Transcrição de artigo:
O imobilismo
Sol. 21 de Janeiro, 2013por José António Saraiva jas@sol.pt
Defendo há muito tempo que Portugal precisa de um ‘choque vital’. E esse choque vital passa pela redução drástica da despesa do Estado, de modo a libertar dinheiro para a economia.
O Estado gasta muito dinheiro de forma não reprodutiva, e isso tem contribuído para asfixiar o crescimento económico.
Sucede que só um partido está hoje empenhado nesse objectivo: o PSD.
Porque, desde a sua fundação por Francisco Sá Carneiro, é um partido de matriz liberal (e não social-democrata, como muitas vezes erradamente se diz), com ligações à classe empresarial e com vocação empreendedora.
Todos os outros partidos não querem a mudança.
Uns por razões ideológicas, outros por razões oportunistas.
Os partidos de esquerda, que durante muitos anos foram progressistas, estão hoje numa posição defensiva, pois o seu papel é defenderem com unhas e dentes as ‘conquistas dos trabalhadores’, obtidas depois do 25 de Abril e nos anos de vacas gordas.
É esta essencialmente a posição do PCP, mas também a do BE.
O caso do PS é diferente.
O PS é um partido do funcionalismo público e da pequena burguesia urbana, e a sua matriz é estruturalmente conservadora.
Não é um partido de grandes mudanças.
António Guterres e sobretudo José Sócrates tentaram transformar um pouco essa vocação, apontando num sentido mais liberal, mas não tiveram grande sucesso.
E a passagem do PS para a oposição levou-o a adoptar uma atitude de resistência activa às reformas, criando problemas por tudo e por nada, e acabando por não se distinguir muito do PCP e do BE.
Resta o CDS. O CDS tem uma posição diversa da da esquerda, até porque está no Governo, mas – não nos esqueçamos – é um partido ideologicamente conservador.
Não está vocacionado para fazer reformas.
É por isso que, perante a obrigatoriedade imposta pela troika de mudar muita coisa, os centristas se mostram de dia para dia mais incomodados.
Paulo Portas tornou-se um verdadeiro contorcionista, colando-se hoje ao Presidente da República, demarcando-se amanhã do ministro das Finanças mas não querendo romper com ele, sendo forçado a ter uma atitude em S. Bento, outra no Caldas e outra ainda na rua.
A divulgação do relatório do FMI sobre a reforma do Estado veio pôr a nu o conservadorismo ou a falta de coragem da esmagadora maioria do país.
A quase totalidade das forças políticas e sociais, e das figuras públicas, reagiu como se o relatório tivesse peçonha.
‘Não me associem a isso!’ – foi a reacção quase generalizada.
Ninguém quis ficar ligado àquelas propostas.
Apenas uma pessoa, Carlos Moedas, teve a coragem de dizer que o relatório estava «bem feito» e merecia ser discutido.
As outras pessoas e instituições demarcaram-se dele ou atacaram Moedas, numa tentativa de desviarem as atenções e não discutirem a questão de fundo.
Disse-se que o relatório era «precipitado», que vinha «tarde de mais», que tinha «números desactualizados», sempre com o mesmo objectivo: fugir à discussão sobre a reforma do Estado.
Acontece que, por muito que se fuja ao tema, o problema está lá.
E o problema é este: o Estado não pode continuar a gastar o que gasta.
Pensemos apenas no seguinte: o défice público, por força dos compromissos com a troika, tem de continuar a baixar; ora, não podendo os impostos subir mais (e não havendo muito mais ‘anéis’, como a EDP ou a ANA, para vender), resta-nos reduzir a despesa.
Não há como fugir daqui.
Mas a única força política que hoje assume esta necessidade é o PSD.
Todas as outras fogem com o rabo à seringa – não só a tomar medidas, mas mesmo a discutir as medidas.
Como fazer então?
Acho que não vai ser possível fazer nada – e que esta questão pode muito bem levar ao fim do Governo.
Vamos cair num impasse: por um lado há que reformar o Estado, mas por outro há uma grande maioria contra essa reforma.
Registe-se:
O PCP está contra.
O BE está contra.
A CGTP está contra.
O PS está contra.
A UGT, quando as medidas apertarem, estará contra.
O CDS vai tentar empatar.
E, last but not least, uma boa parte do PSD também está contra. Não falo apenas de Manuela Ferreira Leite ou António Capucho – falo de todos os candidatos do PSD às autarquias que, com medo de perderem as eleições, vão estar na primeira linha das críticas ao Governo (veja-se o lamentável ataque de Carlos Carreiras a Carlos Moedas).
Ora, como será possível reformar o Estado com uma esmagadora maioria do país contra?
A reforma do Estado não irá pois fazer-se – e esse fracasso (e correspondente pressão política e financeira) poderá provocar a queda do Executivo.
No meio disto, só não percebo o contentamento de muitas pessoas de esquerda.
Elas não entendem que, se o Governo cair, a esquerda ficará com a batata a escaldar nas mãos (uma batata ainda mais quente do que hoje, pois os mercados voltarão a ‘atacar- nos’)?
Se o Governo cair, o que fará a esquerda?
Aumentará ainda mais os impostos?
Reduzirá brutalmente os encargos do Estado, fazendo aquilo que hoje nem quer discutir?
Não fará uma coisa nem outra e correrá com a troika daqui para fora?
E a seguir, quando os cofres se esvaziarem, dirá que a situação deixada pela direita era tão má, tão má, tão má, que não é possível pagar aos funcionários públicos?
Este quadro de terror não é tão longínquo quanto se pensa.
Imagem do semanário SOL
Mensagem de fim de semana
Há 1 hora
5 comentários:
Caro João Soares,
Aqui deixo mais:
«Explicar o ‘bê-á-bá’
António José Seguro disse no fim-de-semana, pela centésima trigésima oitava vez, que é preciso relançar a economia.
E está cheio de razão.
Nenhum sacrifício terá valido a pena se a economia não voltar a crescer.
Como poderemos então concretizar este objectivo?
Tenho ouvido dezenas de comentadores e políticos-comentadores falar nas televisões sobre o ‘relançamento da economia’, e fico sempre com a impressão de que muitos deles não fazem a mínima ideia do que estão a dizer.
Debitam palavras.
É isso que me leva a escrever este artigo.
O incremento da economia faz-se através do investimento, e basicamente há três tipos de investimento: o investimento público, o investimento privado nacional e o investimento estrangeiro.
O investimento público foi aquele em que apostou forte um homem chamado José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Sócrates lançou grandes projectos como o TGV ou o novo aeroporto de Lisboa.
Mandou construir auto-estradas de utilidade duvidosa.
Incentivou pessoalmente negócios como o Magalhães, os automóveis eléctricos ou as energias renováveis, não tendo problemas – honra lhe seja – em vestir a pele do vendedor para promover estes produtos.
Foi à Venezuela ao encontro de Chávez, foi à Líbia ao encontro de Kadhafi, e convidou ambos a visitar Portugal, sempre com o mesmo objectivo: conseguir mercados e compradores para os produtos nacionais.
Visitou centenas de empresas, deixando palavras de optimismo.
E este esforço foi apoiado por um marketing agressivo, que deu enorme eco a todas as iniciativas, no sentido de galvanizar os portugueses e afastar do horizonte qualquer ideia de crise.
Ora, qual foi o resultado final desta política? (...)
(...) A economia cresceu muito pouco e a dívida pública e a dívida externa cresceram em flecha.
Assim, sem querer, Sócrates mostrou que a tentativa de fazer crescer a economia através do voluntarismo e do investimento público não resulta.
A dívida cresce muito e a economia cresce muito pouco.
Para incentivar a economia restam, pois, dois caminhos: o investimento privado nacional e o investimento estrangeiro.
No que respeita ao investimento nacional, está muito condicionado pela situação difícil das empresas e pela má situação dos bancos.
Como os bancos têm dificuldade em capitalizar-se, não dispõem de margem para financiar as empresas – e estas ficam sem possibilidades de investir.
É um ciclo vicioso.
Para a situação neste aspecto se normalizar, é preciso que Portugal recupere a confiança dos mercados – de modo a que a banca volte a financiar-se directamente lá fora em boas condições e possa apoiar as pequenas e médias empresas.
E o mesmo vale para as grandes empresas.
Quanto ao investimento estrangeiro, o caso coloca-se aproximadamente do mesmo modo.
Para que os investidores externos apostem em Portugal, é preciso que o país recupere a sua imagem no exterior.
E essa recuperação passa pela estabilidade política e pelo cumprimento dos compromissos que o país assumiu.
‘Credibilidade externa’ é pois a expressão-chave, que vale para o investimento estrangeiro, para o financiamento dos bancos e das empresas, e para o próprio financiamento do Estado.
Ora, pela evolução dos juros da dívida, verificamos que o país perdeu a credibilidade com a política seguida até 2011 (obrigando ao pedido de resgate por parte de Sócrates), e começou a recuperá-la com a política de austeridade seguida de então para cá.
A austeridade foi, portanto, decisiva para recuperar a confiança externa – recuperação esta sem a qual seria agora impossível o relançamento da economia.
Dito de outro modo, sem ter havido austeridade não haveria perspectivas de crescimento económico.
Este caminho tinha de ser feito.
Depois do regresso aos mercados, que esta semana se iniciou timidamente, mas com sucesso, aliado às reformas realizadas na legislação laboral (e noutros sectores como a Justiça), haverá teoricamente condições para o investimento começar a crescer.
Mas isso, note-se, não depende do Estado nem do Governo – depende dos investidores nacionais e internacionais.
E atenção: mesmo que as melhores expectativas se confirmem, não podemos dizer abruptamente adeus à austeridade e voltar ao passado.
Portugal é como um doente que teve uma pneumonia, e que não pode de um ia para o outro começar a fazer uma vida normal – andando na rua, apanhando chuva e frio, etc.
O organismo tem de se adaptar progressivamente à normalidade.
Aquilo que o país alcançou através de um caminho difícil e trabalhoso não pode vir a ser prejudicado por actos precipitados e imprudentes.
Tendo em conta o que passámos (e ainda estamos a passar), não nos podemos deixar tentar outra vez por aqueles que, quais diabinhos, nos piscam o olho e prometem facilidades.
À primeira cai qualquer, à segunda cai quem quer. AJS - SOL
Caro Relvas,
Obrigado pela análise económica do país e por apontar erros de consepção da procura do melhor caminho. Nestas coisas o voluntarismo e a teimosia não são bias ferramentas se o caminho não foi encontrado com a colaboração de quem está no sector e sente os problemas com realidade. Se estamos em democracia, sonde-se as opiniões dos cidadãos, dos mais válidos e entusiastas na resolução dos problemas reais.
Os erros do passado não devem ser chorados, mas sim relembrados pragmaticamente a fim de não serem repetidos. Vejamos a década de 90 em que se extinguiu a agricultura, as pescas e muitas indústrias e se entrou numa euforia de economia terciária, sem perspectivas suficientes para desenvolver Portugal. Tudo isso foi feita em estúpida obediência aos interesses da França e da Alemanha, sem ter capacidade para vislumbrar o buraco en que se ia enterrar o País, numa euforia de consumismo sem alimentação financeira correspondente.
Embora não seja do interesse dos bancos que puxam os cordelinhos que movem os políticos, é urgente mentalizar as pessoas e desde as crianças da infantil a respeitar o dinheiro sabendo gastá-lo racionalmente, acabar com o «vá de férias e pague depois», bagunça que nos arrastou a falências de famílias e de muitas empresas.
É imperioso que se lancem campanhas nas escolas e em todas as agremiações para a mentalização das pessoas, no sentido de que não serve de nada chorar a crise, mas sim agir de forma correcta e corrigir os erros já feitos.
Abraço
João
Caro AJS,
A RTP está a mudar. Está a trazer ficção nacional gerando emprego aos actores portugueses e relembrando, de várias formas e em vários programas factos e a história de Portugal. Existem programas que começam a mostrar serviço público e segundo consta um novo "TV RURAL" estará na calha de forma a ensinar alguma coisa a esta geração que precisa de reaprender a agricultura e a pecuária. Assim como as pescas. Seria bom reabrir as saudosas escolas de formação de regentes agrícolas... Entre uma disciplina curricular cívica, de carácter obrigatório, no ensino obrigatório que verse estas e outras actividades ou pelo menos que as dê a conhecer de forma a incentivar o seu interesse e participação para lá dos shots e a ganzinha do dia-a-dia.
Não será fácil mudar mentalidades sem os tais seis meses de democracia suspensa, como dizia, em tempos, Manuela Ferreira leite. Ou seja uns tempos de responsabilidade. Temos de perceber porque o norte da Europa é algo que não conseguimos ser.
É preciso repensar a nossa maneira de estar na vida. Se calhar reaprender velhos hábitos que até nas aldeias se perderam; solidariedade, conunidade, responsabilidade e diversão.
E lembrei-me da figura do regedor que bastava para impor respeito num momento actual em que se tenta colocar a justiça no mapa. Com todos os interesses dos vários magistrados, advogados, funcionários judiciais e leis mal pensadas em constante confronto...
Um abraço
Caro Mário Relvas,
As palavras deste seu comentário merecem ser transcritas para programas eleitorais dos maiores partidos.
O povo é bom e bem intencionado, mas precisa de estímulo se sugestões de civismo e cultura.
A TV tinha bons programas que além de ensinarem agricultura, ensinavam a bem conduzir, a reparar carros a fazer aeromodelismo e outras formas de artesanato, a falar e escrever bem o nosso idioma etc, etc.
Hoje, infelizmente transmite imagens que puxam para a degradação da nossa juventude, para o crime e a violência, passando pelo desrespeito, as manhas, os baixos truques de desonestidade.
Abraço
João
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