quarta-feira, 15 de julho de 2009

A comunicação social

Há a história do Rei que mandava matar o mensageiro para eliminar a notícia. Há a frase tapar o o sol com uma peneira e o caso do miúdo que exclamou «o rei vai nu». O jornalista está espelhado nestas imagens. Se diz a verdade que conhece pode ser acusado por incómodo, mas para lançar a boa imagem tipo propaganda é idolatrado, bajulado e muito querido'.
Os maiores escândalos nacionais. Os processos que foram motivo de mais conversas só existiram porque a comunicação social trouxe à luz do dia os respectivos crimes. Por isso, não podem ser ignorados quando se pretende a transparência democrática. Nestas condições, tem aqui lugar o artigo seguinte.

Essa coisa chata chamada comunicação social
DN. 090715. por João Miguel Tavares

Eu, que faço parte dessa terrível agremiação a que se costuma chamar "comunicação social", pergunto-me se haverá algum mal do país do qual esteja inteiramente inocente. Segundo as altas patentes da nação, a resposta é negativa. Fazendo uma breve compilação das suas queixas concluímos que o aumento do crime violento se deve ao excesso de cobertura do crime violento.
Que os sucessivos desastres na justiça se devem à falta de respeito pelo segredo de justiça.
Que os resultados das últimas eleições europeias se deveram à proliferação de sondagens falsas nos jornais e nas televisões.
Que o declínio da popularidade do primeiro-ministro se deve ao Público e à TVI.
Que os casos no futebol se devem ao excesso de programas sobre futebol e de diários desportivos.
E agora - esta confesso que nunca tinha ouvido - parece que os maus resultados nas provas de Matemática se deveram ao facto de a comunicação social ter andado para aí a dizer que os exames eram favas contadas, convidando os alunos portugueses - conhecidos pelo consumo frenético de notícias - a um ócio que se revelou trágico. Pelo andar da carruagem, só falta mesmo Maria de Lurdes Rodrigues vir queixar-se de ter deixado queimar o arroz do jantar de sexta-feira por causa de Manuela Moura Guedes.

Lembram-se daquele desagradável "chega para lá" da ministra da Educação aos jornalistas na noite das eleições europeias, à porta do Hotel Altis? Ele é sintomático da relação atribulada da senhora com a comunicação social, que é transversal a todo o Governo mas particularmente visível no Ministério da Educação. Não se trata aqui de defender a inocência angelical dos jornalistas. Quem já foi alvo de notícias - e eu fui-o recentemente, por causa do processo de José Sócrates - sabe que em metade dos casos há erros, citações enviesadas, imprecisões irritantes. Decerto que um ministro sente isso na pele, e nem sempre será fácil gerir situações que os próprios interpretam como grandes injustiças.

No entanto, eu também fui editor da secção de Sociedade deste jornal durante os primeiros anos do Governo Sócrates, e na altura o ministério de Maria de Lurdes Rodrigues batia todos os recordes de indelicadeza na sua (má) relação com os media. Os jornalistas telefonavam aos assessores de imprensa com as dúvidas mais singelas - da aclaração de um qualquer decreto à tentativa de obter uma reacção - e o que invariavelmente recebiam do outro lado era o silêncio ou a má educação. Ou seja, há ali um evidente problema cultural, uma dificuldade manifesta em lidar com o trabalho dos jornalistas, que me parece indesculpável - para não dizer patológica. É uma pena que não se vendam comprimidos de democracia nas farmácias. Quando as dificuldades apertam, há quem precise mesmo muito de os tomar.

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