sábado, 24 de julho de 2010

Carreira de político

Transcrição, seguida de NOTA:

O deserto de ideias
Jornal de Notícias. 24-07-20. Por Rui Moreira

Pedro Alves é o novo e recém-eleito líder da JS, sucedendo a Duarte Cordeiro, que abandonou o cargo ao atingir o limite de idade e depois de ter sido assessor do Governo, é agora um ilustríssimo e notável deputado da nação. Segundo alguma da nossa atenta Imprensa de referência, Alves foi eleito com "forte maioria de votos". De facto, recolheu mais de 90% dos votos, o que é um feito assinalável para quem concorre em lista única…

Felizmente, o novo líder dos jovens socialistas tem ideias claras em termos de liderança. Naturalmente, apoia a candidatura de Alegre, justifica a "aliança" entre os dois maiores partidos portugueses pela crise internacional (porque não quererá decerto ofender Vitalino Canas e reconhecer que há uma crise doméstica), acusa o PSD de ser um partido neoliberal (uma vez que é sempre conveniente repetir o que Sócrates disse), critica as propostas do PSD que "deitam fora o legado de construção do Estado social" (já que não seria bem visto se confessasse que esse mesmo Estado social está a ser desmembrado pelo seu partido) e defende o investimento público e a "mobilização de membros da JS com o poder autárquico" como forma de resolver o problema do desemprego (ficando por saber se esse remédio se aplicará à falta de trabalho de toda a gente, ou se apenas permitirá "curar" justamente aqueles que se encontram filiados no seu partido).

Mas Alves não se ficou pelos diagnósticos assertivos e inovadores. Também quis deixar claro quais são as grandes prioridades do seu mandato e, na moção global de estratégia, propôs-se a humilde tarefa de "transformar à esquerda" salientando a importância das lutas pela adopção de crianças por parte de casais homossexuais e por um projecto "para o reconhecimento legal dos cidadãos transgéneros", garantindo que, quanto ao primeiro tema, se vai empenhar num "trabalho pedagógico para demonstrar que a homoparentalidade não provocará o fim do mundo" enquanto o seu segundo projecto deverá permitir "quase uma lógica simplex à mudança de sexo".

Ora, já se sabe que a ala esquerda do PS sofre de um pesado sentimento de culpa pela prática governativa que contrasta com as suas convicções mais profundas. Também se sabe que, por falta de imaginação e ausência de projectos, gosta de assaltar o laboratório de slogans do Bloco de Esquerda para, depois de num primeiro momento recusar e inviabilizar as suas iniciativas, acabar por decalcar as suas ideias fracturantes, fazendo delas as suas bandeiras.

Nada disso me surpreende porque na política o plágio não é crime, e as conversões oportunas são frequentes. Também não questiono a justeza e a relevância das causas que a JS promete defender. Aquilo que me aflige e preocupa é a falta de qualidade dos argumentos que são invocados sendo certo que, e convém que o saiba caro leitor, o seu iluminado autor que agora lidera a JS e que, se seguir as passadas dos seus antecessores, já tem o seu futuro garantido - seja como político da nova vaga ou como gestor de uma qualquer empresa pública - não é uma pessoa vulgar. É docente da Faculdade de Direito de Lisboa e, ao que me dizem, um competente assistente em contencioso administrativo e em direito do ambiente.

Faz-me dó, mas é um sinal dos tempos, que o PS, que tem ocupado o poder de forma quase ininterrupta ao longo dos últimos 15 anos, se tenha vindo a transformar numa fortaleza de poder, instalada num deserto de ideias e de areias movediças, e que ameace também vir a transformar-se aos poucos numa fortaleza vazia ou num deserto de gente.

NOTA: Deve ser sublinhada a elegante ironia deste artigo apenas desvendada para os incautos pelo conteúdo dos parêntesis. Tenho aqui referido a carreira dos políticos, agora confirmada pelo percurso do anterior líder da JS (assessor do Governo e deputado da Nação, para começar) e dos «geniais» «diagnósticos assertivos e inovadores», de autêntico ‘yesman’ do actual líder, prometedores de uma carreira brilhante. É agora professor universitário, o que não significa que o percurso desde a inscrição na jota, não deva muito ao apoio dos seus chefes, gratos pelo seu aplauso incondicional. Curiosamente, mesmo tendo concorrido em lista única, não obteve o voto de 10 por cento dos votantes. Fidel Castro e Hassan Hussein costumavam obter mais apoio.

Imagem da Net.

1 comentário:

Mentiroso disse...

«Faz-me dó, mas é um sinal dos tempos, que o PS, que tem ocupado o poder de forma quase ininterrupta ao longo dos últimos 15 anos, se tenha vindo a transformar numa fortaleza de poder, instalada num deserto de ideias e de areias movediças, e que ameace também vir a transformar-se aos poucos numa fortaleza vazia ou num deserto de gente.»

Há muito pior do que isto, tão mau que ofusca esta razão.

Durante todo esse tempo não mexeram uma palha para corrigir, pouco que fosse, as causas do fenomenal atraso estrutural do país provocadas pela má administração e sobretudo roubo descarado dos fundos de coesão pelos desgraçados governos do Cavaco. A única coisa que fez foi restabelecer as vagas para medicina para evitar a falta de médicos provocada pelo mesmo governo do Cavaco, e isto apenas muito recentemente. O que todos querem é encher-se com o que é dos outros.