Esta análise, muito interessante e pormenorizada, embora se possa discordar, em alguns pormenores, o que dará oportunidade a comentários de igual nível, foi-me envida por e-mail pelo meu amigo Dr. João Mateus, já aqui conhecido dos visitantes, por textos de bom nível literário e esclarecida opinião. Para o autor os parabéns pelo trabalho e os agradecimentos por tê-lo oferecido para publicação.
Independentemente do gosto ou desgosto que o facto para cada um de nós possa acarretar, e abstraindo mesmo das simpatias pessoais, legítimas, por esta ou aquela cor, a realidade nua e crua, no tempo em que vivemos, e como vem acontecendo, aliás, desde inícios do século XIX, é que a democracia parlamentar, aquele sistema a que Churchill terá chamado o pior dos regimes…tirando todos os outros, é o único antídoto que se nos oferece contra maleitas como as ditaduras vigentes no Zimbabwe, na Coreia do Norte, no Irão e noutros países sujeitos a governos autocráticos, confessionais ou não, regimes que, aqui ou ali, não deixarão de subsistir, quando mais não seja como situações de ausência de saúde, que são, e até que, algum dia, se atinja o fim da História.
E democracia, no estádio actual da civilização, subsidiário do espírito da Revolução Francesa, de 1789/99, para quem se não lembrar, é a democracia pluripartidária já que, perdida no fundo dos tempos a memória do Estado-Cidade, em que os chefes de família, os cidadãos, reunidos em assembleia, eram os detentores do poder supremo, os partidos políticos, também conhecidos como máquinas de assalto ao poder, se tornaram as únicas forças aptas a arregimentar as populações para a escolha dos seus governantes, numa visão idílica considerados mandatários do povo. E máquinas de assalto ao poder que serão principalmente quando, como vem sendo moda, abandonam as ideologias, caídas em desgraça, mas que eram a única garantia de um mínimo de princípios éticos, republicanos ou não pouco significará, desde que não desmereçam dos das monarquias nórdicas europeias. Porque, perdida a ideologia, se passam eles a definir pela pessoa do seu chefe, caudilho em construção, ou até por um simples ícone no género do burro e do elefante.
Nesta situação, que é aquela que atravessamos, e conhecidos os resultados dos sistemas bi-partidários, sejam mesmo duas só as forças políticas em confronto ou seja o efeito o mesmo pela irrelevância dos demais partidos, resultados esses bem patentes na história da nossa Monarquia Liberal e da nossa Primeira República, o factor mais importante para que se possa viver realmente em democracia, tendo como razão suprema do nosso agir a “res publica”, é a existência de um espectro político equilibrado em que todas as correntes de opinião não anti-sistema tenham realmente uma força política que as possa representar, em que se revejam e que seja facilmente identificável no xadrez político.
E, assim sendo, creio que, entre nós, neste momento, nenhum dos parceiros verdadeiramente em jogo estará a mais em cena. PS., PSD., PCP., CDS/PP., e BE., os que em nome próprio estarão realmente representados no Parlamento, são todos por igual relevantes, são todos por igual necessários, e outros mais o serão por certo, quando mais não seja se nos dermos conta de que, curiosamente, nenhum se confessa de direita….e a direita, democrática, é tão legítima quanta a esquerda….
E aqui reside um ponto da maior relevância. É a insustentabilidade da manutenção no tempo de um quadro em que os partidos, mais semelhantes a personagens de uma “Floresta de Enganos”, sejam tudo menos aquilo que pretendem parecer, em que se colem um rótulo mas tenham uma prática oposta, na ânsia infrene de pescar em todas as águas. Proclamar-se de esquerda, mas encostar-se ao centro, dizer-se social-democrata, mas estar à direita, moderada que seja, afirmar-se do centro, mas perfilar-se à direita pura, são manobras que, para além de despidas de ética, não garantem um sucesso mais que falacioso e conduzem a uma perda de credibilidade do actor e do próprio sistema, que lenta mas inexoravelmente a um desinteresse popular cada vez maior, a uma abstenção crescente e ao definhar de uma consciência política que obstaculize qualquer aventura anti-democrática.
Também, para além dos partidos, o homem não poderá ser esquecido e, ao falar do homem, falo do actor individual da cena política. A ética é essencial, mas um falso moralismo é fonte de todos os perigos. Queixa-se, quem está atento aos acontecimentos, da mistura, diria mesmo da promiscuidade, entre a política e os negócios, e até é verdade que existe. Mas por que nos negamos a ver que os nossos políticos nos lugares mais representativos e mais responsáveis são aflitivamente mal pagos? Será o Chefe do Estado, será um qualquer Ministro menos que um Director, não digo um Administrador, digo um Director de um Banco? E um Presidente de um Supremo Tribunal? E um Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por exemplo? Quem não se lembra de qual era o vencimento de um Director Geral no Ministério das Finanças requisitado a um Banco em que era um dos Directores e que, podendo optar, optou pelo vencimento de origem, muito superior ao do Chefe do Estado?
Terá isto justificação? Não tem, não tem e não tem….
Quem é escolhido para servir o Estado e aceita fazê-lo deve ser pago em função do serviço que se lhe pede e se lhe exige. Simplesmente, haverá que equacionar quantos Ministros, quantos Secretários de Estado, quantos Deputados ou quantos assessores são necessários para a dimensão do País e depois, haverá que lhes exigir dedicação exclusiva às suas funções e trabalho ao nível das suas remunerações.
Políticos em “part-time”, Deputados que se poderá dizer que o são em regime de avença, que deixam o Parlamento porque têm um julgamento, como advogados, àquela hora, ou que vão de fim de semana mais cedo sob o pretexto de contactos com os eleitores quando sabem que há votações cruciais, é algo de inconcebível.
Se, por exemplo, um Juiz o é em regime de dedicação exclusiva, se um simples Notário, no tempo em que era funcionário público, estava sujeito a esse mesmo regime, salva a excepção para lugares nos meios mais recônditos, será admissível que os Senhores Deputados sejam “biscateiros”? Já imaginaram um Juiz a deixar um julgamento mais prolongado para ir atender um cliente em actividade privada com hora marcada? Pague-se aos Deputados em condições, permita-se a opção por rendimentos profissionais superiores quando os seus méritos justifiquem a sua escolha para o lugar, mas dignifique-se a função e não se queira fazer do Parlamento um lugar de pousio para políticos de reserva, nem dos gabinetes ministeriais, ou até autárquicos, centros de estágio para recém licenciados que certamente ganhariam outro “calo” exercendo uma profissão que os pusesse em contacto com a realidade da vida, com o dia a dia de um povo que até poderiam ficar a conhecer melhor.
E quem sabe se assim não se estaria a conseguir diminuir o número dos que na política só procuram o direito ao título de “Ex-Ministro” para o cartão de visita.
João Mateus
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Há 8 horas
2 comentários:
A minha concordância na grande maioria dos pontos focados pelo articulista.
Na verdade, embora doa saber-se, não existe no horizonte alternativa séria aos regimes autocráticos e ditatoriais ainda bem patentes em África e na América do Sul e Latina.
Estes sistemas de "democracia parlamentar" têm-se vindo a revelar, cá dentro e lá fora, apenas trocas sazonais entre "os uns" e "os outros", mas todos iguais no fundo.
A pior das "democracias" é aquela que age despoticamente mas tem o selo, o carimbo legitimador do voto livremente expresso.
A partidocracia age como o antigo ditador mas reclama-se legítima. E é-o, por desgraça!
Os membros dos partidos políticos relamados de socialistas democráticos ou de democratas cristãos, ou de social democratas, são meros funcionários do Partido, não havendo hoje quase ninguém que os integre por amor a uma causa ou a uma ideologia.
É uma carreira como outra qualquer, só que com futuro bem risonho quando se agrada ao Chefe e se dobra bem a espinha. Escondem-se aos incómodos, fazem favores uns aos outros esperando amanhã receber destes a paga, numa roda gigante e despudorada.
E por aqui me fico, para que não saia outro artigo bem mais violento do que o que aqui tive o prazer de ler.
Um abraço, amigo A.João Soares.
Jorge P.G.
Caro Jorge P.G.,
O artigo nem é violento, diz verdades muito bem observadas numa linguagem urbana elegante e muito cuidada! Mas a verdade das realidades vigentes é de tal maneira explosiva que falar nelas já pode ser altamente perigoso!
O meu amigo refere a troca de favores dentro do clã, mas infelizmente também há trocas com os poderosos da Economia de que depois resultam os benefícios de ser «ex-ministro» como o autor refere.
E essas carreiras começam ainda jovem quando, em dificuldades com os estudos, resolvem, com a ajuda da família e de amigos políticos, ingressar nos Jotas e depois tudo vem como as contas de um rosário, assessores, deputados, secretários de Estado, ministros, tudo isso alternado com os chamados «tachos dourados» que, na essência, não diferem muito das habilidades do «apito dourado».
Vale a pena fazer uma visita ao artigo anterior para ver as vantagens de ser «ex-ministro» ou «ex-deputado» ou «ex secretário de Estado». Tudo se encadeia à volta dos mesmos. Entre estas realidades e uma monarquia absoluta ou uma ditadura, não é muito fácil encontrar diferenças. E mesmo que saiam quando o partido é substituído no Governo, recebem «indemnizações» milionárias.
Não esquecer o «subsídio de desemprego» do «dono» da ERSE apesar de se ter demitido voluntariamente.
Tudo boa gente!!!
Abraço
Joãoraços
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