Transcrição de texto recebido, por e-mail, do autor, João Mateus, que teima em viver (!), contrariando, assim, os interesses da Segurança Social a qual, segundo notícias recentes, parece estar a preparar discretamente uma eutanásia mitigada, para reduzir o número de pensionistas improdutivos.
"Velho exemplar do género humano, da espécie "homo portucalensis" e da subespécie "improdutivo", de cuja existência soube, há mais de uma dúzia de anos, ouvindo na televisão o então nosso Primeiro Ministro, venho de há muito a ser regularmente confrontado com bem orquestrada campanha que, em doce e sonolenta melopeia, nos repete até à saciedade que o sistema português de pensões é uma forma de redistribuição de riquezas em que as gerações mais novas pagam às mais velhas, o que implica que estejam as mesmas pensões dependentes do número de contribuintes que, como é sabido, tende a diminuir não só em termos reais mas, mais grave ainda, em termos estatísticos, na proporção com o número crescente de "velhadas", eufemisticamente chamados de idosos que, de momento, já são numerados até à 4ª idade.
Abstraindo da suspeita, muito pessoal, de que exista, na sombra, uma subliminar campanha fomentada pelo grande capital na procura de clientes para os seus produtos, até agora elevados aos píncaros das virtudes e cuja debilidade é, neste momento, mais que patente, fica o facto, muito concreto, de que se procura inculcar no meu espírito, como no dos meus companheiros de situação, nos "cotas" para ser mais claro, a ideia de que somos politicamente incorrectos por não nos decidirmos a morrer numa idade decente, como até há pouco acontecia, estando eu, por exemplo, há oito anos a ser sustentado por uma pensão paga pelo Estado com o dinheiro dos "produtivos", que espero não estejam, para já, em vias de extinção, e que são o outro prato da balança do binómio economicista no início referido.
Mas tudo tem um limite e, qual mandador de bailes de roda, não posso deixar de gritar "alto e pare a dança".
Mau grado os anos decorridos, eu e muitos outros nas mesmas circunstâncias não esquecemos ainda, por certo, o que se passava, e continua a passar, quando se inicia o trabalho remunerado.
Por mim falando, quando, ainda na década de 50, entrei nessa situação, o Estado, meu patrão ao longo de 44 anos, contados para efeitos de aposentação, fez-me ciente do teor de um "presumido pacto" que me impunha com a sua dupla força de entidade patronal e de Estado: mensalmente retinha uma parte do meu vencimento por ele fixada, e, em contrapartida, no momento em que eu me aposentasse, e nesse tempo as expectativas de lá chegar não eram as de hoje, passaria ele, com base no que me retivera, e que tinha a obrigação lógica de rentabilizar, a pagar-me a dita pensão, que não é nenhuma esmola nem favor das novas gerações, que espero se continuem a renovar a bem da subsistência da espécie. De resto, para além das minhas prestações, contava o Estado ainda com a parte que proporcionalmente me correspondesse nas de todos aqueles que, malfadadamente, não chegaram à idade de se poderem aposentar.
Isto, abstraindo das condições especialíssimas em que nasceu, sem liberdade de opção para a parte mais fraca, é o que se chama um contrato e já os romanos diziam que "pacta sunt servanda", ou seja, que os acordos devem ser cumpridos.
Utilizou o Estado o dinheiro que me reteve para pagar aos mais antigos? Se porventura o fez, lembra-me a história da Dª. Branca com a circunstância de a Caixa Geral de Aposentações já vir da década de 20... Ou esqueceu-se o Estado de entregar à Caixa as quotizações devidas como entidade patronal, limitando-se, no dia a dia, a pôr o dinheiro necessário para o sistema não entrar em insolvência? Creio que o Estado de que sou um grão de areia é uma pessoa de bem e, de resto, nenhum desses actos me diria respeito pessoalmente.
O que é um facto, e isso ninguém pode ignorar, é que para me ser reconhecido o direito a uma pensão eu tinha de ter sempre cumprido a minha parte no acordo. Está, por isso, o Estado obrigado a cumprir a sua e, honra lhe seja feita, ainda não deixou de o fazer. Não devo, em tal matéria, favor nenhum às novas gerações e, como eu, não o deve a multidão dos chamados de "pensionistas", termo em que, semanticamente, noto uma certa carga negativa. Por mim, prefiro reformado, aposentado, jubilado ou algo semelhante. De qualquer modo, na situação que Portugal e o Mundo atravessam, os "pensionistas" são até, frequentemente, o amparo das novas gerações em luta com o desemprego, o subemprego, os salários de miséria e sei lá que mais...
E, já agora, seja-me permitido que termine referindo a curiosa situação criada com a extinção, a prazo, da Caixa Geral de Aposentações, determinando que os novos trabalhadores do Estado sejam inscritos não nela mas na Segurança Social.
Dia a dia, com cada aposentação ou morte de activo diminui, sem apelo nem agravo, o número dos contribuintes, ao mesmo tempo que, pela dilatação da média da duração da vida, aumenta o número dos beneficiários. E o dia chegará em que só o Estado seja o pagador com o dinheiro que não será o das novas gerações mas sim o de todos os contribuintes, sem exclusão dos beneficiários, o que, em certa medida, já deve estar a acontecer.
Não me perguntem, porém, sob pena de isto ficar como os discursos do Fidel de Castro, se tal facto não irá, ou não estará já a inflacionar os resultados da Segurança Social, a beneficiar das contribuições dos novos funcionários públicos, que só lá para os anos 40 se começarão a aposentar. Também por pensar em Fidel, passo sobre o problema das alterações do "pactuado", já na vigência do "pacto", por decisão unilateral, e sobre o problema das pensões de sobrevivência que, nalguns casos, levam sumiço nas mesmas condições.
João Mateus
Os Democratas perderam mais uma eleição
Há 47 minutos
Sem comentários:
Enviar um comentário