Entrevista transcrita do JN de hoje que vem confirmar o conceito várias vezes aqui referido de que a solução militar para o «terrorismo» raramente é a mais adequada em eficiência, justiça e rapidez.Clara Rojas defende que a via militar é insuficiente para acabar com o conflito na Colômbia. Acusa os guerrilheiros de práticas reprováveis, mas reconhece que fizeram tudo para salvar o seu filho nascido na selva.
"É preciso procurar o diálogo com as FARC"
Por Clara Vasconcelos
Clara Rojas fala pausadamente e numa voz sumida. Tem 45 anos e é muito magra. Pouco mais de um ano após ter sido libertada do cativeiro em que a mantiveram as FARC durante seis anos, afirma que está, sobretudo, empenhada em recuperar a sua vida, junto do filho Emanuel, nascido na selva, em condições quase inimagináveis.
Depois dos seis anos de cativeiro, a sua posição sobre as FARC mudou?
Penso que as FARC são um grupo à margem da lei, que está autista. Estão imersos na selva, sem conexão com o mundo exterior e pensando que podem sobreviver sem ser parte deste mundo global. A mim surpreende-me, porque se pretendem reivindicar algo, fecharem-se não é a melhor solução, pelo contrário. E parece-me que com este tipo de práticas, como o sequestro, não vão chegar a lado nenhum. Quando digo que estão fechados, pretendo dizer que não estão à procura de alternativas nem de uma resposta séria para resolver os problemas.
Mas era já isso o que pensavas das FARC e que não mudou após o cativeiro?
Eu sabia das FARC através do que li na comunicação social e em alguns livros sobre a sua história sobre os seus líderes, sobre os processos falhados de paz, mas, digamos, que era uma atitude mais intelectual. Nunca me sentei comum comandante para saber o que pensava. E já sequestrada verifiquei que não era só uma posição intelectual. Se estão na luta armada, algum ideal devem ter, não é? Mas vi-os sem ideias e sem saída.
Considera que são terroristas?
Creio que são um grupo armado, à margem da lei e que cometem práticas que são reprováveis, como a prática do sequestro.
Foi por isso que não apoiou a proposta de Hugo Chavez de os retirar da lista de organizações terroristas internacionais?
O que eles fazem é reprovável, é reprovável que sequestrem, é reprovável que não saibamos claramente qual é a origem dos seus recursos financeiros, que não tenham nenhuma proposta...são factos e há que dizê-lo.
No entanto, defendeu que o presidente colombiano deve ser "mais flexível" com as FARC. O que significa isso?
Parece-me que a única alternativa para alcançar uma solução para o conflito é o diálogo. Até porque há outras pessoas sequestrados e,portando, há que buscar outros canais. Se a resposta militar não é suficiente, há que procurar outros canais e definitivamente acabar esse conflito que já dura há tantos anos.
Depois da leitura do seu livro, fica-se com a sensação de que os guerrilheiros a trataram melhor do que os seus companheiros de sequestro. Foi assim?
Não chegaria a esse ponto. A mim o que mais me afectou, talvez porque não esperava, foram algumas atitudes, mas também entendo que vivíamos com uma presença militar muito forte, a presença guerrilheira também era muito forte, muitos tinham problemas de saúde ...digamos que o esforço que faço é reconhecer que entre os guerrilheiros houve um momento, quando tiveram oportunidade e que foi quando eu tive o meu filho, em que me ajudaram. Deram-me a mão. Com os escassos meios que tinham. Se assim não fosse, talvez hoje não estivesse vivo. E isso eu devo reconhecê-lo. Mas também sei que se quisessem libertar-me , podiam-no ter feito. E não o fizeram.
Já voltou à sua profissão de advogada?
Não. Não tenho tido tempo. Desde que fui libertada, que me preocupa, sobretudo, a questão da saúde, minha, da minha mãe e do meu filho. E também andei ocupada com a parte logística: onde vamos viver e de que vamos viver. Precisei também de tempo para escrever o livro e agora tenho-me dedicado a cumprir os compromissos com as editoras e com acções humanitárias, para ajudar a libertar as pessoas que ainda estão sequestradas.
Pensa voltar à política?
Talvez, mas neste momento, não penso nisso. Pelo menos no futuro imediato não.
E se voltar, volta ao partido verde Oxigénio?
Não pensei nisso.
No livro, não consegue explicar o que motivou o seu afastamento de Ingrid Bettancourt...
Não.
Como interpreta o silêncio dela em relação a este seu livro?
Não tenho nenhum comentário. Nem tenho nenhuma expectativa. A recepção ao livro, na generalidade, tem sido positiva. Mas sobre o que ela possa pensar, não tenho nenhuma informação e também não estou à espera dela.
Posts que abordam resolução pacífica dos conflitos:
- Conflitos evitáveis
- Negociação em vez de guerra
- Reflexões sobre a guerra
- Para evitar conflitos armados
- Nobel da Paz. Negociação e Mediação
- Conversações em vez de Confronto
- Relações internacionais mais pacíficas?
- Humanidade sem terrorismo
- Terroristas, dissidentes ou apenas oposição?
- Negociar, coligar em vez de utilizar as armas
- A Paz pelas conversações
- Guerra a pior forma de resolver conflitos
- Paz pela negociação
- A Paz como valor supremo
DELITO há dez anos
Há 2 horas
4 comentários:
Caro João Soares
A vida por vezes leva-nos a situações completamente inimagináveis. Acontece que tenho na Colômbia um grande amigo, coronel de cavalaria (hoje reformado e doutorado), que foi meu camarada de curso em Fort Knox e, oito anos depois, em Fort Leavenworth. Por coincidência, o sogro foi embaixador em Portugal.
O coronel Plazas, assim se chama esse meu amigo, foi quem resolveu de forma brilhante a ocupação pelas FARC do palácio da justiça de Bogotá. Como militar, cumpriu apenas ordens superiores e salvou muitas vidas inocentes. Mas as forças da esquerda estão agora a julgá-lo pelo alegado desaparecimento de guerrilheiros que ele entregou às autoridades e cujo destino não é da sua responsabilidade. Teias que a História tece...
Visitei a Colômbia a seu convite e ele visitou portugal várias vezes. E, por coincidência, a última vez que me encontrei com ele foi em Madrid, no dia seguinte aos atentados nos caminhos de ferro!
Posso assim dizer que estou, de certa forma, a par da situação colombiana, que acompanho sempre com muito interesse e sobre a qual troco correspondência com o cor. Plazas.
As FARC, com duvidosas ligações ideológicas ao comunismo, são um grupo de malfeitores onde ninguém sabe ao certo quem verdadeiramente manda. O que tem tornado qualquer tipo de negociação uma missão impossível. Vivem da droga, de onde retira pingues proventos. O que quer dizer que sem combater seriamente este flagelo, nada avançará no bom sentido.
Claro que há um caminho, mas não me parece que haja vontade de o trilhar. Caminho que começa por encerrar desde já TODOS os paraísos fiscais.
O resto (lavagem de dinheiro, etc.)virá por acrescimo..
Caro Vouga,
Obrigado por esta achega que enriquece a visão deste grave problema que já dura há imenso tempo. Este caso concreto constitui um exemplo pouco vulgar, com as FARC dotadas de um potencial de muito peso e volume. É uma situação quie merece ser bem analisada por outros Estados.
Um abraço
João Soares
Com o respeito e consideração que me merece a opinião do coronel Fernando Vouga, fundamentada em conhecimento bem definido do assunto, creio, contudo, que qualquer movimento político ou não que adopte a guerrilha como forma de combater as autoridades só pode ser controlado através da via do diálogo. Quem nos diz isto é a História!
Um abraço para ambos
Caro Alves de Fraga
Foi com muito prazer que li o seu comentário. Em última análise, tem razão, porque a via da violência nunca resultou.
Na Colômbia já foi há anos (penso que na década de 70) negociada a paz com os guerrilheiros. E estes aceitaram em deixar a clandestinidade para lutarem como partido político.
Porém, aconteceu que a guerrilha continuou. Porque, "por azar", havia outras facções que não entraram no negócio... Ou seja, o governo colombiano passou a ter duas oposições: uma armada e outra legalizada.
O maior problema (e também a maior vulnerabilidade das FARC) reside na íntima ligação destas ao tráfico da droga. É este que financia o movimento, cujos contornos ideológicos há muito que se desvaneceram perante os rios de dinheiro que circulam pelas suas mãos. As FARC cabam por serem um verdadeiro Estado, controlado pelos carteis da droga que assim dispõem, para a defesa dos seus interesses, de um autêntico exército.
E só quando a droga for devidamente combatida é que o diálogo passa a ser viável.
Um abraço
Enviar um comentário