Os ricos e os pobres
Jornal de Notícias 15 de Outubro de 29009. Por Manuel António Pina
Fora dos dicionários, pobreza e riqueza não são realidades opostas mas interdependentes.
Garrett perguntava-se, no século XIX, quantos pobres são precisos para fazer um rico e, sobre a Espanha pré-republicana (que a rebelião de Franco viria a repor), Neruda escrevia em "España en el corazón", um dos poemas mais comoventes do século XX: "Espanha pobre/ por culpa dos ricos". O que, na crueza dos números, significava 8 milhões de pobres, metade do país nas mãos de meia dúzia de pessoas e províncias inteiras propriedade de um só homem, enquanto o salário médio era de 1 a 3 pesetas por dia (um quilo de pão custava 1 peseta).
Angola é hoje um bom exemplo de como a riqueza de alguns se alimenta da pobreza de muitos. Os jornais publicavam ontem duas notícias de Angola: a de que todos os anos ali morrem com diarreia 20 mil crianças de menos de 5 anos, 600 mil não têm peso suficiente e 900 mil sofrem de subnutrição, e a de que, além de Isabel dos Santos, mais dois filhos do presidente angolano estão a investir milhões em Portugal. A vacina contra a gastroenterite custa umas poucas de dezenas de euros.
NOTA: Transcreve-se este texto porque, em poucas palavras, relata um problema demasiado generalizado pelo mundo que se tem agravado em consequência da globalização. Se noutras épocas os pobres eram explorados pelos ricos mas estes investiam no seu país e davam trabalho e meios de vida aqueles, hoje apenas exploram, pior do que os antigos colonialistas, e vão investir em locais distantes onde podem colher maiores dividendos para aumentar a sua fortuna, já no topo da escala mundial. Diarreia, subnutrição e muitas outras doenças endémicas são a «fortuna» dos pobres, «por culpa dos ricos» como dizia Neruda.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Injustiça social
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Esta questão dos pobres e dos ricos tem conduzido, quanto me tem sido dado observar, a muitos equívocos. Dir-se-ia, de acordo com algumas doutrinas políticas, que bastaria eliminar os ricos para resolver o principal problema da pobreza. Ora, a história mostra-nos que não é bem assim. Algumas experiências de cega eliminação dos ricos foram particularmente dolorosas para muitos e, em particular, para os putativos beneficiários de tais eliminações.
A história diz-nos mesmo que as sociedades mais prósperas, onde há maior riqueza global e, apesar de enormes desigualdades, melhor distribuição da riqueza entre todos os seus elementos, têm sido aquelas em que se permite, digamos assim, a formação de ricos. Penso, por isso, que não devemos deixar que os odiosos ricaços exploradores nos obliterem a visão de tal modo que nos façam esquecer outros gravíssimos problemas dos grupos em que eles se insiram, problemas esses que poderão não ser menos importantes do que o da existência de gente como eles e pouco disposta a perder injustas regalias.
Pedro Faria
Caro Pedro Faria,
Se os ricos conseguiram fortuna por modos honestos, como prémio do mérito, nada há a objectar. Mas...
Dê uma visita ao blog contrastesebipolaridades e veja o abandono a que estão lançadas as populações pobres, num país riquíssimo em que os governantes e suas famílias constam nas listas dos mais ricos do mundo.
É chocante não é?
Um abraço
João
Caro João Soares:
É indubitavelmente muito chocante ver a miséria que grassa num pais de abundância governado por uns tantos super ricos e não me move qualquer compreensão compassiva pelos cleptocratas. Mas trairia o meu interesse pelos que estão empurrados na miséria se lhes dissesse que resolveriam os seus problemas abatendo simplesmente aqueles ricos.
O que pretendo, portanto, é chamar a atenção para tentação imediata e difusa de ver nos super ricos a causa praticamente única da pobreza, uma distorção que, levada à prática, se traduziu já em novas e não menos dolorosas misérias.
Um abraço.
Pedro Faria
Caro Amigo Faria,
Aplica-se aqui o que deixei em comentário de outro post:
Nada acontece por acaso e é sempre possível encontrar as causas do bem e do mal, mas o conhecimento das causas não nos teve conformar com os factos negativos, antes pelo contrário, deve servir de impulso para a procura de soluções para acabar com aquilo que é negativo e socialmente injusto.
É preciso garantir dignidade a todos. Não significa que se premeie o desleixo e a incúria dos pobres com a acumulação de subsídios, mas sim dar-lhes orientações e condições para eles contribuírem para melhorar as suas condições de vida: esclarecimento, mentalização, organização e enquadramento técnico, e o financiamento equilibrado e indispensável.
Se é certo que muitos pobres nada fazem para melhorar a sua vida, acomodando-se a um fatalismo doentio e a «comodidade» do subsídio, há muitos que não beneficiam de apoio de formação escolar e cultural e de enquadramento técnico compatível. E, pelo contrário, são vítimas da avidez e ambição desmedida de pessoas desonestas que não olham a meios para enriquecerem o máximo à custa de qualquer um.
Abraço
João
Enviar um comentário