Hoje não fico pelas conclusões da conversa com o Amigo António e desço ao diálogo, tanto quanto a minha memória permite, porque não fiz qualquer gravação.
_ António, depois de conversar com várias pessoas, ainda não estou decidido em quem irei votar. Concordo contigo quando dizes que a decisão é nossa e a opinião dos outros não deve ser vinculativa, mas peço-te que me digas como orientar o raciocínio para me decidir.
_ Sabes que movimento o meu raciocínio no âmbito de valores e conceitos, sem me deter nos pormenores que só servem para embotar a nossa visão e desviar a atenção do fundamental. Em democracia, o voto é um direito e um dever que consubstancia o slogan «a soberania reside na população». Mas cuidado, porque a democracia representativa que hoje é tida como o regime menos mau, pouco tem a ver com a democracia directa, dos velhos tempos da Grécia antiga, em que o povo se reunia na praça central, a Ágora, onde eram tomadas as decisões mais importantes da cidade, por voto livre de todos os presentes. Agora, em democracia representativa, não é praticável cada cidadão se pronunciar nas decisões a tomar, e o povo limita-se a eleger os seus representantes, delegados, para gerirem os problemas colectivos.
_ Nesse caso, para escolher aquele em quem vou delegar todos os meus poderes de cidadania, preciso de o conhecer muito bem e de ter a certeza de que ele merece toda a minha confiança e vai resolver os assuntos do meu interesse como se fosse eu.
_ É isso mesmo, e até deve saber resolver os problemas melhor do que tu, porque deve ser um dos elementos mais válidos do País e procurará as soluções que melhor contribuam para os interesses nacionais, que favoreçam os cidadãos em geral, desenvolvendo uma sã justiça social. Mas, infelizmente, a tua escolha é limitada a meia dúzia de indivíduos ou de listas de voluntários que são colocadas à tua frente para escolheres uma. E se para Presidente da República, o problema não é fácil, para as legislativas, então, trata-se de uma tarefa desumana. Em boa verdade, não deves votar numa lista em que haja um indivíduo que não conheças bem e em quem não deposites total confiança. Mas, na realidade, aparecem listas de dezenas de elementos e apenas conheces, e mal, o líder. Desta forma falar de democracia e dizer que o povo é que escolhe, é uma falácia, é vitupério.
_ Mas o que pode fazer um simples cidadão como eu, perante tal cenário?
_ Não pode fazer muito. Uma grande maioria, por medo de represálias (há países onde é obrigatório ir votar), ou por dever de gratidão a um cacique, ou esperança de ser beneficiado por um seu favor, vão votar num partido porque já o fazem desde as primeiras eleições em que participaram ou porque simpatizam com um cabecilha local. Outros que pensam um pouco, e vêm que uns e outros não fizeram muito pelos cidadãos mas sim pelo próprio enriquecimento e dos seus familiares e amigos, recusam ser cúmplices daquilo que se atrevem a denominar de palhaçada, e surge o número assustador da percentagem de abstenções. Os analistas chamam aos abstencionistas cobardes, indiferentes, apáticos, sem sentido de cidadania. Um segundo tipo é o dos que não querem deixar de comparecer, pelos motivos atrás referidos, inutilizam o boletim de voto com um risco em diagonal ou frases insultuosas. Em geral estes votos inúteis, inválidos, são interpretados como de gente ignorante que não soube fazer a cruz dentro do quadrado, e o boletim deixou de ter significado. Um terceiro tipo de votantes tem vindo a aumentar que é o dos votos em branco que são interpretados como um sentimento de falta de confiança em cada um dos candidatos. O votante em branco pretende dizer: não sou preguiçoso nem indiferente e estou aqui para vos dizer que nenhum de vós merece a minha escolha.
_ Mas um boletim em branco pode ser aproveitado por um dos elementos da mesa para fazer uma cruz no seu candidato preferido. Não achas que há esse perigo?
_ Claro que acho isso possível. Nestas lutas pelo poleiro podem ocorrer lutas homicidas do género da que em Nova Iorque entre dois homossexuais terminou com a morte de um. Mas para o votante em branco isso não tem grande inconveniente porque ele sabe que um candidato acaba por vencer, mas como nenhum lhe merece confiança, a perda é menor. Por outro lado, por pior que sejam os elementos da «classe» política, não parece fácil tal conivência, e também porque não aceitariam a divisão dos boletins em branco por igual e não chegariam a acordo noutro critério, acabando por o desentendimento ser conhecido publicamente e gerado escândalo.
_ Falaste na necessidade de conhecer bem cada candidato ou lista para nisso assentar a decisão do voto. Mas, nas próximas eleições, para PR, não há muitos dados a apreciar por quem não tenha seguido durante anos as vidas de cada um, porque as pelavras deles não são confiáveis.
_ Pois é, meu caro, ninguém é bom advogado em causa própria. Repara no que eles dizem de si próprios «está disponível para «falar forte e grosso aos mercados financeiros, especuladores e aos senhores que mandam na Europa». Irá ser o «provedor do povo». Só ele mesmo poderá vencer o favorito na segunda volta. Etc. A par do auto-elogio, a maior parte dos discursos são vergonhosamente demolidores da imagem do rival que as sondagens colocam em melhor posição. Por outro lado, ao mesmo tempo que a generalidade das pessoas diz que é preciso haver grandes mudanças, vê-se uma convicção e de certo modo adesão à continuidade das pessoas e, portanto das ideias e das decisões o que retira a mínima esperança de soluções eficazes para a crise que estamos a viver, porque só por milagre quem esteve nas causas do problema pode travestir-se ao ponto de ser agente da solução. Creio que já te dei tópicos suficientes para puxares pelo bestunto e tomares a decisão que mais estiver de acordo com o teu pensamento.
_ Caro António, esta conversa foi muito proveitosa e vou ver se a reproduzo no meu blog para meditação dos leitores. Dentro em breve irei pedir a tua reflexão sobre esta frase que ouvi há pouco: «A humanidade está tão enlouquecida, desprezando valores e princípios, que já precisa de seguir os exemplos de animais ditos selvagens e irracionais, mas que se mostram mais sociáveis e regrados do que os humanos. Deus deve estar arrependido de ter construído um mundo assim e deve estar a pensar em se demitir!».
_ Não me metas nessas divagações. Isso seria areia demais para a minha camioneta.
Imagem do Google
António José Seguro
Há 18 minutos
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