Recebi por e-mail este texto que transcrevo. Trata de uma realidade que está muito distante do ideal que todos desejamos. Merece ser meditado e suscitar de cada um o esforço possível para melhorar esta «cultura» nacional.
As palavras valem cada vez menos, os actos cada vez mais!
Público, 2010.06.11. Por José Manuel Fernandes.
Lembram-se do 10 de Junho de 2009? Poucos se recordarão - até porque demasiados trataram de fazer o contrário do que então lá se recomendava.
António Barreto - que ontem voltou a fazer um discurso notável, só que centrado na necessidade de o país honrar os seus ex-combatentes - pregou então as virtudes do exemplo. "Dê-se o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará", disse então. "Dê-se o exemplo de honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos."
Dificilmente se poderia ter ido, nos 12 meses que desde então decorreram, por caminhos mais radicalmente distintos. O poder não foi firme, antes teve tiques de autoritarismo, e também não foi flexível, porque foi errático. Não houve nem honestidade nem verdade, pois assistimos a grosseiros casos de manipulação dos poderes públicos e a uma campanha eleitoral erguida sobre um castelo de mentiras que a dura realidade desmascarou sem delonga. E também não houve nem poupança nem investimento saudável, antes endividamento e delapidação do escasso património da nação.
Pior: se há um ano António Barreto apelou a que se tivesse "consciência de que, em tempos de excesso de informação e de propaganda", as palavras dos políticos, empresários, sindicalistas e funcionários "são cada vez mais vazias e inúteis" e que o seu "exemplo é cada vez mais decisivo", o ciclo eleitoral e o ciclo dos orçamentos e dos PEC mostrou como há quem nada tenha aprendido e repita, de forma cada vez mais patética, um discurso propagandístico sem colagem com a realidade.
Não surpreende, por isso, que, não tendo o socratismo vigente entendido que "em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções empresariais ou políticas, o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas para o esforço de recuperação do país", se tenham sucedido os maus exemplos e o país esteja hoje mais longe da recuperação do que estava há um ano. Na verdade, como aqui escrevi a semana passada, a miséria moral que mina as fileiras do partido maioritário não é apenas lamentável e indecorosa, é politicamente corrosiva.
Assim, ao contrário do que alguns trataram de dizer precipitadamente, o discurso de ontem do Presidente da República não é tão inócuo como uma leitura apressada do seu apelo a não existirem "crispações inúteis" pode fazer crer. Isto porque Cavaco Silva disse, com clareza, que a "coesão nacional exige que a sociedade se reveja no rumo da acção política". Ou seja, não só "os sacrifícios que fazemos têm de ser repartidos de forma equitativa e justa e, mais do que isso, têm de possuir um sentido claro e transparente, que todos compreendam", como é fundamental não esquecer que "não se podem pedir sacrifícios sem se explicar a sua razão de ser, que finalidades e objectivos se perseguem, que destino irá ser dado ao produto daquilo de que abrimos mão".
O contraste entre estas máximas e a forma atabalhoada como se tem vindo a despejar medidas sem coerência nem visão, ou sem sequer se ter o cuidado de cumprir as normas constitucionais, não podia ser maior. Pelo que, ao lembrar que "quanto mais se exigir do povo, mais o povo exigirá dos que o governam", o Presidente começou a abrir caminho para a hipótese de dissolução. Até porque no dia em que os eleitores ("a sociedade") não se revirem no rumo do país, será necessário ouvir os eleitores.
Há um ano, no 10 de Junho de Santarém, Cavaco Silva disse que "a verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença", acrescentando que, "tanto no Estado como na sociedade civil, é preciso adoptar uma cultura de transparência e de prestação de contas". Agora acrescentou, quase enigmaticamente, que "os portugueses anseiam por limpar Portugal, aspiram a um país mais são, mais limpo, não querem viver numa atmosfera carregada e irrespirável". Faltou-lhe esclarecer que o lixo não está apenas espalhado pelas florestas portuguesas por falta de civismo, mas que do mais alto do poder executivo vêm os piores exemplos e o teimoso autismo que o impediu de escutar os avisos neste caminho para a insustentabilidade e hoje o impede de restaurar um clima de confiança. Um autismo que, de resto, José Sócrates manifestou na sua reacção às palavras do Presidente, ao considerar - no dia seguinte a termos contraído empréstimos a um juro superior ao que a Grécia pagará no plano de ajuda financeira da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) - que a nossa situação não é insustentável...
Ora é exactamente neste ponto que Cavaco Silva se deixa não só aprisionar pelos limites dos seus poderes presidenciais, como pelos cálculos inerentes ao calendário das Presidenciais, como ainda pela sua própria dificuldade em imaginar um país e um rumo realmente distintos. Mas encontrar esse país e esse rumo é, acredito, a única forma de sairmos do buraco onde nos deixámos aprisionar.
Se olharmos para o que nos propomos fazer para enfrentar a crise das finanças públicas - no essencial aumentar a carga fiscal - e aquilo que países como o Reino Unido, a Alemanha e a própria Espanha se propõem fazer - no essencial reduzir a despesa pública -, verificamos como insistimos em escavar a nossa sepultura. Pela simples razão de que o nosso principal problema é a falta de competitividade da nossa economia e nenhuma economia se torna mais competitiva quando as empresas e os cidadãos pagam mais impostos mas não recebem mais e melhores serviços públicos.
Se, em contrapartida, olharmos para os serviços públicos e verificarmos que muitos deles são redundantes, agravam as distorções sociais ao introduzir rigidez e centralismo onde deveria haver imaginação, inovação e descentralização, e até poderiam desaparecer de um dia para o outro que nem daríamos por isso, então agradeceríamos todo o espaço que fosse devolvido aos portugueses.
Como disse D. Manuel Clemente, bispo do Porto, na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa, "o melhor de Portugal pouco aparece e não abre geralmente os noticiários (...) mas existe e por ele mesmo continuamos nós a existir - apesar de tudo, mas não apesar de nós". Ora esse "melhor de Portugal" que se encontra "em muitas escolas, estatais ou particulares, em muitos estabelecimentos de saúde, serviços públicos e instituições particulares de solidariedade social", ou na vontade de vencer de muitos jovens licenciados, ou entre os "empresários e gestores com verdadeiro sentido de missão, que revelam surpreendente capacidade de inovar e conquistar mercados", esse melhor de Portugal precisa de mais espaço e de mais liberdade para triunfar. Não precisa, sobretudo, de um Estado controlador, dirigista, paquidérmico e submetido aos senhores do momento.
Querem um exemplo? Precisamos de escolas e de professores com mais autonomia e responsabilidade para, face a um aluno de 15 anos retido no 8.º ano, decidirem se este deve ou não ter uma oportunidade para tentar chegar ao 10.º ano, não precisamos de um ministério a passar quase administrativamente alunos ad hoc por esse país fora. Infelizmente, nos últimos anos, em Portugal tudo se centralizou, para tudo se criaram regulamentos e comissões e por todo o lado se desconfiou da imaginação e da iniciativa dos portugueses.
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