«Deveres e direitos»
(Publicada no Semanário O DIABO em 2 de Janeiro de 2019)
Ultimamente tem havido muitos acidentes que são consequência do desprezo pelos deveres relacionados com a carência de preparação para o cumprimento de tarefas da própria função assumida. Isto verifica-se a todos os níveis da vida nacional, desde os trabalhadores mais humildes aos governantes de mais altos cargos.
Reflectindo sobre o caso, conclui-se ter havido uma mudança dramática depois do 25 de Abril que levou as pessoas a falar abusiva e teimosamente de direitos e esquecendo os deveres. E não são apenas os enfermeiros grevistas que, para defenderem aquilo que dizem ser seu direito, se esquecem de que colocam as vidas e a saúde de muitos doentes em perigo, por não cumprirem os seus deveres profissionais, o respeito pelos direitos das pessoas aos cuidados de saúde, o dever ético de sensibilidade, solidariedade, ajuda, colaboração, prevenção e contributo para uma humanidade mais feliz e harmoniosa.
Conheci o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) cujo artigo 4º continha inúmeros deveres e não havia nenhum artigo a falar de direitos. Mas hoje apenas se ouve falar de direitos e ninguém se refere a deveres nem a responsabilidades. E, ao mais alto nível da sociedade, há quem se considere imune e impune, desprezando as próprias leis, como se elas fossem apenas para os outros e chegando a acções inqualificáveis, como tem acontecido com alguns deputados, segundo consta nos jornais. Até já ouvi, com muito espanto, governantes afirmarem que o Governo não era responsável pelo acidente na estrada de Borba, pelos incêndios destruidores de vidas e de haveres, como o de Pedrógão ou pela demora da reacção à queda do helicóptero do INEM em que morreram quatro pessoas qualificadas. E o espanto assenta no facto de o Poder Executivo ser o mais alto responsável por tudo o que acontece ou deixa de acontecer no País. Não pode sacudir a responsabilidade para ninguém, a não ser pedir contas a instituições que dele dependem.
Mas muitas dessas instituições não foram dotadas de direcções escolhidas pela competência e pela experiência assente no sentido do dever que as levasse à procura da correcção das acções a praticar, com sentido de responsabilidade, preocupação na excelência dos resultados, para bem de Portugal e dos portugueses.
E, já que referi o RDM, ele tem contribuído para a formação ética de gerações de heróis nacionais que se distinguiram pela moralidade e dignidade dos seus comportamentos na qual se baseava a sua promoção aos sequentes cargos, inclusivamente a promoção a General que era decidida pelo Conselho Superior do seu Ramo. Infelizmente, há poucos anos, o Governo decidiu intrometer-se em tal gestão de pessoal, sobrepondo critérios políticos aos da experiência e competência, o que já deu resultados criticáveis. Os jornais referiram que o anterior CEME da simpatia do PM, retirou das funções o comandante do Regimento de Comandos por, no discurso que proferiu numa cerimónia militar da Unidade, ter referido o modelo exemplar de seu antecessor que tinha morrido recentemente poucos dias depois de ter sido condecorado no leito do hospital pelo PR pelo seu comportamento meritório. Esse falecido, apesar da sua competência, não era da simpatia do CEME.
Desde os bancos da escola e nas diversas profissões deve haver o cuidado de alertar cada trabalhador, cada funcionário, para os seus deveres e a forma de efectuar correctamente as tarefas. A notícia da demora de duas horas da chegada dos socorros ao local do acidente do helicóptero, traduz falta de sentido de responsabilidade e de cumprimento do dever dos intervenientes no funcionamento das comunicações. Pode até ter acontecido que, se tivesse havido um comportamento excelente pudessem ter sido poupadas algumas vidas.
Não esquecer que, mais do que os direitos, valem os deveres.
António João Soares
25 de Dezembro de 2018
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