ão as rendas!
Assim vamos melhor compreendendo algumas fidelidades...
Assim vamos percebendo alguns silêncios...
Assim vamos descobrindo o porquê de certas notícias, editoriais, comentários, censuras e apoios políticos.
É que, como não há almoços grátis, nunca deixará de chegar a conta do que não aparece nos recibos destas rendas...
Denunciante do 'Lisboagate' queixa-se de ameaças à filha
Francisco Almeida Leite
Casas. Comissão de Protecção de Dados não sabe quando responde ao pedido de António Costa
Queixa no DIAP foi entregue ontem e fala em novas ameaças, agora contra rapariga de 12 anos
Fernando Martins da Silva, o homem que desencadeou o processo "Lisboagate", apresentou ontem uma queixa-crime no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) por ameaças de morte dirigidas contra si e contra a sua filha, de apenas 12 anos de idade. O denunciante do processo 3712/07.4TDLSB já tinha aludido a alegadas ameaças de morte na exposição que entregou na Procuradoria-Geral da República, em Maio de 2007, mas agora resolveu explicá-las e isolá-las numa queixa diferente, que dará origem a outro inquérito e a outro processo diferente daquele que investiga os alegados favorecimentos na atribuição de fogos de habitação social da Câmara de Lisboa.
Ao DN, o advogado do queixoso, José Manuel Castro, explica que esta queixa-crime existe porque "houve ameaças constantes, várias", apesar de não ter havido tentativa de concretização das mesmas. Se antes as ameaças eram apenas dirigidas ao denunciante do processo, nos últimos tempos envolveram também a filha de Fernando Martins da Silva.
O processo de atribuição de casas pela CML teve mais desenvolvimentos nos últimos dias. Depois da conferência de imprensa da vereadora Ana Sara Brito (onde esta afirmou que não se demitia), António Costa disse que pediu um parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) sobre a legalidade e a oportunidade de divulgar uma lista com as casas da CML e os seus arrendatários. Ontem, fonte da CNPD garantiu à Lusa que não existe um prazo ou tempo-limite para a apreciação do pedido.
A decisão de Ana Sara Brito continuar em funções está também a dividir os vários partidos e mesmo dentro de cada um a opinião não é unânime. A vereadora teve casa da CML durante 20 anos, só tendo deixado o imóvel em Dezembro de 2007, seis meses depois de eleita com Costa e quando detinha a função de atribuir habitações sociais. Segundo o Público, Ana Sara Brito ganhava 3350 euros de reforma e pagava 146 euros de renda. Pedro Santana Lopes, Helena Lopes da Costa e Miguel Almeida, todos deputados do PSD e ex-dirigentes da CML, serão constituídos arguidos.
Lápis L-Azuli
Há 14 minutos
2 comentários:
Caro João Soares,
mais um tema e textos de categoria. Já se sabia das ameaças e ele avançou e denunciou. Para a frente é que é caminho. Ou se mete ou não se mete. É claro que esta gentinha não fica nada, mesmo nada satisfeita que a população abra os olhos e os denuncie. Jornalistas?!...As surpresas ainda não acabaram. Estou totalmente de acordo com as vozes experiência: de Cavaco Silva quando apela a que não baixemos os braços e não nos deixemos resignar. De Soares quando diz para nos indignarmos. Correcto: eu indigno-me e lembro que o filho dele está nomeado, mais o Santana, para os óscares referidos no texto.Veremos quem o recebe.
Abraço
A experiência diz que as «altas» entidades ficam sempre isentas de condenação. Mas isso não deve impedir as pessoas de denunciarem os crimes que conhecem. Mesmo que isso traga perigos, é preciso ter coragem.
O PGR lamentava há meses que o combate à corrupção é muito difícil porque as pessoas não denunciam aquilo de que têm conhecimento.
E já houve um caso que foi dividido em dois processos: o processo contra dois corruptos passivos resultou em severa punição destes por terem entregue um cheque ao corruptor passivo. Mas o processo deste foi arquivado e o arguido absolvido. O cheque evaporou-se entre as mãos de quem o deu e as de quem o ia receber!!!
Milagres que favorecem quem usa gravata!
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