Este texto veio ter às minhas mãos, por e-mail, e considero que merece ter divulgação mais formal do que a dos percursos de e-mail. Vê-se que é resposta a mensagem recebida pelo autor, mas que desconheço. No entanto o texto tem consistência e muito valor só por si, pelo que, com uma vénia ao autor, o coloco à disposição dos leitores.
Já andei por essas paragens e a situação, vista pessoalmente e de perto, é muito mais grave, impressionante e desesperante, do que através de qualquer imagem ou descrição. O povo palestiniano é dos povos mais sensíveis, simpáticos, acolhedores e calorosos que conheci. Vi, a partir do sul do Líbano, um velho ancião a olhar de longe, através de binóculos e com lágrimas nos olhos, para a sua velha aldeia, para a sua casa, casa que ele pessoalmente construiu e de onde foi expulso em 1948. Em muitas destas casas e aldeias viveram os seus ancestrais durante muitos séculos. Muitas destas casas e aldeias foram ocupadas e lá vivem hoje outras famílias, israelitas, enquanto eles vivem desde há dezenas de anos, humilhados e desonrados (e a honra é algo de fundamental para um árabe), miseravelmente, vergonhosamente, sem quaisquer condições ou esperança de vida, em barracas de lona, em bairros da lata na periferia de cidades denominados "campos de refugiados" (como Sabra ou Chatila), em países estrangeiros (os mais sortudos), ou comprimidos como gado num matadouro a aguardar o abate, nas "faixas" de Gaza ou da Cisjordânia. Infelizmente, nestas condições, é muito difícil escapar a um sentimento de revolta e travar acções de desespero. Bertold Brecht dizia que "é bem mais fácil apelidar de violento o rio que tudo destrói e arrasta na corrente à sua passagem, do que chamar violentas às margens que o oprimem". A histórica diáspora dos judeus, causada pelas invasões e ocupações dos romanos, transformou-se hoje na diáspora palestiniana, causada pelas invasões e ocupações sionistas. Mas isto é recorrente. Se formos à Bíblia e à história, já há 3000 anos assim foi. E porquê? Este é o aspecto da justificação arrepiante, de cariz ideológico, civilizacional ou cultural que poucas vezes é ressaltado. A justificação "ideológica" criada na altura pelos próprios para os horrendos crimes nazis, era a sua pretensa crença na superioridade da raça ariana e na inferioridade dos povos semitas. Pois é, se observarmos a teocracia judaica, também ela considera que os judeus são "o povo eleito por Deus". Mas os equívocos apenas começam aqui. É que os judeus começam por não ser um povo mas sim uma religião. Quem o diz é, por exemplo, um historiador actual israelita, Shlomo Sand (que por tal motivo é muito contestado pelo pensamento oficial de Israel), cuja tese é a de que "o povo judeu" (entendido como um agregado social, originado ou unido por laços étnicos, sanguíneos, familiares), não existe, nem nunca existiu como tal ao longo da história e que o único "cimento" desde agregado heterogéneo, é e sempre tem sido, unicamente, a religião. Shlomo Sand tem mesmo uma definição muito interessante de "Nação": "Um grupo de pessoas, unidas por um erro comum quanto à sua origem e uma hostilidade colectiva, em relação aos seus vizinhos". Ora a Palestina, para o pensamento oficial do Estado de Israel, é a "Terra Prometida" por Deus a este povo "eleito".
Aprendemos desde o liceu quais são os motivos, a base, os fundamentos para que, em termos de Direito Constitucional, seja atribuída a alguém, "uma nacionalidade", isto é, um conjunto de direitos (e deveres) decorrentes do facto de se ser considerado como "cidadão nacional" de um determinado país, nomeadamente, a protecção e a segurança dadas pelo Estado, contra agressores, como por exemplo o Hamas que lhes lança mísseis (?!) Kassam, acções essas que justificam, portanto, o sagrado direito a um ataque defensivo (olho por olho, dente por dente), como o actual. Ora, entre esses "fundamentos", é habitual invocarem-se o "jus solis" ("direito ao solo" por se ter nascido, ou residir-se desde há algum tempo, no país) e/ou o "jus sanguinis" (direito de sangue, por ser-se filho ou familiar até determinado grau, de um cidadão nacional do país em causa). Há depois montanhas de tratados de direito que, ao longo dos tempos, se têm debruçado e estudado estas matérias dos direitos de nacionalidade. Mas com os judeus é diferente. É que, na base da sua reivindicação aos territórios da Palestina, está o "jus divinis" (o direito à Palestina foi-lhes outorgado, directamente, por Deus). Ora aí acabou-se. Contra tal argumento não há argumentos jurídicos, racionais, ou outros, que possam ser invocados. Ora é exactamente com base nesta pretensa "superioridade" do povo judeu, pelo facto de terem sido por ele distinguidos como "o povo escolhido", o "povo eleito", que tudo é justificado.
Estamos no século XXI. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão tem a sua origem formal nas revoluções liberais francesa e americana de há mais de 2 séculos! Foi com base nelas, e no conceito fundamental de que todos os homens nascem iguais em direitos que se fundamentou a democracia. Qual é, nos nossos dias, a justificação para que a ONU e a Comunidade Internacional, considerem como democracia um povo que se auto-define e auto-proclama como genética e racialmente "superior" a todos os demais povos existentes no planeta (tal como os nazis)? Só porque lá há eleições? Qual a diferença disto para a barbárie nazi? Hitler também foi eleito por larga maioria.
Mas não nos iludamos. Esta argumentação é factualmente verdadeira e de uma realidade horrorosa, mas ela é apenas uma "capa" para nos ir entretendo e distraindo a todos, levando-nos a investir durante séculos contra alvos fictícios. O verdadeiro fundamento para tudo isto é muito mais prosaico e "terreno" e chama-se "petróleo", ou, de uma forma mais abrangente, a luta permanente pela manutenção/perpetuação de um determinado sistema de dominação económica, social e política, a nível mundial, chamado "capitalismo". Se lermos "Os Sete Pilares da Sabedoria" de T H Lawrence (o célebre Lawrence da Arábia, bem retratado no filme de David Lean) entenderemos bem as razões do tratado de Sykes-Picot de 1916, entre a Inglaterra, a França, apoiadas pela Rússia Imperial, do qual resultou a partilha da Turquish-Oil, que dominava a exploração petrolífera nascente em todo o Médio-Oriente e a partilha geopolítica de todo o Médio Oriente por Britânicos e Franceses. Nos termos do acordo, franceses e ingleses ficaram livres para, nas suas áreas de controle directo e de influência (todo o Médio Oriente), desenharem, traçarem, cortarem e recortarem, mapas e fronteiras a seu bel-prazer, criando com isso os pseudo-países e emiratos que por lá existem até hoje. Foi esta acção que transformou todo o Médio Oriente na zona de conflitos permanentes que até hoje domina a cena internacional. Isto foi levado a cabo com uma finalidade directa e uma indirecta, resultante da primeira. A primeira foi o impedir da reconstrução da unidade árabe, da criação de uma nação árabe, que tinha sido destruída pelos turcos. A segunda, a essencial, foi a de, através desta conflitualidade permanente, criar as condições para que as potências ocidentais pudessem vir a fruir vantajosamente do petróleo do Médio Oriente (petróleo que começava a ser visto - e bem - como a base fundamental de todo o desenvolvimento - e domínio - tecnológico e industrial do futuro). Tal como dizia Cecil Rhodes, para reinar é preciso dividir e foi isso que foi feito. O genial "granel" que ingleses e franceses criaram com o tal tratado de Sykes-Picot, dura até hoje e justifica a permanente intervenção e ocupação militar na região. Iraque hoje, Líbano ontem, Irão amanhã, é tudo isso a funcionar sobre esferas, tal como estava desde o início programado. Israel é a cereja em cima do chantily. O tratado de Sykes-Picot é o resultado (e a causa) da 1ª Guerra Mundial, tal como Israel é o resultado da 2ª. Quanto às causas desta última, convém sempre recordar que uma das várias coisas que Hitler queria era petróleo e lembremo-nos de Stalingrad e do Romel à procura dele pelo Saara fora. Israel é assim outra genial criação. É algo que é para ser sempre usado quando necessário. É pena que o Loureiro dos Santos não conte estas coisas na televisão. Noutros países, como em França, as suas elites não são tão desprovidas de coluna vertebral como no nosso país e podemos ler, ouvir, ou ver, na sua comunicação social, artigos de opinião com uma abertura muito maior que por cá.
Ora, para o sistema que domina económica, politica e militarmente o mundo, Israel é agora mais necessário que nunca.
Senão vejamos a situação actual do mundo.
A eleição de Obama é uma verdadeira caixa de Pandora que ninguém sabe no que vai dar. Obama comprometeu-se com muita coisa que lhe vai ser impossível cumprir, mas, nessas promessas, há uma muito marcante e para a qual toda a gente vai olhar: a de retirada do Iraque. Ora é fundamental, para esta zona vital do Globo, "marcar-lhe a agenda", criando desde já factos consumados. Ora aí está: o Hamas quebra a trégua e Israel invade de novo a faixa de Gaza. Lembremos a afirmação do Ariel Sharon na peça que mandaste. Eu e muito mais gente já tínhamos alertado que isto iria acontecer. Nunca sou nem nunca fui grande adepto de nenhum Messias e Obama não o é certamente. O fenómeno Obama é apenas o "lugar comum" a que chegaram as contradições externas e internas do imperialismo americano. Mas, dito isto, ele é, na realidade, uma verdadeira "Caixa de Pandora", dentro da qual foram guardadas todas aquelas contradições, que atingem hoje níveis perfeitamente explosivos (vide a crise financeira e outras). A questão com a caixa de Pandora é que, uma vez aberta, é impossível tapá-la de novo e meter lá dentro tudo o que de lá saiu. O enorme "capital de esperança" criado com a sua eleição, é, em minha opinião, totalmente injustificado, mas é absolutamente perigoso, mesmo "explosivo". Desta forma, a abertura da tal caixinha vai ter que ser muito bem "gerida". Isto é uma situação de certa forma "nova" e potencialmente "perigosa" para os seculares interesses instalados.
Ora aí está o papel fundamental de Israel (o Paquistão, a Tailândia e Taiwan, também podem ter algumas tarefas interessantes distribuídas).
O essencial é "marcar a agenda" ao Obama.
Mas ainda há muito mais coisas para lá pôr.
Tenhamos esperança pois, até à data da investidura, ainda falta algum tempo e provavelmente ainda vamos ver muita coisa (mas, se tal não for possível, depois da investidura também há muito tempo...)
Quanto ao papel do Hamas ele é sempre o que dele se espera. Mas quem criou o Hamas? Quem criou o Hezebollah? Nós, portugas, sabemos bem como isso se faz (quem criou a UNITA?). Claro que, depois, todos estes movimentos ganham uma vida e um espaço próprios e por vezes até explodem na mão dos criadores, ou se calhar até não. Quem criou, alimentou, armou, etc., os Bin Laden, os Noriegas, etc., deste mundo? Embora eu não seja partidário das teses "conspirativistas", em última análise a quem aproveitou o 11 de Setembro? O Moita Flores diz que a primeira coisa a procurar descobrir numa investigação criminal é: "a quem" interessa o crime?...
António Rosado da Luz
A tragédia valenciana
Há 33 minutos
2 comentários:
Caro João Soares
Não tenho pelos israelitas grande simpatia. Repugna-me a presunção de que o poder político seja dado por deuses a alguém e, ainda mais, que haja povos eleitos. Mas não tenho grande dó dos palestinianos. Até à data nada fizeram de concreto em proveito da paz. Sempre que as coisas parecem encarreiradas, há sempre um atentado que faz voltar tudo ao ponto de partida. Dizer que "O povo palestiniano é dos povos mais sensíveis, simpáticos, acolhedores e calorosos que conheci" é pura demagogia. Tal afirmação, por muito poética que seja, pode aplicar-se aos Bosquímanos, Navajos, Guaranis, Suecos, Cingaleses e por aí fora. Porque em todo o lado há gente assim.
Penso que, acima de tudo, neste artigo estamos, mais uma vez, perante uma "verdade oficial" (uma espécie de politicamente correcto), veiculada pela ditadura dos fazedores de opinião da nossa praça.
É certo que os palestinianos não foram ouvidos aquando da formação do Estado de Israel. Mas também é certo que, na altura, não tinham interlocutores válidos, por nem sequer terem um arremedo Estado minimamente credível. Facto que ainda hoje se mantém, uma vez que não há nenhum líder palestiniano que represente ou controle toda a comunidade.
Por outro lado, parece estar provado que nem sempre o uso da força seja o melhor método para se conseguir um objectivo. Ghandi e Mandela provaram-no. Mas esta gente só conhece a linguagem do terror. Eles conhecem, da pior maneira, a força militar de Israel. Ao provocá-la, sabem muito bem o que os espera.
Podem ter muita razão, mas perdem-na, no mínimo, por falta de sensatez.
Caro Vouga,
Agora já é noticiado que a população da Cisjordânia quer a paz e deseja que o Hamas seja esmagado. Compreende-se esse sentimento. Há quem diga que vale mais uma má paz do que uma boa guerra. Seria bom que obtivessem uma boa paz, uma vida em boa ou regular harmonia entre vizinhos. Mas a experiência das últimas décadas mostra que não será fácil chegarem a boas relações de vizinhança.
É natural que as populações desejem a Paz. É possível que os dirigentes digam que a querem. Mas as decisões destes com o apoio de muitos populares são contrários a esse desejo. A verdadeira Paz não se obtém com atitudes hostis, com guerras, mas sim com um clima de confiança, de convivência harmoniosa e, para isso, terá que haver compreensão, aceitação e cedências de ambas as partes. Mas os diplomatas estrangeiros que os poderiam ajudar a encontrar soluções pacíficas, estão viciados em raciocínios de jogos de poder, de ambições de todas as espécies, e essa não pode ser a base de uma boa ajuda.
A seguirem o caminho da beligerância, continuarão a matar-se até restar apenas um homem que morrerá de solidão no dia seguinte.
Um abraço de muita amizade neste dia especial.
João
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