Em complemento do post «Obras Públicas sem controlo???» haverá interesse em ler o seguinte artigo de António Barreto, publicado hoje no PÚBLICO e no blog do autor «Jacarandá»:
Observar
Público, 14.06.2009, por António Barreto
A NOTÍCIA é simples. O Tribunal de Contas fez um estudo de algumas obras públicas. Cinco ao todo:
a ponte Rainha Isabel, em Coimbra;
a Casa da Música, no Porto;
o túnel do Terreiro do Paço, em Lisboa;
o túnel do Rossio, também em Lisboa;
e o aeroporto Sá Carneiro, no Porto.
Foram detectados atrasos, no acabamento das obras, entre um a mais de quatro anos, o que dá, em média, o dobro do tempo de construção para cada obra.
As derrapagens financeiras nos custos elevaram-se, no total, a 241 milhões de euros.
Entre as suas conclusões, o Tribunal de Contas sugere que seja criado um Observatório das Obras Públicas, com as funções de acompanhar e vigiar o processo de construção, o cumprimento dos calendários e a evolução dos custos. Uma entidade deste género estaria já prevista na lei, mas nunca teria funcionado.
O governo, pela voz de representante do Ministério das Obras Públicas, concordou e garantiu que tal Observatório seria criado e entraria em funcionamento no segundo semestre de 2009. Segundo a mesma fonte, a sua “operacionalização” está dependente de uma certificação de “software”. O Tribunal de Contas congratulou-se com a resposta pronta do governo.
Muitos foram os que celebraram a intenção do governo. Até um ex-ministro das Obras Públicas, João Cravinho, aprovou, não sem franzir o sobrolho: “O que é preciso é fazer cumprir a legislação. O fundamental é estabelecer, nas regras de contratação, as disposições que permitam tornar extremamente penalizadora a derrapagem".
O PROCESSO de criação deste Observatório, cuja utilidade está por provar, só tem um paralelo: o das obras públicas que se propõe observar.
Na verdade, há pelo menos cinco anos que este Observatório está em projecto e foi anunciado. O organismo de combate à derrapagem foi o primeiro a derrapar!
Em Novembro de 2004, com efeito, o então Ministro das Obras Públicas, António Mexia, foi ao parlamento anunciar a criação de um Observatório das Obras Públicas. Nada aconteceu, que se saiba.
Dois anos depois, em Maio de 2006, o novo ministro, Mário Lino, anunciava a “criação de um Observatório das Obras Públicas com vista a garantir um maior rigor na observação, atenta e sistemática, da Obra Pública, o que permitirá conhecer as causas dos desvios nos custos e nos prazos de execução das obras, e promover o conjunto de acções conducentes à sua eliminação”. Ainda nesse ano, o governo renova as suas intenções de “integrar num só documento toda a legislação publicada, criar um Observatório de Obras Públicas, de modo a determinar as causas dos desvios nos custos e nos prazos de execução”.
Mais um tempo e, em Novembro de 2006, novamente Mário Lino anuncia a fundação de um “Observatório de Obras Públicas que permita ao Estado avaliar o desempenho concreto de cada operador económico em cada obra”.
Em Outubro de 2007, o ministro volta a anunciar, na Assembleia da República, a “intenção de criação do Observatório de Obras Públicas, que terá como objectivo analisar e acompanhar todos os contratos de empreitadas de obras públicas”.
No ano seguinte, em Janeiro de 2008, o decreto que aprova o Código dos Contratos Públicos cria o Observatório das Obras Públicas. Passam os meses. Em Julho uma portaria do ministério define as regras de funcionamento do sistema de informação designado por Observatório das Obras Públicas: “A presente portaria procede à constituição e à definição das regras de funcionamento do sistema de informação designado por Observatório das Obras Públicas, nos termos do disposto no artigo 466.º do Código dos Contratos”.
E assim chegámos a Junho de 2009. O Tribunal de Contas propõe e o governo aceita. É anunciada a criação do Observatório.
OS EFEITOS deste Observatório, se vier a ser criado, são imprevisíveis. O modo de nascimento de certas organizações define já o que serão: pretextos ou empregos. Os observatórios entraram em moda há alguns anos e multiplicaram-se. Entre úteis e inúteis, a lista telefónica revela-os às dezenas.
O Observatório do QREN é uma estrutura de missão destinada a assegurar o exercício das actividades técnicas de coordenação e “monitorização” estratégica do Quadro de Referência Estratégico Nacional.
Em Abril de 2009, a Ministra da Educação, o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local e a Associação Nacional de Municípios Portuguesas acordaram em criar o Observatório das Políticas Locais de Educação.
O Observatório da Emigração é uma instituição criada em 2008 pela Secretaria de Estado das Comunidades em “parceria” com o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
O Observatório da Imigração é uma unidade criada no âmbito do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, que pretende aprofundar o conhecimento sobre a realidade da imigração em Portugal.
O Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, criado no âmbito do Ministério da Justiça, está sediado no Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde funciona desde 1996.
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde tem como finalidade proporcionar uma análise precisa, periódica e independente da evolução do sistema de saúde português.
O Observatório do Turismo é o órgão responsável pelo acompanhamento, divulgação e análise da evolução da actividade turística.
O Observatório dos Mercados Agrícolas e Importações Agro-Alimentares foi criado pela Assembleia da República.
ESTE não é o catálogo. Ficaram muitos por enumerar, como
o Observatório de Segurança de Estradas,
o Observatório do Endividamento dos Consumidores,
o Observatório das Desigualdades,
o Observatório de Prospectiva na Engenharia e Tecnologia,
o Observatório da Publicidade,
o Observatório do Comércio,
o Observatório da Ciência e do Ensino Superior,
o Observatório das Actividades Culturais ou
o Observatório do Emprego e Formação Profissional.
Sem falar nos observatórios municipais, que os há, nos regionais, que também existem e nos privados, que não faltam.
Para quê criar observatórios dependentes do governo? Para que servem as Inspecções e as direcções gerais? Por que não contratar entidades independentes, exteriores à Administração Pública, privadas ou estrangeiras? Já agora, comparem-se os prazos e os custos de obras públicas com grandes empreendimentos privados, a ponte do Carregado, por exemplo, ou os grandes centros comerciais. O resultado é uma vergonha para a Administração Pública.
Boas-Festas
Há 2 horas
2 comentários:
Caro João Soares
Fica-me uma dúvida: quem é que vai observar os observatórios? E quem é que va observar os observadored dos observatórios? E por aí fora?
Afinal, para que é que serve o Ministério Público, a judiciária, os tribunais e outros organismos de "observação"?
Quem é que paga? (aqui, dispenso a resposta...)
Caro Fernando Vouga
Porque é que ainda não se acabou com a corrupção e com o enriquecimento ilícito?
Só pode haver uma resposta: Não há vontade política. É assim que os políticos e os partidos recebem dinheiro vivo. É assim que se dá empregos milionários aos boys.
António Barreto foca o assunto muito bem, quase esgotando o tema.
Repara nuns apartes que deixei no post recente sobre o assunto entre parêntesis e a cor verde.
Para mim trata-se de corrupção e por isso, o escrevi nas etiquetas no fim do post.
Um abraço
João
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