segunda-feira, 7 de agosto de 2017

NECESSIDADE DE CORPO DE AGENTES FLORESTAIS

Transcrição de texto de Rute Coelho, publicado no DN em 6/0872017
"Devia ser criado um corpo nacional de agentes florestais"




Reformado da Polícia Judiciária, António Carvalho dedica-se ao setor privado
PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS

António Carvalho trabalha para seguradoras como perito em incêndios.

É na esplanada da Graça, em Lisboa, debaixo da sombra dos grandes e velhos pinheiros-mansos, que vamos ao encontro de um dos maiores especialistas em incêndios do país: António Carvalho, 60 anos, reformado da Polícia Judiciária onde era coordenador de investigação criminal de incêndios. Há quatro anos que trabalha no privado, para várias seguradoras, a fazer peritagens de incêndios e explosões urbano-industriais (para o património florestal não há seguros, dado o risco elevado). É com conhecimento acumulado de décadas que retira conclusões sobre o estado do país em matéria de prevenção de fogos florestais. "Outro Pedrógão pode acontecer", garante. "Os partidos do eixo do poder, PS e PSD, têm há 30 anos um comportamento de negligência grosseira relativamente aos incêndios. Deviam estar calados e escondidos."

Como não aprecia o hábito português de criticar sem apontar soluções, deixa uma sugestão: "Devia ser criado um corpo nacional de agentes florestais, com funções de controlo do espaço florestal e de auxiliares da silvicultura." No fundo, explica, bastaria "vontade política" para ir repescar o modelo dos guardas-florestais que existiu até 1997. "Apesar de serem designados de agentes não teriam funções policiais ou de fiscalização. Cada concelho com um gabinete técnico florestal teria dois agentes." Seria um corpo de pelo menos 250 agentes florestais (existem 300 municípios. "O recrutamento seria feito nas escolas técnico-profissionais e também entre os bacharéis de engenharia florestal."

António Carvalho também defende que o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) devia deixar de ser distribuído da forma clássica, com os meios mobilizados na capacidade máxima apenas na fase Charlie, entre 1 de julho e 30 de setembro. "As fases de combate aos incêndios (de 15 de maio a 15 de outubro) estão desajustadas e não estão adaptadas às condições meteorológicas." O país tem vindo a enfrentar anos com seca cada vez mais extrema. "A manta morta dos combustíveis e do espaço florestal tem cada vez menos humidade, os combustíveis secam mais cedo. Temos ventos cada vez mais fortes e inconstantes. Leva a que o risco aumente face ao mesmo espaço. Se o risco aumenta, e temos alteração nas condições climatéricas, tudo o que aconteça mais cedo, em maio ou junho, pode ter repercussões mais nefastas relativamente a outros anos em que só acontecia em agosto." O que se tem visto no terreno este verão "é uma ausência das equipas especializadas no combate imediato ao fogo para irem proteger aldeias isoladas, algumas com duas ou três casas. No fogo de Mação não havia dispositivo no terreno para uma resposta ao tempo".

No combate aos incêndios o tempo é crucial. "Mandam dez aviões e 500 homens, por exemplo. Mas a pergunta que se tem de fazer é: ao final dos primeiros 60 minutos quantos lá estavam? Passada essa primeira hora o incêndio torna-se proativo e propaga-se."

Perante a descoordenação dos meios a que o país tem assistido, António Carvalho não tem dúvidas de que é possível acontecer outra tragédia como Pedrógão. "Proteger as pessoas está correto mas temos de impedir que o fogo chegue perto das habitações. E não é no terreno que se toma essa decisão. E depois vemos nas televisões imagens das pessoas com mangueira de rega a combater as chamas e a cortarem a erva à volta da casa, erva que deviam ter cortado três meses antes. E andamos a protegê-los? O que é que a freguesia e o concelho fizeram para que a lei fosse cumprida? "Fala com o desgaste de quem já está farto de incúria. Falta "intervenção estratégica", garante. "Tirando 1% a 2% de causas naturais que são atmosféricas, 99% dos incêndios em Portugal têm intervenção humana e acontecem por negligência, que é punida até cinco anos. Os fogos com causa intencional, com dolo, punidos até 13 anos, são residuais. O primeiro passo devia ser "impedir que os incêndios por negligência (queimadas, atirar pontas de cigarro, fogueiras para churrascos ou para redução de combustíveis) aconteçam, apostando numa fiscalização estratégica". Essa fiscalização deve ser feita pela polícia de proximidade, que é a GNR nas zonas rurais. "Nas zonas em que se fazem queimadas agrícolas, até às 10.00 ou 11.00 da manhã, o reacendimento pode acontecer por volta das 14.00. A autoridade devia ter estes períodos em consideração. Se um fogo fica ativo à meia- -noite então foi posto porque a essa hora não há queimadas."

Quanto aos incendiários locais, lembra que estão estudados pela PJ e que "deviam ser integrados nas equipas de combate aos fogos ou de tratamento das florestas". Porque o que acontece é serem "presos e libertados", sucessivas vezes. Para António Carvalho "o país não está melhor do que no tempo da troika, está na mesma, e não tem outro remédio senão ficar na União Europeia. Devemos continuar a receber refugiados mas tratá-los como imigrantes que estão integrados na sociedade e trabalham".

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