Apesar das atitudes de vitimização, das alusões a «campanhas negras», das alegadas «tentativas de assassinato» e do muito malhar a torto e a direito, vão aparecendo pensadores dos vários sectores da sociedade a ajudar a ver claro no meio de tanta poeira, promessas não cumpriveis e agressivas acções de marketing. Em democracia, o povo deve estar esclarecido para poder exercer em consciência o seu direito de voto.
Medina Carreira (1) disse há dias em entrevista na TV:
"O João Cravinho tentou resolver o problema da corrupção em Portugal. Tentou. Foi "exilado" para Londres. O Carrilho também falava um bocado, foi para Paris. O Alegre, depois, não sei para onde ele irá... Em Portugal, quem fala contra a corrupção ou é mandado para um "exílio dourado", ou então é entupido e cercado."
«…encomenda aí uma ponte que é orçamentada para 100 e depois custa 400? Não há uma obra que não custe 3 ou 4 vezes mais? Não acha que isto é um saque dos dinheiros públicos? E não vejo intervenção da polícia... Há-de acreditar que há muita gente que fica com a grande parte da diferença!"
«Quem tem interesse que se façam estas obras (megalómanas) é o Governo Português, são os partidos do poder, são os bancos, são os construtores, são os vendedores de maquinaria... Esses é que têm interesse, não é o Português!"
"É preciso que alguém diga aos portugueses o caminho que este país está a levar. Um país que empobrece, que se torna cada vez mais desigual, em que as desigualdades não têm fundamento, a maior parte delas são desigualdades ilegítimas para não dizer mais, numa sociedade onde uns empobrecem sem justificação e outros se tornam multi-milionários sem justificação, é um caldo de cultura que pode acabar muito mal. Eu receio mesmo que acabe."
Além da referência ao engenheiro João Cravinho (2), podia parecer que o prof Medina Carreira estava a exagerar, mas aparece agora a notícia da entrevista de Maria José Morgado (3), directora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, ao semanário Sol, que permite aprofundar a reflexão, pois acha que deveria haver uma lei contra o enriquecimento ilícito, como Cravinho já preconizara. Notando haver políticos «que eram pobres quando iniciaram funções e, ao fim de uns anos, estão milionários», condena a «riqueza má», feita à conta do erário público. E disse também prever que a maioria dos 66 inquéritos sobre ilegalidades na Câmara Municipal de Lisboa (CML) seja arquivada, pois a lei não prevê os crimes urbanísticos, nem o enriquecimento ilícito.
Isso vem dar enquadramento às notícias da fortuna acumulada pelos ex-governantes hoje indiciados nos crimes económicos do BPN (4) (5) que tiveram um difícil início de vida. Mas não há só eles. Também Armando Vara (6), de acordo com o Relatório do Bom Governo da CGD referente a 2007, recebeu uma remuneração-base de 244 441 euros/ano (mais de 45 salários mínimos nacionais por mês). Um montante que fica muito aquém daquele que lhe foi pago pelo BCP em 2008: mais de 480 mil euros (quase 90 salários mínimos por mês). A propósito, há dias, veio em noticia que no BCP (7) o presidente do Conselho Geral e de Supervisão daquele banco cobra 90 000 Euros (200 salários mínimos!) por cada reunião a que se digna estar presente.
Razão tem Medina Carreira quando diz que os políticos não se dedicam ao bem público, a uma função que exige patriotismo e sacrifício, mas sim a troco dos máximos benefícios pessoais à custa do erário público.
Infelizmente, os políticos actuais, salvo eventuais excepções, esqueceram que Política é a ciência e arte de bem gerir os interesses dos Estados para benefício dos cidadãos. Preferem ver a política - com p minúsculo - como a «habilidade» de se governarem a si e aos boys dos partidos e caçar o máximo de votos, mesmo que os métodos utilizados prejudiquem seriamente os cidadãos. São desejáveis opiniões de mais pensadores sobre o diagnóstico da crise e, principalmente, sobre a terapia para moralizar o sistema. Será conveniente a criação de um CÓDIGO DE BEM GOVERNAR, elaborado e aceite por todos os partidos, por iniciativa de Belém.
As vantagens que pretendem obter à custa das funções políticas explicam a 'foçanguice' na obtenção de votos com promessas que não podem cumprir, com mentiras, com poeira e fumaça para os eleitores incautos não verem claramente a realidade.
Também Mário Soares (8) (9), Manuel Alegre (10) (11) (12), Henrique Neto, Vítor Ramalho e outros elementos do PS, com raciocínio livre e sem peias, não deixam de criticar algo que está longe de correr na perfeição.
Outro sinal de que os políticos aspiram pelos lugares de poder com vista a aquisição de riqueza e não ao sacrifício numa função de serviço público patriótico, chega de Mondim de Basto (13), com a notícia de que uma ex-candidata ao município em 2001, como não conseguiu essa forma de enriquecer, passou a dedicar-se ao tráfico de droga, tendo agora sido detida na Colômbia na posse de cocaína.
Mas nem só os governantes ou autarcas, salvo eventuais excepções, colhem tais benesses. Também há outros cargos do Estado que agravam a injustiça social com reformas douradas, como é o caso de Víctor Melícias (14) que recebe 7450 euros (mais de 16 salários mínimos).
Esta tradução dos grandes salários e pensões de reforma em salários mínimos devia ser obrigatória para que os contribuintes soubessem o destino que é dado ao dinheiro dos seus impostos.
Alguns textos consultados:
(1) Medina Carreira faz reflectir
(2) Corrupção cresce
(3) ‘Há políticos pobres que ao fim de uns anos estão milionários’
(4) O caso do BPN e os casos da supervisão bancária
(5) PCP faz queixa-crime contra gestores do BPN
(6) Vara duplicou salário no BCP
(7) Os novos pobres
(8) Mário Soares critica mediocridade dos líderes europeus face à crise
(9) Mário Soares critica Sócrates pela polémica criada acerca da manifestação em Lisboa
(10) Manuel Alegre defende aumento de salários
(11) Manuel Alegre propõe medidas políticas concretas para combater a crise
(12) PS: Federação distrital do Porto quer Manuel Alegre nas listas do partido nas legislativas
(13) Ex-candidata à Câmara de Mondim de Basto detida na Colômbia com cocaína
(14) Padre Melícias com pensão de 7450 euros
domingo, 22 de março de 2009
Enriquecimento «ilegítimo»?
Posted by A. João Soares at 17:52
Labels: enriquecimento ilegítimo, injustiça social, lei desadequada, reformas milionárias
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4 comentários:
João
Realmente há fortunas em Portugal que aparecem como por magia. Como? Vá lá saber-se, ou melhor não se quer saber, senão sabia-se.
Investigar os corruptos? Nada disso, pois estão todos do mesmo lado e não convem.
Boa semana
Abraço
Amaral,
Parece que é realmente como diz: estão todos do mesmo lado. São eles que preparam a lei e sabem como a fazer para manter a imunidade, a impunidade. Repare que Maria José Morgado diz que a lei não prevê os crimes urbanísticos, nem o enriquecimento ilícito. E ela sabe bem o que diz. E quem duvida quem é culpado da ausência de lei adequada?
Qual a razão de as propostas de João Cravinho não terem ido até à criação de legislação?
Será bom que os portugueses meditem sobre estes problemas, que são mais importantes do que o PÃO SALGADO!!!
Transcrevo um post do blog NRP Cacine:
Agora é o governo que pesa o sal do pão que comemos, i.e., a partir de hoje, porque a esposa de um deputado lhe disse para comer pão sem sal, porque engorda e faz mal, o deputado, e porque também tem pouco que fazer e aproveitou para dar nas vistas, resolve fazer lei do ralhete da mulher.
E como nós agora vivemos sem crise, sem problemas, com emprego, com riqueza, sem fome e com 230 indivíduos que temos de sustentar todos os dias em S. Bento, eles entretêm-se com estas fantasias.
Parece brincadeira infantil, mas não é.
Mais ridículo, querem?
Está bem observado sobre as prioridades dos assuntos a tratar pelo Poder Legislativo.
Um abraço
João Soares
Um abraço
Um bom post que deu muito trabalho na compilação dos links.
Para pôr cobro aos enriquecimentos ilegítimos, há que haver uma legislação no sentido que diz a directora do DIAP. Para pôr cobro à parte desses enriquecimentos dos marmanjos que ganham demasiado, há que controlar as empresas. Por exemplo, pôs os bancos a pagar impostos como nos outros países; não permitir aumentos dos serviços ou fornecimentos de empresas com lucros enormes e ordenados escandalosos dos seus administradores; etc. Só que esses lugares são geralmente ocupados por políticos corruptos que fazem parte da máfia cuja existência tem o enriquecimento ilegítimo como alvo.
Estes acontecimentos demonstram-nos claramente que não estamos em nenhuma democracia. Não se compreende como a maioria da população continue a acreditar que sim sem que seja profundamente estulta. Em Portugal nenhum dos requisitos básicos da democracia existe, nem mesmo a justiça.
Caro Leão Pelado,
Realmente, ocupei muitas horas a preparar este post que está objectivo sem aspectos fantasiosos da minha lavra e demonstra que os portugueses dispõem na Comunicação Social de dados suficientes para tirarem conclusões do estado em que o rectângulo se encontra. Não é preciso recorrer às tais «campanhas negra» nem a «tentativas de assassinato» nem a baixos truques, para ver que isto não está nada bem. E a forma dos que se sentem mal avaliados se defenderem não pode passar pela vitimização nem pelo «malhanço». É chegado o momento da verdade, do esclarecimento, com factos concretos, com obra feita, e deixar de recorrer a gestos autoritários e arrogantes de ditador, deixar de fazer promessas que não podem ser concretizadas, deixar de mentir, de ocultar, de lançar poeira para os olhos dos eleitores.
Os eleitores precisam de lealdade, de verdade e acabarão por abrir os olhos para as realidades e decidir de forma justa.
As notícias que chegam do estrangeiro já mostram casos positivos de aproveitamento da crise para fazer correcções de rota para um futuro mais justo de respeito por todos os cidadãos.
Convém que não passe de anedota aquela que diz que a diferença entre um político e um ladrão é que aquele é conhecido. Ou aquela em que o pai, quando o filho adolescente lhe diz que vai dedicar-se à criminalidade organizada, pergunta-lhe: privada ou do Estado?
Desejo saúde e continuação da coragem à Directora do DIAP para contribuir para a recuperação do Portugal sério.
Um abraço
João Soares
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