28 especialistas bem conhecidos do grande público reuniram-se para analisarem os prometidos investimentos e elaboraram um relatório de que aqui se transcreve a versão sintetizada.
Apelo à reavaliação dos grandes investimentos públicos
Versão Sintetizada
A economia portuguesa viu agravar na última década, significativamente, os seus desequilíbrios estruturais, nomeadamente:
(i) A taxa potencial de crescimento da economia caiu de um valor médio anual de 3% para 1% ainda antes da actual crise internacional;
(ii) o défice externo (corrente + capital) situou-se, em média, em 8% do PIB, desde 1999, atingindo 10,5% em 2008;
(iii) a dívida externa líquida cresceu de 14% do PIB, em 1999, para cerca de 100% em 2008;
(iv) a dívida pública directa (a que há que a somar a indirecta) cresceu de 56% do PIB em 1999, para 67% em 2008;
(v) a dívida pública indirecta subiu vertiginosamente, sendo já 10% do PIB no sector público dos transportes e de outro tanto, com tendência crescente, nas parcerias público-privadas (PPP).
(vi) fraca eficiência do investimento e queda acentuada da poupança nacional bruta;
(vii) peso desproporcionado do investimento público que favorece os sectores abrigados da concorrência internacional, embora a competitividade externa, o crescimento e o emprego se joguem no sector produtivo dos mercados internacionais.
A insistência em investimentos públicos de baixa ou nula rentabilidade, e com fraca criação de emprego em Portugal, não é o caminho correcto no combate à crise económica. São projectos que exigem a mobilização de recursos avultados, com elevados impactos na dívida externa, e na dívida pública, e com custos de oportunidade significativos no ataque às nossas verdadeiras fraquezas estruturais e no crescimento sustentado da economia. Por isso defendemos, como economistas, que o interesse nacional exige uma reavaliação profunda dos mega-projectos públicos no sector dos transportes, das suas prioridades e calendários.
1. Na última década a economia portuguesa teve o pior desempenho relativo dos últimos oitenta anos, o que a fez divergir das economias da União Europeia. O empobrecimento relativo do País vem criando uma situação de mal-estar social, estagnação dos níveis de vida e aumento do desemprego.
É imperativo encontrar soluções, começando por compreender a componente estrutural da nossa crise, para além das actuais dificuldades conjunturais internacionais.
O peso do investimento na economia portuguesa em proporção ao rendimento nacional tem sido elevado, mas o seu impacto no produto (eficiência marginal do capital) tem apresentado, desde 1999, uma tendência decrescente relativamente à UE.
2. O novo contexto iniciado pela crise internacional representa o fim da era do endividamento fácil.
Tendo a economia portuguesa uma taxa de investimento que é o dobro da taxa de poupança nacional bruta, um défice externo anual elevado e uma dívida externa em crescimento explosivo, seria ainda mais irresponsável não aplicarmos os recursos financeiros mobilizáveis nos próximos anos em investimentos prioritários para a melhoria da competitividade nacional, para o aumento do rendimento nacional e para o controlo a prazo da dívida externa. A melhoria da qualidade do investimento é um imperativo.
3. Da identificação das nossas vulnerabilidades estruturais resultam, naturalmente, os critérios para a escolha dos investimentos públicos, em função de objectivos estratégicos, incluindo as prioridades seguintes:
(i) Reforço das políticas públicas que promovam o aumento da produtividade e da competitividade, tais como a reforma do sistema de justiça, a reforma das administrações públicas, a melhoria da qualidade do sistema educativo, e o fomento da inovação;
(ii) impactos previsíveis no rendimento nacional, na dívida externa e na dívida pública directa e indirecta;
(iii) melhoria da competitividade das empresas, em especial das pequenas e médias empresas, que representam a maior parcela do tecido produtivo do País e do emprego;
(iv) melhoria da qualidade da alocação de recursos na economia, incluindo a aplicação dos fundos da União Europeia, essencial para o aumento do crescimento potencial.
4. Os mega-projectos do sector dos transportes previstos pelo Governo devem ser reavaliados à luz das prioridades estratégicas da economia portuguesa para a próxima década. Só após essa reavaliação, baseada em estudos de custo-benefício com qualidade técnica reconhecida e elaborados com hipóteses realistas, é que deverão ser tomadas as decisões definitivas sobre a sua execução. E também só após uma reavaliação do modelo das PPP em função dos encargos e riscos futuros para os contribuintes.
De notar que, em situação não concorrencial, a realização de investimentos, em antecipação temporal á procura que o justifique, provoca uma destruição de valor económico. Em face das necessidades dos próximos anos, é muito duvidoso que os grandes projectos de investimento público possam ser considerados urgentes. Há também que considerar os seus custos de oportunidade, pois os fundos que absorverem ficariam a fazer falta para os investimentos alternativos com mais efeitos positivos na recuperação da actual crise económica, e na melhoria do emprego e da competitividade da economia portuguesa. Neste sentido, entendemos que se devem reconsiderar os seguintes investimentos:
a) Auto-Estradas
Em função dos investimentos vultuosos realizados nas últimas duas décadas, Portugal tem hoje uma rede viária eficiente e competitiva, pelo que são justificadas dúvidas sobre o sentido estratégico do programa projectado (ou em curso) de pesados investimentos, tanto em auto-estradas como no plano rodoviário nacional.
Há que reconhecer que são decrescentes os rendimentos marginais neste tipo de investimento público.
b) Projectos da Rede Ferroviária de Alta Velocidade (TGV)
Os estudos parcelares disponibilizados sobre a sua rentabilidade económica e social (mesmo se baseados em pressupostos optimistas) mostram que a sua contribuição previsível para a eficiência económica do País é muito diminuta, e pode até ser amplamente negativa em termos de Rendimento Nacional. E têm elevados custos de oportunidade no que toca aos fundos públicos, aos apoios da EU e aos financiamentos (dívida externa) da banca nacional e do Banco Europeu de Investimentos.
Por outro lado, tais estudos também evidenciam que, pelo menos na primeira década de exploração, não existirá procura suficiente para a rentabilização económica e social de tão pesados investimentos. Irão originar, por conseguinte, prejuízos de exploração significativos, a serem suportados pelos contribuintes. Constituem os três projectos previstos (Lisboa-Madrid; Lisboa-Porto; Porto-Vigo) uma prioridade estratégica para os próximos anos? Entendemos que não.
A prioridade deve ser dada ao transporte ferroviário convencional de mercadorias, tanto nacional, como sobretudo transfronteiriço.
c) Novo aeroporto de Lisboa
Com a crise internacional tem-se vindo a assistir a uma queda acentuada da procura de transporte aéreo. É evidente que as flutuações conjunturais da procura não podem, por si só, fundamentar uma decisão de adiamento futuro do aumento da capacidade aeroportuária da região de Lisboa. No entanto permite, pelo menos, um ganho de quatro ou cinco anos em termos de previsão da saturação da capacidade instalada. O que deverá ser aproveitado para a elaboração de projectos de maior rigor, incluindo as conexões ferroviárias, e para garantir o autofinanciamento total sem recurso ao Estado (directa ou indirectamente).
5. Mas, para além da análise projecto a projecto, entendemos que o programa de investimentos públicos deve ser globalmente avaliado, o que não foi ainda efectuado, atendendo ao seu elevado montante e à sua concentração temporal numa década crítica para a economia portuguesa. O impacto consolidado, macroeconómico e empresarial, de todos os mega-projectos de transportes e de outras PPP, aumenta a dívida pública, e torna seguramente o modelo económico-financeiro global consolidado inviável, de alto risco para os contribuintes e para a sustentabilidade financeira do Estado Português.
6. As opções de investimento público devem responder a uma questão chave num quadro de recursos limitados: onde devemos investir nos próximos dez anos, prioritariamente, para solucionar os verdadeiros estrangulamentos estruturais da economia portuguesa e assim aumentar a taxa potencial de crescimento económico?
Entendemos que o interesse nacional impõe uma reavaliação profunda das prioridades de investimento público. Para tanto justifica-se recorrer ao apoio consultivo de um painel de economistas, gestores e engenheiros, portugueses e estrangeiros, de reconhecida competência e independência do poder político e dos interesses económicos em discussão.
Neste sentido, poder-se-ia aproveitar o “interregno político” dos próximos meses para iniciar tal trabalho, por forma a que o novo Governo, pudesse dispor de um conjunto de recomendações sobre as prioridades de investimento público (incluindo os em PPP) para a próxima década.
Tendo os grandes investimentos públicos significativas implicações no nível de vida dos portugueses durante as próximas gerações, é imperativo que exista um largo debate e um largo consenso nacional antes das decisões políticas e antes destes investimentos avançarem. Se o fizermos, não só os portugueses ficarão mais informados sobre os projectos em questão, como o interesse nacional será melhor salvaguardado.
Boas-Festas
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