quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Greve Geral treina para acção colectiva

A crise parece estar num beco sem saída, com frequentes notícias sobre o agravamento de vários índices. Há muita gente bem pensante a desejar o aparecimento de uma força que exija ao Governo prestação de contas sobre a maneira como está (ou não) a zelar pelos legítimos e reais interesses dos portugueses. Essa função fiscalizadora deveria caber, teoricamente, à AR, mas esta não se tem mostrado eficaz na contenção de erros e abusos dos governantes. Por isso, muitos anseiam pela vinda do FMI ou outro tipo de poder externo que moralize o funcionamento do regime. Mas a vinda do FMI não é agradável aos poderosos, viciados nos sucessivos erros que conduziram à crise, porque seriam impedidos ou obrigados a moderarem os abusos que lhes dão enriquecimento. Mas se estes não foram metidos na ordem, tudo continuará na degradação em que nos colocaram, a caminho do ponto de não regresso, do suicídio de uma Nação que não está capaz de encontrar em si forças para inverter a queda no abismo.

Não esqueçamos que, segundo as leis da Física, o movimento num plano inclinado é uniformemente acelerado, isto é, com velocidade continuamente crescente e exigindo uma força cada vez maior para poder fazer uma travagem eficaz e uma inversão de marcha em busca da recuperação.

Entretanto, o descontentamento generalizado na população produziu uma greve geral que uniu mais de um terço da população adulta a mostrar o descontentamento com a austeridade que nos é imposta por aqueles que estão na génese da crise e que se esquivam dos seus efeitos, a coberto do poder de que usam e abusam em benefício próprio. Acerca disso, o editorial do Jornal de Notícias, «A greve e a teoria da inevitabilidade» aponta para os seguintes tópicos de reflexão:

«Grandes ou pequenas, justificadas com bons ou maus argumentos, as greves são (quase) sempre exercícios de cidadania colectiva. Convém, por isso, não as desvalorizar, porque não se trata de actos de folclore.»

«O que fazer com o que foi adquirido? Como continuar a manifestar o descontentamento com as políticas do Governo e a postura dos empregadores?»

Para a combater a teoria da inevitabilidade, «é preciso convencer-se de que a tremenda luta que lhe calhou em sorte está balizada pelos erros que todos - e não apenas "eles", os políticos - cometemos há década e meia. A tradução disto faz-se em números: endividamento à razão de dois milhões à hora; desemprego a aproximar-se dos 11%; incapacidade crescente de pagar as dívidas; levantamento (1450 milhões de euros entre Setembro e Outubro) das poupanças guardadas no banco; e por aí fora...»

«Está bom de ver que é impossível continuar a viver assim. Está bom de ver que os nossos credores não confiam em nós e, portanto, não estão dispostos a emprestar-nos mais dinheiro. Está bom de ver que, sem controlarmos as nossas contas públicas, o caminho é um precipício. Está bom de ver que não se resolvem os problemas sociais sem uma sólida base económica. Está bom de ver que, sem aumentarmos a competitividade, não haverá melhores salários e melhor nível de vida...»

«Convergência de interesses e credibilidade do país são, por muito que as expressões possam incomodar, a chave para um futuro menos negro.»

Após a greve e no espírito dos tópicos citados acima, os «sindicatos pedem recuo na austeridade» o que evidencia que os líderes sindicais estão atentos e têm ideias quanto ao aproveitamento desta experiência de sensibilização da população para a defesa dos interesses nacionais, dos portugueses. Mas o Governo, indiferente aos legítimos anseios do povo, já fez saber que a margem de manobra para alterar as políticas que estiveram na origem da paralisação é "nula".

O Governo despreza os cidadãos em geral e principalmente os que são sempre os mais sacrificados e, para cúmulo de tal facto, o «Ministro das Finanças convoca banqueiros», não se sabendo se é para receber orientações deles para actuar em seu proveito, como parece ser a regra geral (ver por exemplo o post «Justiça Social ???»), ou como alguém disse, será apenas uma prospecção para futuro emprego, já que vozes bem audíveis dentro do seu partido pedem a sua a substituição no Governo.

É realmente um facto que os governantes têm uma visão distorcida que resulta em benefício dos poderosos, os que estão implicados nas causas da crise.

Usando de alguma ironia, o futuro ex-ministro das Finanças está a demonstrar muito senso prático, sentido das realidades e pretende preparar o futuro! Abre-se um concurso aos adivinhos: em qual dos bancos ele irá ser abrigado no futuro próximo? Jorge Coelho saltou das Obras Públicas para uma grande construtora civil. Para este, o lugar adequado aos seus interesses e favores prestados será um banco: BES, BCP ou BPI ??? Em qual deles irá cair?

Porque não se reúne com os representantes da maioria dos portugueses? São estes as maiores vítimas da crise, os que são mais sacrificados pela austeridade, mas também os que dão mais votos, e talvez tenham sugestões a apontar para a redução das despesas do Estado e para uma governação com maior justiça social.

Mas ele sabe que precisa de estar bem sintonizado com os patrões. Alguns deles já têm dado dicas e agora têm ocasião de as pormenorizar a fim de verem a vida mais facilitada.

Mas depois da grande adesão à greve, fica mais claro que será difícil que os implicados no desenvolvimento do problema, em qualquer nível, disponham de capacidade de mimetismo para contrariarem os seus hábitos e inverterem o fluxo dos seus empenhamentos, para passarem a ser agentes da solução.

Têm aparecido pessoas, com ar sabedor, a argumentar com a força da Constituição, mas essa é uma grande falácia de teóricos, pois tal documento esteve presente na gestação da crise e, se não a impediu, é porque a sua valência lhe serviu de cobertura. E como não é sagrada nem eterna e foi feita por humanos, sujeitos a erros, nada a impede (e tudo aconselha) de poder e dever ser profundamente alterada. A mudança de que o País precisa tem que ser muito profunda indo às raízes infectadas da árvore infestante.

A crise, sendo bem aproveitada, pode ser uma bênção para a construção do novo Portugal de amanhã. Mas se não forem criadas condições para que esse futuro seja melhor do que as últimas décadas (de degradação política e social), então de nada servem os sacrifícios que estão a ser exigidos aos portugueses mais carenciados e, habitualmente, mais explorados.

Da experiência desta greve conclui-se que a população tenderá para se organizar. Oxalá seja bem organizada, controladamente, para reagir energicamente, mas sem violência, porque esta, quando empregada, acaba sempre por ferir mais inocentes do que os verdadeiros inimigos do povo.

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