sábado, 6 de março de 2010

Política com horizonte imprevisível

Transcrevo dois artigos dos jornais de hoje que, embora não usem a mesma óptica, apresentam pontos de reflexão que ajudam a melhor interpretar as notícias que forem chegando, das áreas dos maiores partidos.

Os candidatos
Jornal de Notícias, 06-03-2010. Paulo Ferreira

O que se tem ouvido da boca do três candidatos à liderança do PSD não chega para animar a alma dos que, como eu, consideram fundamental a existência de um partido que sirva, a todo o momento, de alternativa sólida ao poder instituído. Não é que, pelo perfil e experiência dos contendores, fosse de esperar uma disputa politicamente substantiva. Mas seria de esperar que Paulo Rangel, José Pedro Aguiar-Branco e Pedro Passos Coelho se esforçassem por nos mostrar que estão à altura do que, dada a actual conjuntura e a que se adivinha, lhes pode cair nos braços: o governo do país, simplesmente.

A verdade é que dos debates e das conversas afins que os três nos têm proporcionado não brotou, até hoje, nada de muito estimulante.

As intervenções televisivas de Paulo Rangel têm roçado a catástrofe. O "killer instinct" que mostrou, a espaços, na liderança da bancada parlamentar desapareceu, as propostas de ruptura ou são tontas (exemplo: a criação de um secretário de Estado para mandar em cada uma das cinco regiões do país) ou são inúteis. Rangel está longe de ter a preparação necessária para o desafio que se propôs enfrentar. Deu, claramente, um passo maior do que a perna, coisa que acontece amiúde aos que se julgam muito acima do comum dos mortais.

Aguiar-Branco abandonou a pose seráfica e tem sabido calibrar os pares sobriedade e exigência, arreganho e transparência. Problema: falta-lhe o suplemento de alma que ajuda os indecisos a decidir-se. Para isso, ajuda ter ideias claras sobre o percurso a trilhar e os problemas a contornar. Se Aguiar-Branco as possui, não as tem conseguido expor.

Olhando para este panorama, Pedro Passos Coelho tem usado a estratégia mais inteligente. Sabendo que tem a mercearia do seu lado, muito por causa do trabalho realizado a partir do Porto, o candidato que anda há dois anos a fazer a rota da carne assada mantém-se com a serenidade de quem sabe que são os adversários que estão obrigados a estugar o passo.
Basta-lhe não correr muitos riscos nem embarcar em aventuras para não desiludir os largos apoios já conquistados. Vencerá por mérito seu ou demérito dos opositores? Um pouco das duas coisas.

O país ficará politicamente mais rico depois da contenda entre os sociais-democratas? Sim e não.
Sim, porque, pelo menos, haverá um período de estabilidade (curto ou longo, saberemos mais tarde) no principal partido da Oposição.

A lógica da pescada
Correio da Manhã, 06-03-2010, Joana Amaral Dias

A semana permitiu conhecer melhor os candidatos do PSD. A semana foi triste. Que nenhum deles tem experiência que augure um bom desempenho, já se sabia. Que nenhum consegue protagonizar um bom debate, confirmou-se agora. Todos ficam por meia dúzia de chavões e nem sequer se distinguem particularmente. Mas todos, mais ou menos explicitamente, afirmam que quem vencer no seu partido será o próximo Primeiro-Ministro.

Realmente, em 2005, foi Santana que perdeu e não Sócrates que venceu. Em 2009, também foi Ferreira Leite que saiu derrotada. Sócrates está no poder porque, nestes cinco anos, o PSD tem sido uma comédia. O próximo líder laranja chegará a Primeiro-Ministro porque, nestes últimos anos, o PS transformou-se numa tragédia. É aqui que bate o ponto.

O voto já não serve para escolher. Apenas para rejeitar. Logo, os aspirantes a S. Bento não têm que dar provas de nada ou fazer coisa alguma para lá chegar. Basta aparecer. E assim, os candidatos dos sociais-democratas, já sem pudor, integram essa lógica da pescada que antes-de-o-ser-já-o-era nos seus discursos de... postas dela. Alternativa? Só se for estancada a esfalfada alternância PS/PSD e se voltem a encarar as eleições como indispensáveis para saber quem é o senhor que se segue.

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